Chegamos ao fim a época preferida dos cinéfilos paulistanos. Mas após o fim da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo na última quarta-feira, 30 de outubro, nossa redação separou 10 indicações de filmes que ainda não chegaram aos cinemas, mas que você já pode ficar de olho!
10 – Ainda Estou Aqui
Para começar, nada melhor que indicar o filme nacional mais aguardado do ano e que estreia já nesta semana. Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, traz a sensível história de luta de Eunice Paiva (Fernanda Torres), para lidar com a ausência e a morte do marido, que foi sequestrado durante a ditadura militar brasileira.
Baseado no livro de Rubens Paiva, o longa acompanha a trajetória de Eunice, que, após o desaparecimento do esposo, decide se reinventar, criando sozinha os filhos e buscando, anos depois, o reconhecimento oficial de sua morte pelo Estado.
Salles evita a exploração excessiva de emoções, criando uma atmosfera melancólica e de grande sutileza, o que torna a história ainda mais impactante. A atuação de Fernanda Torres no papel de Eunice é, talvez, o ponto alto do filme, trazendo força e sensibilidade à personagem, enquanto o terço final do filme, com a participação de Fernanda Montenegro, traz uma poderosa reflexão sobre o impacto do tempo e das ausências na vida de uma família.
9 – O Banho do Diabo
O Banho do Diabo, da dupla austríaca Veronika Franz e Severin Fiala, é uma história de terror folclórico que vai além da simples tensão sobrenatural, oferecendo uma reflexão brutal sobre a luta das mulheres aprisionadas pela servidão doméstica.
Ambientado na Áustria do século XVIII, o filme inicia com um prólogo chocante, onde o destino trágico de uma mulher se entrelaça com o folclore local, estabelecendo um tom sombrio que permeia toda a narrativa.
A trama se concentra em Agnes (Anja Plaschg), uma mulher que, ao casar-se com Wolf (David Scheid), se vê isolada em uma caverna na floresta, longe da sociedade e presa em uma rotina opressiva. Sua busca desesperada por um filho se torna um símbolo da sua tentativa de escapar da solidão e da rejeição, refletindo uma realidade feminina que ressoa com as dificuldades enfrentadas pelas mulheres contemporâneas.
Com uma atmosfera densa, mostrando que o real é tão assustador quanto o sobrenatural, O Banho do Diabo é um terror visceral pela maneira como mergulha na condição feminina, demonstrando que os horrores do filme são intimamente ligados às realidades muitas vezes invisíveis da vida das mulheres.
8 – Salão de Baile
Salão de Baile é um documentário vibrante e ousado que busca capturar a essência da cultura ballroom no Brasil, com foco na cena emergente do Rio de Janeiro. Embora o filme siga uma estrutura familiar para os fãs do gênero — com Houses, categorias de baile e gírias estilizadas —, ele se destaca por sua identidade própria, trazendo uma visão local e autêntica.
A obra é uma celebração visual da dança e da música, com cores vivas e uma trilha sonora polirrítmica que acompanham a energia e a alegria dos participantes. Dirigido por Juru e Vitã, o filme abraça o caos das diversas narrativas e experiências vividas por essa comunidade, especialmente no que diz respeito às questões de gênero, raça e à vulnerabilidade das pessoas trans no Brasil.
Embora a tentativa de combinar várias abordagens tenha gerado uma mensagem política por vezes desconexa, Salão de Baile é uma obra valiosa, que ilumina a força e os desafios dessa subcultura, oferecendo uma experiência sensorial divertidíssima e educativa para o público fora do meio.
7 – O Senhor dos Mortos
O Senhor dos Mortos, o mais recente filme de David Cronenberg, é uma reflexão profundamente pessoal sobre o luto e os limites da tecnologia na busca por respostas emocionais. Estrelado por Vincent Cassel como Karsh, um magnata que cria uma tecnologia para monitorar os túmulos de seus entes queridos, o filme explora a perda através da jornada de seu protagonista, que se vê envolvido em uma investigação após um ataque a seu futurístico cemitério.
Ao lado de seu ex-cunhado Maury (Guy Pearce), ele mergulha em conspirações que revelam suas diferentes formas de lidar com a dor. Cronenberg, conhecido por seus filmes que exploram o horror corporal e a interseção entre tecnologia e a condição humana, utiliza O Senhor dos Mortos como um veículo para expressar seu próprio luto pela morte de sua esposa, Carolyn.
A obra mistura momentos sombrios com toques de humor peculiar, especialmente na atuação de Cassel, que dá um tom risível à sua entrega emocional, refletindo a dessensibilização de seu personagem. Com uma narrativa que se entrelaça com o processo não linear da cura e da aceitação, o filme oferece uma discorre sobre as mentiras que nos contamos para lidar com a perda.
6 – Dying – A Última Sinfonia
Dying, dirigido por Matthias Glasner, é um drama sombrio e implacável que expõe as rachaduras de uma família disfuncional, mergulhada no distanciamento emocional e na falta de afeto. A história segue a família Lunies, composta pelos pais idosos e doentes, Lissy e Gerd, e seus filhos adultos, Tom e Ellen, cujas vidas pessoais caóticas refletem a ausência de conexão entre eles.
A montagem fragmentada e a escolha de uma narrativa não linear reforçam o caos e a desordem que marcam as relações familiares. A câmera foca de perto nas fragilidades físicas dos pais e nas crises emocionais dos filhos, que estão imersos em suas próprias angústias, sem apoio ou carinho mútuo.
Mesmo em momentos de vulnerabilidade, o filme revela a impossibilidade de consolo dentro do seio familiar, o que confere à obra uma sensação de desolação e individualismo. A falta de empatia é contrastada com momentos de humor negro, que, embora tragam leveza, nunca deixam de ser desconfortáveis, refletindo a ironia amarga da situação.
Dying – A Última Sinfonia é uma obra corajosa e crua, que vai direto ao ponto ao explorar os limites dos laços familiares e o impacto devastador do isolamento emocional.
5 – Os Enforcados
O filme Os Enforcados, sob a direção de Fernando Coimbra, é uma obra multifacetada que mistura humor, tensão e um olhar crítico moralidade, tendo como peças principais a classe média emergente. Com uma narrativa inspirada na dramaturgia shakespeariana, o longa acompanha Regina (Leandra Leal) e Valério (Irandhir Santos), um casal que, após a morte do pai de Valério, tenta escapar das garras do crime organizado, mas acaba se aprofundando ainda mais na violência e nas tramas familiares ao decidir matar o tio de Valério.
A habilidade de Coimbra em equilibrar momentos de leveza com cenas de alta tensão, enquanto explora temas como ambição, racismo e moralidade, é um dos maiores trunfos do filme. A cinematografia de Ulisses Malta Jr. captura com precisão o subúrbio carioca, oferecendo um retrato fiel da sociedade carioca, distante tanto dos clichês idealizados quanto da fetichização da pobreza.
Os Enforcados se destaca em permitir criar uma conexão emocional com os personagens, mesmo em seus dilemas morais dúbios. A trama, repleta de reviravoltas inesperadas, mantém o público atento até o último minuto, enquanto provoca uma reflexão sobre os limites que as pessoas estão dispostas a ultrapassar para sobreviver.
4 – Tudo Que Imaginamos Como Luz
Tudo Que Imaginamos Como Luz, de Payal Kapadia, é uma obra poética e sensível que explora as ausências e as transformações que a luz do cinema pode revelar. A cineasta fala sobre desejo humano por amor e por melhores condições de vida, situando a trama em Mumbai e acompanhando a vida de três enfermeiras que lidam com seus próprios desafios na cidade.
Através de imagens documentais entrelaçadas com narrações de cartas e momentos do cotidiano, Kapadia utiliza a luz como elemento transformador, criando uma atmosfera onde até os gestos mais simples carregam uma carga emocional profunda.
A mudança de foco para um misticismo rural no terceiro ato distorce a realidade, revelando a natureza sonhadora das cenas, ao mesmo tempo que reflete a busca por algo maior que transcende a vida cotidiana. Com referências ao cinema europeu, como Chantal Akerman, e uma estética contemporânea que mescla realismo poético com uma observação minuciosa de uma Mumbai diferente da que os turistas conhecem, Tudo Que Imaginamos Como Luz destaca Kapadia como uma das novas cineastas de grande relevância no cenário internacional.
3 – Dahomey
Dahomey, da cineasta franco-senegalense Mati Diop, é uma reflexão poética e profunda sobre as cicatrizes deixadas pelo colonialismo e a complexa jornada da repatriação de tesouros saqueados. Vencedor do Urso de Ouro em Berlim, o documentário híbrido acompanha o retorno de 26 artefatos roubados pela França para a República do Benin, o antigo Reino de Daomé, e aborda tanto os aspectos logísticos dessa devolução quanto as questões culturais e históricas envolvidas.
Misturando ficção e realidade, Diop traz à vida a figura do Rei Ghézo, cuja estátua narra sua jornada de exílio e retorno, enquanto o filme observa os debates sobre a descolonização entre intelectuais e trabalhadores da cultura. Com um estilo contemplativo e uma narrativa calma, Dahomey não apenas explora a restituição dos bens culturais, mas também provoca uma reflexão mais ampla sobre a reconciliação com o passado colonial e as múltiplas identidades de uma nação.
Embora o longa esteja geograficamente longe brasileiro, enquanto outra nação colonizada, o filme traz questões muito pertinentes para nossa cultura e memória por meio do reparo das feridas históricas e da reconquista de uma identidade cultural.
2 – Oeste Outra Vez
Oeste Outra Vez, dirigido por Erico Rassi, é uma releitura visceral e poética do faroeste, que transporta o gênero para o sertão goiano, onde o calor escaldante e o silêncio pesam tanto quanto as emoções reprimidas dos homens que habitam aquele lugar desértico.
A trama revela uma masculinidade frágil, exposta não apenas pela violência física, mas também pela emocional, onde a comunicação se dá através de olhares duros e longas pausas, e a presença das mulheres deixa um vácuo que evidencia a dependência dos homens em relação a elas.
A música de “sofrência” sertaneja, com suas letras carregadas de saudade e dor, amplifica o peso das emoções não ditas, criando uma atmosfera onde o silêncio se torna um personagem essencial. Rassi transforma o clássico faroeste em um retrato profundamente brasileiro, onde os “cowboys” se veem presos em suas próprias solidões, incapazes de escapar do ciclo de violência e repressão emocional. O resultado é um filme que, com sutileza, torna a paisagem e a música tão importantes quanto os próprios personagens, criando uma obra poética e dolorosa que ressoa longamente após os créditos finais.
1 – Também Somos Irmãos
Embora esse seja um clássico, acredito que é válida a indicação da restauração de Também Somos Irmãos. O filme, dirigido por Alinor de Azevedo e José Carlos Burle, é um marco no cinema brasileiro ao abordar de forma ousada o racismo e a segregação racial no Brasil. Com a participação de atores do Teatro Experimental do Negro e o protagonismo de Grande Otelo, o filme confere uma representação autêntica das vivências negras, embora tenha sido, na época, aclamado pela crítica e ignorado pelo público.
A obra traz à tona a crítica à “democracia racial”, ao mostrar a tensão entre a inclusão dos negros na sociedade e a exigência de que eles renunciem à sua identidade cultural para serem aceitos.
A narrativa é intensificada pelo jogo de sombras e luz, refletindo a dualidade da aceitação e rejeição enfrentada pelos personagens, e a mansão de um elitista branco, Sr. Requião, serve como uma metáfora para as barreiras sociais que perpetuam a exclusão dos negros.
Também Somos Irmãos não apenas questiona as promessas de integração, mas também destaca a revolta como uma resposta legítima às tensões nas relações raciais. O filme, ao criticar a estrutura social de 1949, se mantém atual ao oferecer uma reflexão sobre as desigualdades que ainda persistem na sociedade brasileira.
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