A linguagem documental é muito rica. Embora exista uma certa fórmula, é justamente essa quebra que faz com que esse formato de contar história nos encante.
Em mais uma leva de textos em nossa cobertura da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, destacamos dois longas: Os Maus Patriotas, que caminha nesse estilo tradicional de documentário e Mambembe, que é um produto híbrido, mesclando documentário e ficção.
Os Maus Patriotas
Dirigido por Victor Fraga, Os Maus Patriotas tenta oferecer um documentário de denúncia, ao mesmo tempo que faz uma sátira política sobre o nacionalismo extremo e questões sociais contemporâneas da Inglaterra.
Embora trate de um tema relevante, a narrativa se mostra fragmentada e exagerada, dificultando o aprofundamento das críticas e comprometendo o impacto da mensagem central. O filme, em vez de explorar nuances, opta por generalizações que enfraquecem sua proposta.
O roteiro é um dos pontos mais problemáticos, alternando entre o drama dos relatos de seus entrevistados – o cineasta Ken Loach e o ex-líder trabalhista Jeremy Corbyn – e comédia de maneira abrupta, o que prejudica a coesão.
Esse ritmo inconstante impede a conexão do espectador com a história. Ao tentar abarcar muitas facetas, o filme se perde e acaba soando confuso e disperso, principalmente por abordar a política e de como funciona a televisão britânica.
Mas talvez o maior problema de Os Maus Patriotas seja sua linguagem cinematográfica completamente engessada.
É uma entrevista num estúdio, com pequenas inserções de uma narração de um personagem satírico que representa o britânico conservador que odeia os dois personagens, além de trechos de filmes do Loach.
Os Maus Patriotas é o segundo filme de uma trilogia política de Fraga, sendo o primeiro “A Fantástica Fábrica de Golpes” e o terceiro, ainda por vir, terá como principal fonte Noam Chomsky, o linguista que tem forte influência política e um dos grandes porta-vozes da anarquia. Espero, de coração, que ele seja melhor, até porque sou fã do entrevistado.
Mambembe
Mambembe é uma obra híbrida que mescla documentário e ficção, refletindo sobre um filme que nunca foi finalizado.
Em 2010, Fábio Meira começou a rodar um longa sobre um topógrafo viajando com três artistas circenses pelo agreste brasileiro, mas, por dificuldades de produção, o projeto foi abandonado. Em vez de retomá-lo como ficção, Meira decidiu transformá-lo em um documentário que explora o processo criativo e as lacunas da obra inacabada.
A narrativa se estrutura nessa metalinguagem, misturando registros documentais, fragmentos ficcionais e memórias das filmagens de 2010. Meira revisita atores do projeto original, capturando o impacto do tempo sobre eles e o próprio cineasta.
Esse reencontro, permeado de nostalgia e amadurecimento, destaca como o cinema pode se transformar ao longo dos anos, adquirindo novos sentidos a partir das experiências e dos sentimentos dos envolvidos.
Além da exploração metalinguística, a docuficção celebra o circo e o cinema como formas de resistência artística. As cenas circenses, com malabares, uso fogo e bambolês, são belamente filmadas e refletem a efemeridade e a resiliência do universo circense, que, assim como o cinema brasileiro, enfrenta o desafio de se manter vivo.
Meira evita a visão romântica sobre essas artes, destacando o esforço e a dedicação necessários para a sobrevivência em ambos os campos.
Visualmente, o filme experimenta com diferentes formas de expressão artística, como colagens e pinturas a óleo, criando uma estética transmidiática, que reforça a constante mutabilidade da obra, que se torna um testemunho da luta pela sobrevivência do cinema brasileiro, destacando o cinema como prática viva, sempre em movimento.
Mambembe emociona ao reunir os artistas e suas versões passadas, criando uma obra que transcende o entretenimento para se tornar uma reflexão sobre a passagem do tempo e a continuidade artística. Com sua carga emocional e inventividade narrativa, o longa se firma como um tributo poético à arte e à resistência.
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