Zé do Caixão, personagem do filme de terror nacional "À meia-noite levarei sua alma"
Zé do Caixão

Além de Hollywood | 5 diretores de terror nacionais que você precisa conhecer

A cultura brasileira é muito rica, mas isso não é novidade para ninguém. Do nosso folclore à nossa capacidade de adaptação, clássicos do terror surgiram, como o popular À Meia-Noite Levarei Sua Alma, que originou o inconfundível Zé do Caixão. Ainda assim, existe todo um estigma relacionado ao cinema nacional, especialmente com nossos thrillers. Por essa razão, em mais uma edição de Além de Hollywood  separamos 5 diretores de thriller nacionais para você se introduzir no cinema de terror brasileiro. Mas antes, vem entender o motivo de tanta polêmica:

Uma breve história do Terror no Brasil

Afinal, num país com grande tradição de violentas histórias sobrenaturais, parece contraditório a ideia de que apenas ‘um dos nossos’ [Mojica] tivesse se dedicado ao gênero.

Laura Cánepa

O terror no Brasil, infelizmente, não recebeu tanta atenção quanto outros gêneros, como a comédia e o drama. De certa forma, isso é, realmente contraditório, especialmente em um país com tanta cultura. Contudo, a “falta de público” e reconhecimento do nosso cinema de horror se dá por algumas razões, sendo uma delas a dificuldade em catalogar o gênero em nossas produções.

Um dos poucos diretores que se dedicaram quase que exclusivamente ao horror – e é considerado um dos precursores do gênero no Brasil – foi Mojica. Seus filmes são conhecidos no Brasil e fora dele pela construção inconfundível do personagem Zé do Caixão e qualidade de seus filmes. Além de Mojica, outros diretores do século XX também se aventuraram no terror, mas a maioria deles trouxeram um elemento em comum: o erotismo e a comédia. Sobre isso, Cánepa comenta:

O que se verifica, porém, é que sua ausência [filmes de terror] é mais historiográfica do que histórica. Afinal, num exame dos filmes brasileiros a partir de suas sinopses, encontram-se, no mesmo dicionário já citado de Silva Neto, mais de uma centena de títulos claramente ligados ao horror, mas que não foram identificados dessa maneira e que tampouco foram reunidos e examinados sob esta perspectiva. Tais títulos nos remetem a experiências industriais e estéticas tão diferentes como o cinema dos estúdios paulistas, chanchadas, o cinema erótico – obras pouco conhecidas de autores consagrados –, além de todo um universo cultural de produções independentes que nem sempre é mencionado nos estudos de cinema brasileiro.

De modo geral, segundo Cánepa, o cinema brasileiro passou por um penoso processo de estabelecimento de uma tradição. Daí surge uma certa necessidade de produzir algo fácil de catálogar por meio de filmes de um só gênero. Contudo, o cinema da Boca do Lixo, por exemplo, poucas vezes vai tratar de apenas um gênero ou temática, gerando dificuldade em catalogar obras com gêneros mistos dentro do horror. Ela continua:

De fato, com seu filme prodígio, Mojica ligou sua carreira diretamente ao horror, produzindo uma versão nacional desse gênero tida como uma das mais radicais e originais do planeta, e transformando a si mesmo num fenômeno de mídia. Mas, apesar da importância inquestionável do seu trabalho, reduzir o cinema de horror brasileiro à sua obra e ao personagem que o consagrou é esquecer de filmes e realizadores que, há muito tempo, merecem crédito.

Por fim, outra razão pela falta de reconhecimento do nosso terror é por causa da dificuldade de definir o terror. “Observando-se os filmes brasileiros sob essa perspectiva, pode-se dizer que o horror é, sim, bastante presente”, afirma Cánepa após destrinchar alguns aspectos do terror que muitas vezes ignoramos.

Dessa forma, é possível afirmar que o cinema de horror no Brasil do século XX estava intimamente ligado ao cinema marginal em toda a sua contracultura e chanchadas. E não poderia ter sido diferente, afinal, é possível descolar o erotismo da violência e do terror?

Características do terror brasileiro

“Nós somos o país das superstições”, disse o diretor José Mojica Marins, que não poderia estar mais correto. O Brasil é um país rico em muitos sentidos, mas principalmente em sua cultura: temos lendas e um belo folclóre. Nossas religiões se mesclaram – umas mais do que outras –, gerando um povo que pede a intercessão dos santos católicos enquanto afirma, veementemente, que viu o lobisomem na última terça-feira.

Além disso, o cristianismo, em especial católico, não foi suficiente para eliminar as superstições tão comuns em nosso povo. Talvez por essa razão somos pessoas muito propensas a irmos à missa e também à taróloga. Isso é uma realidade antiga e já descrita na literatura de Machado de Assis em várias ocasiões e contos.

Por essa razão, é muito comum encontrarmos criaturas mitológicas/folclóricas em nossos filmes de terror. Algumas delas fazem alusão aos grandes e clássicos vilões e monstros europeus, como é o caso do Drácula e do Monstro de Frankenstein, mas sempre adaptando para as crenças e superstições brasileiras.

Outro elemento muito presente em vários filmes, especialmente do século XX, é o erotismo. Não era muito incomum que alguns pornochanchadas trouxessem o horror para suas narrativas. Pode ser que o contexto de Revolução Sexual tenha influenciado a produção de filmes com essa mescla de gêneros – muitos deles bastante excplícitos – e com o crescimento do conservadorismo (ou falta de interesse), os thrillers sexuais “saíram de moda”.

Os desafios: a censura no Brasil

Laura Cánepa é pós-doutora no Departamento de Cinema, Televisão e Rádio da ECA-USP. A pesquisadora revelou que a década de 50 foi especialmente difícil para o cinema de terror nacional. Afinal, falar sobre cultura brasileira já é difícil – somos muito jovens e com uma fusão de culturas –, e isso é ainda mais desafiador ao falar sobre cinema, uma arte também muito jovem. De acordo com Laura, nos anos 50 estávamos preocupados em construir uma tradução no cinema. Futuramente, nossas telas estavam quase que inteiramente dedicadas ao drama e à comédia.

Esse fato, somado ao estigma que o gênero de terror trazia, foram um prato cheio para a “desvalorização” do gênero no Brasil. O pior aconteceu durante a ditadura militar no século passado que, devido à violência nos filmes de terror, como os de Mojica, censurou diversos thrillers em nosso país.

5 diretores de thriller nacionais do século XX

Pensando em tudo isso, é mais do que justo promover maior visibilidade para os diretores de thrillers em nosso país. Então, aqui vão algumas indicações:

1. José Mojica Marins, o Zé do Caixão

José Mojica Marins sobre a superstição brasileira, TV Cultura, 1998.

Não é possível desenvolver uma lista de diretores de terror brasileiro sem citar José Mojica Marins. Ele foi um dos precursores do gênero no país e também foi um dos diretores de sua época que sofreram com a censura da ditadura militar. Seus filmes carregam muitos símbolos cristãos, mas não somente: há também muito paganismo e superstições em seus filmes que, no final, refletem as muitas culturas inseridas no Brasil e que se fundiram. Alguns de seus principais filmes, são:

  • À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964);
  • Esta Noite Encarnarei No Teu Cadáver (1967);
  • Encarnação do Demônio (2008).

Além de dar vida ao lendário Zé do Caixão, Mojico, que iniciou a sua carreira com “Sina de Aventureiro” (1957), também produziu filmes com teor sexual após adentrar no movimento cinematográfico “Boca do Lixo”. Algumas de suas obras mais marcantes da época são “A Virgem e o Machão” (1973) e “48 Horas de Sexo Alucinante” (1987). Em 2022, o diretor Tim Burton revelou admiração por Mojica, dizendo: “Cresci assistindo aos seus filmes”.

2. Ivan Cardoso

Diretor brasileiro, Ivan Cardoso, ao lado de uma atriz fantasiada de vampira.
Ivan Cardoso. Fonte: Filmow.

Enquanto isso, Ivan Cardoso é conhecido por ser uma das principais vozes do gênero “terrir”, que juntam terror e comédia, além de (muito) conteúdo sexual. Alguns de seus filmes mais conhecidos, são:

  • O Segredo da Múmia (1981);
  • As Sete Vampiras (1986);
  • Um Lobisomem na Amazônia (2005).

Uma curiosidade é que “O Segredo da Múmia” foi seu primeiro longa-metragem. Antes disso, ele tinha produzido um curta chamado Universo de José Mojica Marins, que ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Brasília. Além disso, Ivan também fez a capa de discos de importantes artistas do movimento Tropicália, como Gal Costa e Caetano Veloso, além de ilustrar capas de diversos livros.

3. Walter Hugo Khouri

Diretor brasileiro Khouri manipulando uma câmera.
Walter Hugo Khouri. Fonte: Instituto de Cinema SP.

Walter Hugo Khouri também é um importante diretor de cinema brasileiro com suas obras que foram consideradas parte da produção “Boca do Lixo” por conta da localização das produtoras da época. Khouri é especialmente conhecido pelos seus filmes de drama, sendo alguns deles envolvendo um triângulo amoroso. Assim, algumas de suas produções mais conhecidas, são:

  • O Gigante de Pedra (1953);
  • Estranho Encontro (1957);
  • Noite Vazia (1964);
  • Eros, o Deus do Amor (1981).

Apesar de produzir dezenas de dramas, Khouri também chegou a produzir thrillers. Contudo, o diretor se afasta um pouco da temática das criaturas mitológicas e do gore, seguindo pelo caminho do suspense, sendo seus principais filmes do gênero:

  • O Anjo da Noite (1974);
  • As Filhas do Fogo (1978).

4. Jean Garret

Diretor Jean Garret
Jean Garret. Fonte: VSP.

Jean Garret também fez parte da Boca do Lixo e, assim como Ivan Cardoso, produziu muitos dos chamados “pornochanchadas”. Contudo, Jean não se limitou às comédias eróticas aos dramas, chegando a produzir thrillers carregados de suspense e, claro, sensualidade – afinal, ainda estamos falando da Boca. Alguns de seus filmes que possuem elementos de horror, são:

  • Amadas e Violentadas (1975);
  • Excitação (1976);
  • Possuídas pelo Pecado (1976).

5. John Doo

Diretor John Doo
John Doo. Fonte: MUBI.

John Doo foi um ator, roteirista e diretor de cinema nascido na China, mas que se mudou para o Brasil com oito anos, na década de 50. Sua carreira no cinema começou com “O Cabeleira” (1963) como ator. Sua carreira como ator continuou em “Já Não se Faz Amor Como Antigamente” (1976) e “As Amantes de um Homem Proibido” (1978).

Desde então, não demorou para que Doo iniciasse sua carreira como diretor. Seus filmes tratam, principalmente, de temáticas sexuais, sendo alguns títulos cada vez mais enfáticos em relação ao conteúdo, como é o caso de “Pornô!” (1981). Unindo o melhor dos dois mundos, John também dirigiu filmes que adicionavam elementos de horror ao erotismo, como é o caso de:

  • Ninfas Diabólicas (1978);
  • Escrava do Desejo (1981);
  • Excitação Diabólica (1982).

O legado do terror nacional

É fato que muitos diretores precisaram se esforçar para que muitos outros pudessem continuar seus legados. Em especial, Mojica, um dos mais influentes do gênero, conquistando a admiração de espectadores de todo o mundo, especialmente com o inesquecível Zé do Caixão.

O terror nacional é fascinante, capaz de trazer temáticas sociais, políticas, sexuais e até humorísticas em suas produções. Fazemos gore, terrir e suspense. Tudo isso com uma identidade própria mesmo quando inspirada em personagens do horror gótico europeu, como o Drácula ou Monstro de Frankenstein.

Após muitas censuras, reviravoltas e a prova de que, sim: o Brasil pode fazer terror, e terror de qualidade, o século XXI chegou com muitos outros cineastas que provam mais uma vez que o terror está além de Hollywood, incluindo também produções de suspense que abrangem a cultura pentecostal presente na vida de tantos jovens, como em Raquel (2022).

Em outras palavras: nosso país possui recursos suficientes para produzir muitos terrores – seja por meio da religião e superstição brasileira, seja por meio de nossas lendas e problemas sociais característicos do Sul Global.

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Estudante de Tradução e redatora há mais de 2 anos.