Digimon é uma série que possui diversos – e ricos – aspectos. Ela não é baseada em nenhuma história anterior, por exemplo, um mangá. Tudo começou em 1997, quando foi lançado “Digital Monster”, um joguinho eletrônico parecido com o famoso “Tamagotchi”, ou bichinho virtual, como era mais conhecido no Brasil. A diferença era que, em Digital Monster, você cuidava de um monstrinho para batalhas, diferentemente do Tamagotchi, no qual você cuidava do seu monstrinho para ele não morrer de fome ou de sujeira.
Em 1998, outros jogos de Digimon foram sendo lançados, sendo o primeiro em 1998, e a franquia se expandiu: Digimon teve diversos títulos para diversas plataformas, ao longo dos anos, como jogos RPG e de luta.
No mesmo ano foram lançados card games e um mangá one-shot (história única, em tradução livre) chamado “C’mon Digimon”, que originou outro mangá, chamado Digimon Adventure V-Tamer 01, que foi lançado em novembro 1998 e finalizado em agosto de 2003, totalizando 58 capítulos.
O protagonista desse mangá era Taichi, mesmo nome do protagonista da série televisiva. Apesar disso e das semelhanças físicas e de personalidade, Taichi do mangá apenas inspirou a criação do Taichi do anime. Eles não são a mesma pessoa, inclusive cada um possui um Digimon próprio e diferente.
A confusa cronologia transmídia
Entender a cronologia de Digimon pode parecer estranho, primeiramente. Aqui no Brasil, conhecemos Digimon por meio do anime – que rivalizava com Pokémon na mesma época –, porém originalmente, no Japão, a ideia inicial era fazer um curta-metragem. Depois que o storyboard foi finalizado, encomendou-se a criação da série televisiva. Então, o curta funciona como um “piloto” para o seriado e foi exibido nessa sequência, no Japão: um dia após a exibição do curta, a série começou a ser exibida e realmente, durante o seriado, eles citam os acontecimentos do filme e suas consequências.
Nos EUA, porém, esse curta só foi lançado depois que Digimon Adventure 02 – a 2ª temporada – já havia começado, juntamente com outros 2 filmes da franquia, sendo o último deles pertencente a DA02, em um único produto, chamado de “Digimon: O Filme”. Foi desse jeito que veio para o Brasil e nós conhecemos.
Essa compilação se deve ao fato dos dois primeiros filmes do Pokémon terem feito sucesso e então a Fox queria repetir o feito com Digimon. Porém, Digimon possuía filmes curtos – 20, 40 e 60 minutos –, então foi feita uma edição e mudança na história do terceiro filme para as três histórias terem relação e condensar o filme em 85 minutos.
Até a criação deste texto que vos apresento, eu acreditava que todos os filmes de Digimon foram lançados depois que as séries tinham sido finalizadas, como um complemento, uma extensão da história da série, então foi uma surpresa entender quem veio primeiro em cada país.
Cada temporada de Digimon funciona independente uma das outras – exceto Digimon Adventure, Digimon Adventure 02 e o Digimon Adventure tri–, inclusive cada uma possui um nome diferente, ou seja, Digimon é uma espécie de antologia, um conceito bem conhecido por nós, fãs de séries.
Particularmente acompanhei Digimon até sua 4ª temporada, e revi somente as 2 primeiras há anos atrás. Então minha lembrança mais confiável acaba com Digimon Adventure 02. Escreverei breves parágrafos a seguir sobre a história de cada temporada, tanto para eu não tomar “spoilers” daquelas que eu não acompanhei quanto para quem não se lembra dos acontecimentos e quer acompanhar novamente, como se fosse algo inédito.
Digimon Adventure
Digimon Adventure conta a história de 7 crianças japonesas que são levadas para um mundo digital e repleto de criaturas. Há um protagonismo maior por parte de Tai, mas todos os personagens têm destaque e desenvolvimento de suas características. Após 54 episódios, 2 filmes e quase 1 ano de transmissão, Digimon encerra sua história com um gancho para uma continuação, que veio a seguir.
Digimon Adventure 02
Digimon Adventure 02 se passa 3 ou 4 anos depois – depende da dublagem – de Digimon Adventure e os “Digiescolhidos” originais dão lugar a novos protagonistas. O Imperador Digimon tomou conta do Digimundo e o governa como um ditador cruel que escraviza Digimons. Essa continuação divide opiniões, mas independente disso, ela é competente em mostrar um amadurecimento dos antigos Digiescolhidos, trabalhar o desenvolvimento dos novos e encerrar a história iniciada em Adventure de forma honesta.
Digimon Tamers
Logo após o fim de DA02, Digimon Tamers chegou com um chute no peito de nós, meros humanos, mostrando que todos os personagens que você acompanhou por 104 episódios e 4 filmes nem existem nessa espécie de universo alternativo.
É um choque inicial, verdade, pois ninguém entendeu nada quando aquele garotinho, de óculos de aviador, jogava cartas com seus amigos e, nesse mundo, Digimon era apenas um produto de entretenimento infantil.
Você provavelmente se perguntou o que aconteceu com o mundo em que DA02 foi finalizado, se pergunta se essa temporada se passa em um futuro, se o protagonista é algum descendente de Tai ou Davis, mas a resposta para tudo isso, até onde eu sei, é não. Apesar do susto inicial, Tamers é uma série competente. Divide opiniões também, mas eu achei uma boa história e devo admitir que ela possui meu Digimon favorito, muito provavelmente. Inspirada no card game da “vida real”, Tamers possui um tom mais sério e teve 51 episódios e 2 filmes – dos quais não assisti.
Digimon Frontier
Digimon é uma franquia que não teve medo de se reinventar e, em Digimon Frontier, ela se arriscou. Retirar da série o principal elemento de franquia, que é a interação de uma criança humana com seu amigo Digimon, foi algo que assustou muita gente. Apesar de tudo, Frontier tem uma história complexa, com a apresentação dos guardiões do Digimundo, uma mitologia rica e profunda. Eu me lembro de também ter estranhado, a princípio, mas gostei desse novo estilo, de forma geral. Digimon Frontier teve 50 episódios e 1 filme.
As digitais de uma geração
Como citei acima, acompanhei quatro temporadas, mas Digimon se sustenta até hoje com novos animes e jogos dos quais nunca me aprofundei. Mas trago para esse texto uma reflexão de vida e de tempo, Digimon é uma quebra de paradigma e só pode ser realmente compreendida para quem viveu a transição do mundo analógico para o mundo digital.
A gente tinha acabado de passar pelo famigerado bug do milênio quando a rede Globo começou a transmitir o desenho que seria o rival de Pokémon, que, embora também tivessem monstros que brigavam com outros e eles também evoluíam, a grande diferença de um para outro se dá pelo fato que existe uma divisão entre o mundo real e o mundo digital.
Nas duas primeiras temporadas de Digimon os Digiescolhidos eram sugados para o mundo digital, o habitat natural dos Digimons. Esse é um conceito que existe desde “Neuromancer” de William Gibson e foi popularizado por outro produto da cultura pop: “Matrix”, das Irmãs Wachowski.
O Digimundo era repleto de códigos, como a interface dos computadores dos anos 90 funcionavam. Ao mesmo tempo que apresentava uma mensagem de que esse era o futuro, também traçava um paralelo que as crianças seriam capturadas pelos computadores a partir daí – o que, de certa forma, 25 anos depois, parece fazer sentido.
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Embora o futuro tenha mostrado que Pókemon venceu a batalha das franquias de monstrinhos animados, é notório o quanto Digimon foi importante e influente para toda uma geração – e, sejamos justos, ainda há novos fãs – sendo fiel a ideia de brincar com conceitos de ficção científica, a juventude e o mundo real. Talvez, hoje, eu esteja bastante velho para isso, mas as digitais desse anime jamais serão apagadas da minha memória.
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