Crítica | Não Pisque Duas Vezes

Crítica | Pisque Duas Vezes: quando De Férias Com o Ex se encontra com Corra!

Naomi Ackie está fantástica neste thriller psicológico estiloso e horripilante

Zoë Kravitz, filha de Lenny Kravitz, cresceu em um mundo de glamour e privilégios. Portanto, faz sentido que seja esse mundo – e os monstros que espreitam dentro dele – que ela explore em seu primeiro filme como diretora: Pisque Duas Vezes é um thriller psicológico ambientado na ilha privada de um bilionário do setor de tecnologia, com uma história divertida e, embora um pouco frágil, de vingança feminista contra os ricos.

Frida (Naomi Ackie) é uma trabalhadora de salário mínimo em uma empresa de catering e manicure em tempo parcial, vivendo com sua melhor amiga Jess (Alia Shawkat). Em um dos eventos em que está trabalhando, ela se dá bem com Slater King, o bilionário mencionado anteriormente, interpretado por Channing Tatum com seu característico charme descontraído e cheio de confiança. Em um aparente capricho, ele convida Frida e Jess, junto com um pequeno grupo de amigos, para sua ilha tropical particular.

Crítica | Não Pisque Duas Vezes

Ao chegarem, Frida e seus amigos devem entregar seus celulares, que são colocados em uma bolsa e dados à assistente de Slater (interpretada por uma Geena Davis enlouquecida e divertida em um papel pequeno). Supostamente, isso é para criar uma atmosfera relaxada e evitar as complicações da vida real. O mesmo acontece com as roupas brancas idênticas para as convidadas – biquínis brancos para o dia e vestidos de coquetel brancos para a noite, como se estivessem em um spa. É estranho, mas Frida tenta justificar à sua amiga, pensando que talvez seja assim que os ricos operam.

Dois filmes em um

É aqui que o filme passa de uma comédia leve, capturando o luxo de férias intermináveis na praia com uma “tsunami de champanhe” e drogas de boutique, para algo extremamente sombrio e chocante. As dicas ameaçadoras de algo desagradável na ilha se tornam grandes demais para ignorar, e o tom muda abruptamente.

As mulheres na ilha – até agora em grande parte desunidas e vaidosas – precisam trabalhar juntas para lutar contra o bizarro e horrível esquema de controle no qual se encontram presas.

Kravitz deve muito ao paradigma transformador de “Corra!” de Jordan Peele – assim como naquele filme, um personagem deslocado percebe que uma conspiração contra ele está acontecendo bem diante de seus olhos. Mas Pisque Duas Vezes não se aprofunda tanto nos temas que aborda, como exploração sexual, privilégio branco, cultura do cancelamento e riqueza, e avança rápido demais em sua trama para se deter nos detalhes, tornando-o muito menos impactante.

Além de Corra! o filme se apropria muito de linguagens programas de televisão da MTV, como o famigerado “De Férias com o Ex”. Embora possa até soar estranho, mas isso é, na verdade, uma escolha interessante, sobretudo na construção do primeiro ato. Justifica até mesmo o fato da protagonista e da amiga a aceitarem o convite para essa ilha paradisíaca.

Uma estreia e tanto

Embora tematicamente o longa de Kravitz não reinvente a roda, afinal, filmes sobre o “despertar” se tornaram comuns desde “Matrix”, mas Pisque Duas Vezes traz um frescor de um cinema milleniial sem seu cinismo tradicional para abraçar o grotesco, sobretudo no final, que talvez seja o recado mais forte da diretora, que deixa suas credenciais para que o público e crítica aguarde ansiosamente por seus próximos projetos.

Crítica | Não Pisque Duas Vezes

A jovem atriz mostra uma grande gama de boas referências e, sobretudo, conhecimento de linguagem cinematográfica – embora, por vezes ela exagere ao tentar colocar todas as ideias juntas. Kravitz abusa da profundidade de campo de sua câmera, com muitas cenas sendo gravadas com closes bem fechados – voltamos ao De Férias com o Ex – mesmo estando em um lugar lindo, onde muitos realizadores apostariam em vários planos abertos e aéreos do local. Mas essa insistência narrativa acaba funcionando por criar um longa, por muitas vezes, claustrofóbico enquanto atmosfera.

O ato final é uma exploração a hiper-violenta catártica do trauma; não é exatamente um território novo, mas Kravitz demonstra estilo e bom timing, e Ackie está fantástica no papel principal, conseguindo transmitir tanto a “garota descolada” quanto o horror absoluto. Pisque Duas Vezes é, facilmente, uma das grandes surpresas do ano.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.