O cinema tem sido um companheiro importante para divulgar a história contemporânea do País Basco. No entanto, ainda há muito a ser feito. Como no jornalismo, é impossível levar a objetividade ao extremo, mas se abordado com sinceridade, seja em artigos ou filmes, o resultado pode ser legítimo. Em Redenção, a cineasta Icíar Bollaín propõe a abordar um dos episódios mais delicados da história recente do País Basco: o assassinato de Juan María Jáuregui pela ETA (Euskadi Ta Askatasuna, que em tradução livre significa Pátria Basca e Liberdade) e o processo de reconciliação de sua viúva, Maixabel Lasa (Blanca Portillo), com os responsáveis pela sua morte.
Embora a trama tenha como ponto de partida os encontros reais entre Maixabel e os membros da ETA encarcerados, a abordagem do filme opta por um distanciamento das questões políticas e ideológicas, concentrando-se mais nas emoções e no processo de perdão. No entanto, essa escolha resulta em um filme de pouco impacto, desprovido de uma reflexão mais profunda sobre os complexos aspectos do conflito basco.

O País Basco, por muitos anos, foi marcado por uma luta pela independência e pela autodeterminação, algo que, para muitos bascos, era uma questão legítima. O filme não dedica a devida atenção ao contexto político que levou ao terrorismo da ETA, e ao invés disso coloca os ex-terroristas em um papel de personagens “arrependidos” e quase vítimas de suas próprias escolhas. Esse tipo de abordagem apaga as razões históricas e políticas pelas quais muitos bascos consideravam a ETA um movimento de resistência, apesar de seus métodos violentos.
A decisão de Bollaín de não aprofundar a discussão sobre as motivações políticas e ideológicas da ETA, e de não contextualizar adequadamente os eventos dentro de uma narrativa mais ampla, torna Redenção uma história quase despolitizada. O que poderia ser uma exploração de um momento crucial da história recente da Espanha acaba se tornando uma fórmula clichê de redenção e perdão, com a busca pela superação da dor como tema central. Essa escolha parece ignorar a importância de se entender os motivos que levaram ao assassinato de Jáuregui e, por consequência, a falta de uma análise mais crítica sobre o terrorismo de ETA.
Embora o filme tente capturar a complexidade do processo de perdão, ele frequentemente se aproxima de uma narrativa de “redenção fácil”, onde as emoções são intensificadas para causar uma resposta do espectador, mas sem uma verdadeira exploração das camadas mais profundas do conflito.
A performance de Portillo como Maixabel, embora bastante competente, é por vezes forçada a carregar uma carga emocional que parece mais voltada para o apelo sentimental do que para a realidade do que realmente pode significar a perda de um ente querido devido ao terrorismo. A insistência em mostrar o sofrimento constante da protagonista parece muito mais um recurso manipulativo, que, a exploração de uma dor de forma honesta, reduzindo o impacto emocional a um caminho previsível de mágoa e perdão.
A relação entre Maixabel e Iñaki, ex-terrorista interpretado por Luis Tosar, segue essa mesma linha: a história tenta transmitir a ideia de uma reconciliação profunda e significativa, mas acaba adotando um tom que pode ser percebido como superficial e artificial, como se o processo de perdão fosse o final mais “fácil” e redentor. O tratamento do tema parece, assim, se afastar das duras realidades políticas e emocionais de um país marcado por décadas de terrorismo e conflitos de pertencimento.
Escalação

Outro ponto que merece destaque é a escolha do elenco. Luis Tosar, um ator talentoso, interpreta Ibon Etxezarreta, um membro da ETA, mas sua presença no filme levanta questões sobre a falta de representatividade basca. Tosar, um ator galego, e Blanca Portillo, madrilenha, interpretando Maixabel, não representam as figuras bascas que seriam esperadas em uma história que lida com um evento tão profundamente enraizado na cultura e política do País Basco.
A falta de atores bascos em papéis centrais no filme é uma escolha questionável, especialmente quando se trata de uma história tão ligada à identidade basca e à linguagem do euskara, que, aliás, é ouvida apenas de forma marginal, com exceção de alguns personagens da ETA.
Um drama que não sabe falar a mesma língua
A crítica também se estende à forma como o filme trata a questão da língua. O uso do euskara é mínimo e superficial, e isso reflete um problema maior: a tendência do cinema espanhol, em particular, de tratar questões bascas de uma maneira distante e sem uma compreensão genuína da cultura local.

A presença de atores não bascos e a utilização do euskara como um “acessório” linguístico, em vez de uma característica intrínseca dos personagens, contribui para a sensação de que o filme está, de certa forma, “diluída” em um formato mais palatável para o público mainstream, esquecendo-se da complexidade do contexto em que a história se insere.
Redenção pra quem?
Redenção é uma obra que se posiciona como uma representação excessivamente simplificada e melodramática do processo de cura após décadas de terrorismo. A falta de uma análise profunda das motivações políticas e sociais por trás da violência da ETA e o tratamento quase redentor dos ex-terroristas é um desrespeito a complexidade histórica e emocional do conflito basco. O filme não apenas simplifica demais um tema delicado, mas também ignora as feridas profundas e a diversidade de perspectivas dentro do próprio País Basco.
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