Em um cenário cinematográfico onde as adaptações literárias são sempre um desafio, A Contadora de Filmes surge como uma tentativa de capturar a essência de um livro celebrado e transportar sua história para as telas. No entanto, o filme dirigido por Lone Scherfig, baseado no romance de Hernán Rivera Letelier, deixa uma sensação amarga, como se algo vital tivesse sido perdido no processo de adaptação.
Uma Premissa Promissora
A premissa do filme é bastante promissora. A trama se desenrola em uma pequena cidade chilena onde a jovem María Margarita (Sara Becker), uma contadora de filmes autodidata, encanta os moradores ao narrar as histórias que ela vivencia nas telonas. Uma ideia delicada, com forte potencial para explorar a magia do cinema e seu poder de transformar vidas. No entanto, o que se vê na tela é uma adaptação que se perde em suas próprias ambições, sem nunca conseguir alcançar o impacto emocional esperado.
O problema, talvez, esteja no ritmo da narrativa. A Contadora de Filmes é um filme longo e, em vários momentos, a impressão que se tem é que ele se arrasta sem direção. É como se a história tentasse abarcar demais, sem focar o suficiente no que realmente importa. Em vez de nos guiar de forma orgânica, o filme se perde em múltiplos arcos narrativos, que acabam mais deixando a trama desorientada do que enriquecida.
Construção de Personagens
A construção dos personagens também se mostra um ponto fraco. María, a protagonista, poderia ser uma personagem arrebatadora, uma figura central capaz de carregar o peso emocional da história. No entanto, sua representação fica aquém do esperado. As versões mais jovens e mais velhas da personagem, interpretadas por Alondra Valenzuela e Sara Becker, são cativantes, mas não têm material suficiente para construir uma presença marcante. O retrato da protagonista parece raso, como uma ilustração de algo muito mais complexo, sem a profundidade que seu talento e suas vivências exigiriam.
E é aí que o filme começa a falhar em sua tentativa de criar uma conexão emocional com o público. O aspecto visual, que poderia ter sido uma força, falha em transmitir o ambiente árido e sem esperança do deserto chileno, tão fundamental para a ambientação da história. A cinematografia, apesar de bem executada tecnicamente, nunca realmente se engaja com a narrativa. Em vez de capturar a secura do deserto, o filme parece evitá-la, optando por uma estética limpa e plástica que não corresponde à crueza da realidade que a história tenta pintar.
Uma Oportunidade Perdida
A direção de Scherfig também parece não saber muito bem o que fazer com as possibilidades visuais oferecidas pela trama. Há momentos em que a cineasta tenta criar cenas impactantes, como na captura de uma explosão de ângulos interessantes e com um som envolvente. No entanto, essas tentativas são esparsas e não se traduzem em uma experiência visual imersiva. A impressão que fica é de que o filme tenta, mas não consegue tirar pleno proveito das suas possibilidades cinematográficas.
O roteiro, assinado por Rafa Russo e Walter Salles, também deixa muito a desejar. Salles, conhecido por sua habilidade em criar narrativas envolventes, poderia ter dado uma direção mais coesa ao filme. Se o livro de Letelier tem nuances e profundidade, o roteiro parece diluir essas qualidades, tentando condensar um enredo rico em poucas horas.
O resultado é uma trama superficial, que não se aprofunda nas relações familiares nem nas tensões políticas subjacentes. Personagens importantes, como os irmãos de María Margarita, aparecem e desaparecem sem realmente se estabelecer, fazendo com que o espectador nunca se envolva completamente com suas histórias.
O filme tenta cobrir vários temas: a dinâmica familiar, o relacionamento com o pai ausente, o romance adolescente, as dificuldades econômicas, as tensões políticas e até a chegada da televisão. No entanto, a tentativa de abarcar tantas questões ao mesmo tempo resulta em uma obra dispersa e sem foco. Cada um desses elementos poderia render um filme próprio, mas aqui eles se atropelam, deixando o filme cansativo e superficial.
Uma história de cinema, mas sem alma
É curioso como o próprio nome do filme, A Contadora de Filmes, parece se distanciar do que realmente poderia ser o ponto central da narrativa. O cinema, em sua forma de escapismo, poderia ser o grande personagem da história, algo que conectasse todos os elementos da trama. Porém, o filme nunca consegue fazer o cinema se destacar de verdade. Quando María Margarita conta suas histórias, a narrativa parece se arrastar sem nunca atingir a leveza e a magia que o ato de contar uma história poderia ter. Ao invés de encantar, as histórias acabam sendo apenas uma formalidade.
Em termos de produção, embora a técnica seja competente, a escolha do visual nunca consegue imergir o público no contexto do deserto chileno. Ao invés de explorar a atmosfera do lugar de forma crua, o filme opta por uma estética artificial, que enfraquece a conexão do espectador com o ambiente. Um cenário árido, mas vibrante de emoções, é tratado como um pano de fundo sem vida.
Figuras esquemáticas em um universo superficial
Os personagens, que deveriam ser o coração do filme, acabam se tornando figuras esquemáticas, em que a ideia de “drama familiar” fica apenas na superfície. A falta de profundidade na construção de suas relações gera um distanciamento emocional. Como espectadores, acabamos por ver as ações das personagens sem realmente entender seus motivos ou sentir suas dores. Isso cria uma experiência cinematográfica fria e impessoal.
Por outro lado, a interpretação dos atores, apesar de competente, não é suficiente para salvar a obra. Valenzuela e Becker, embora boas, não têm a materialidade de que precisam para dar vida à personagem. O filme parece ter mais a intenção de mostrar uma série de eventos do que de realmente aprofundar-se no processo emocional da protagonista. Assim, o talento da personagem e da atriz ficam diluídos em uma representação que nunca nos toca profundamente.
O Erro Crítico: Falta de Foco
A maior ironia de A Menina que Contava Filmes é que, mesmo lidando com o cinema como tema central, o filme falha em utilizar o próprio meio de forma eficaz. O filme se perde em sua tentativa de construir uma narrativa multifacetada, mas se esquece de que, no fim, o que realmente importa é a alma da história. E é essa alma que o filme não consegue capturar, deixando a impressão de que, no processo de adaptação, algo precioso se perdeu.
Uma Experiência Cinematográfica Fria
A conclusão é clara: A Menina que Contava Filmes não é um filme ruim, mas é um filme que se limita. Sua grande ambição de falar sobre a vida, a família, o Chile e o cinema é boa, mas sua execução é rasa. Talvez o maior erro tenha sido esquecer que, ao contar uma história, é preciso mais do que apenas transmitir os fatos. É preciso que o espectador sinta, que ele se envolva. E, infelizmente, o filme falha nisso. Ele nos conta uma história, mas não nos deixa vivê-la.
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