A categoria de Melhor Curta-Metragem em Live-Action do Oscar é conhecida por trazer histórias únicas, muitas vezes independentes, que dificilmente ganham destaque em grandes plataformas de streaming ou salas de cinema.
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A indicação ao prêmio da Academia, portanto, acaba sendo uma das poucas oportunidades para que essas produções alcancem o público. Em 2025, cinco filmes foram selecionados para concorrer à cobiçada estatueta, e o Conecta Geek mergulhou em cada um deles para trazer uma análise breve dos indicados. Confira:
A Lien
A Lien brinca com a palavra “lien” (direito de propriedade) para abordar o “direito” de tirar a moradia de alguém, um tema atual e relevante, especialmente em meio às políticas de imigração de Trump. O curta mergulha de cabeça no tema da imigração nos Estados Unidos, um assunto urgente e delicado.
A história gira em torno de uma prática desumana da ICE (Imigração e Alfândega dos EUA), que usa entrevistas de casamento como armadilhas para deportar imigrantes que, em outras circunstâncias, teriam chances reais de obter o green card. A premissa é poderosa e necessária, mas a execução deixa a desejar, transformando um tema vital em algo que beira o clichê.
A escolha de usar close-ups extremos e uma câmera tremida na mão pode até gerar tensão, mas acaba se tornando cansativa e previsível, uma vez que não amplifica o drama, a técnica parece forçada, como se o diretor não confiasse na força da própria história. Filmar telas de iPhone, por exemplo, é um recurso que já se esgotou há tempos e aqui só reforça a sensação de que o filme tenta parecer moderno, mas acaba caindo no lugar-comum. A edição rápida, por sua vez, mais atrapalha do que ajuda, criando uma cacofonia visual que distancia o espectador dos personagens, em vez de aproximá-lo.
Falando em personagens, eles são o ponto mais frágil do curta. Genéricos e pouco desenvolvidos, parecem mais símbolos do que pessoas reais. A mãe, por exemplo, que deveria ser o coração emocional da trama, termina o filme “de boa”, como se nada tivesse acontecido. Essa falta de profundidade tira o impacto de uma narrativa que poderia ser comovente.
Apesar dessas falhas, o filme acerta ao expor a brutalidade de um sistema que desumaniza e persegue. A polícia, retratada como agente de um mecanismo de opressão, não esconde sua índole maliciosa, ecoando a dor de milhares de vidas marginalizadas. No entanto, essa crítica social, por mais importante que seja, não é suficiente para salvar o curta. A grandiloquência da narrativa e a atuação exagerada dos atores acabam transformando um tema sério em algo que parece mais um discurso inflamado do que uma reflexão profunda.
Se ganhar o Oscar, pode até chamar atenção para a causa, mas também corre o risco de incentivar mais produções que confundem urgência temática com qualidade artística. E, nesse caso, a imigração – e o cinema – merecem mais.
Anuja
Anuja nos apresenta uma história que vai além da simples narrativa sobre trabalho infantil. No centro da trama, está a relação entre duas irmãs, cujo vínculo é tão forte que redefine o conceito de sacrifício. Anuja, uma jovem prodígio em matemática, enfrenta um dilema: seguir seus sonhos ou permanecer ao lado da irmã, em um contexto de extrema precariedade. A escolha que ela faz não é apenas uma renúncia, mas um ato de amor que transcende a escassez material. A narrativa nos lembra que, mesmo em meio à adversidade, a solidariedade pode ser uma forma poderosa de resistência.
A direção de Adam J. Graves, embora americana, captura com sensibilidade a atmosfera e os detalhes culturais da Índia. A fotografia, com tons terrosos e planos fechados, reforça a intimidade da relação entre as irmãs, enquanto a edição, em alguns momentos, parece querer acelerar o ritmo de uma história que ganharia mais força se respirasse com calma. A atuação de Sajda Pathan, que interpreta Anuja, é um dos pontos altos do filme. Sua expressão contida, mas cheia de nuances, transmite a dor e a esperança de uma criança que carrega o peso de decisões muito maiores do que sua idade.
No entanto, a inserção de um número musical típico de Bollywood, embora possa ser vista como uma homenagem ao cinema indiano, parece deslocada e quebra o tom realista da narrativa. Além disso, o final abrupto deixa a sensação de que a história ficou incompleta, como se faltasse um capítulo para fechar o arco emocional das personagens. Essa falta de resolução pode frustrar o espectador, que espera ver um desfecho mais satisfatório para a jornada de Anuja.
I’m Not a Robot
Imagine falhar em um teste de CAPTCHA e, de repente, questionar sua própria humanidade. Essa premissa aparentemente banal é o ponto de partida de I’m Not a Robot, curta-metragem que mistura humor ácido, suspense e uma pitada de distopia tecnológica. Com um conceito que lembra os tempos áureos de “Black Mirror” – aqueles da era pré-Netflix, é claro –, o filme usa uma situação cotidiana para explorar questões profundas sobre identidade, autonomia e o impacto da tecnologia em nossas vidas.
Lara, uma produtora musical interpretada por Ellen Parren, se vê presa em um loop absurdo: ela precisa provar que não é um robô, mas o sistema insiste em rejeitá-la. O que começa como uma piada rapidamente se transforma em uma crise existencial, à medida que Lara mergulha em uma espiral de dúvidas sobre quem realmente é. A direção de Victoria Warmerdam é certeira ao equilibrar o tom cômico com uma atmosfera perturbadora, criando uma narrativa que é ao mesmo tempo engraçada e assustadora.
A fotografia, com planos bem compostos e uma paleta de cores sóbria, reforça o contraste entre o mundo real e o pesadelo digital que Lara enfrenta. A escolha de cenários comuns, como um escritório ou um estacionamento, amplifica a sensação de que essa distopia pode estar mais próxima do que imaginamos. E, claro, não podemos ignorar a trilha sonora, que inclui um cover de um coral de “Creep”, do Radiohead, uma escolha perfeita para reforçar o tema da alienação.
O curta é um exemplo de como usar bem o tempo limitado. Em poucos minutos, ele consegue desenvolver personagens, criar tensão e entregar uma reflexão impactante. A atuação de Parren é um destaque, transmitindo com nuances a angústia e o desespero de alguém que perde o chão sob seus próprios pés. A cena final, em particular, é um golpe de mestre, deixando o espectador com mais perguntas do que respostas.
I’m Not a Robot não é apenas um filme sobre tecnologia; é um espelho de nossa era digital, onde a linha entre humano e máquina parece cada vez mais tênue. E, no fim, talvez a grande questão não seja se Lara é humana, mas o que significa ser humano em um mundo onde algoritmos podem definir quem somos. O curta nos deixa com essa inquietação, provando que, às vezes, menos é mais – especialmente quando se trata de contar uma boa história.
The Last Ranger
Há filmes que nascem com uma missão nobre, mas se perdem no caminho entre a intenção e a execução. The Last Ranger é um desses casos. Com um tema urgente – a caça ilegal de rinocerontes –, o curta-metragem tenta equilibrar denúncia social, drama humano e suspense, mas acaba tropeçando em suas próprias ambições. O resultado é uma obra que, apesar de bem-intencionada, soa mais como um discurso inflamado do que… um bom filme.
Logo de início, o filme se propõe a explorar a relação entre duas protagonistas, mas o desenvolvimento dessa conexão é tão superficial que parece mais um esboço do que uma narrativa sólida. As atuações, por vezes robóticas, não ajudam a criar empatia, e o roteiro parece mais interessado em manipular emocionalmente o espectador do que em construir personagens críveis. A cena em que uma criança chora desesperadamente, por exemplo, é um desses momentos em que o filme tenta forçar a comoção, mas acaba soando artificial.
A direção de Cindy Lee oscila entre o convencional e o exageradamente melodramático. A trilha sonora, que poderia ser um aliado, acaba se tornando irritante, insistindo em sublinhar cada momento de tensão ou tristeza como se o público não fosse capaz de percebê-los sozinho. E quando o filme finalmente decide mergulhar no suspense e na ação, a execução técnica decepciona: cenas mal coreografadas, cortes bruscos e uma falta geral de impacto visual fazem com que o clímax pareça mais uma cena de novela do que um momento cinematográfico.
Curiosamente, o filme parece ter medo de enfrentar seu próprio tema central. Enquanto a caça aos rinocerontes é o pano de fundo, o foco recai quase inteiramente no drama humano, com pouquíssimas cenas dedicadas aos animais. Quando eles aparecem, é através de imagens distantes ou breves, como se o filme não quisesse – ou não soubesse – como lidar com a brutalidade do assunto. Em vez disso, opta por mostrar sangue em close-up, numa tentativa clara de chocar, mas que acaba parecendo apenas gratuita.
Por fim, The Last Ranger recorre ao clássico letreiro informativo, como que pedindo desculpas por não ter conseguido transmitir sua mensagem ao longo da narrativa. É um recurso válido em documentários, mas aqui soa como uma admissão de falha. Afinal, se o filme precisou de textos explicativos para emocionar, é porque não cumpriu seu papel como obra cinematográfica.
The Man Who Could Not Remain Silent
Imagine-se em um trem. O ar está pesado, o silêncio é cortante, e você sente que algo está prestes a acontecer. Ao seu lado, há pessoas comuns, como você, tentando disfarçar o medo com expressões neutras. De repente, a injustiça se materializa diante dos seus olhos. O que você faz? Fala? Age? Ou apenas abaixa a cabeça, esperando que o perigo passe sem lhe atingir? The Man Who Could Not Remain Silent não é apenas um filme sobre um massacre histórico; é um espelho que reflete nossa própria hesitação diante do que é certo.
O curta-metragem, que reconta os eventos do Massacre de Štrpci em 1993, poderia facilmente cair na armadilha de ser mais um relato dramático de um episódio trágico. No entanto, ele escolhe um caminho mais sutil e, por isso, mais incômodo. Em vez de nos mostrar a violência explícita, ele nos coloca no lugar daquele que assiste, daquele que hesita, daquele que, no fim, se cala. E é aí que a história ganha força, porque não fala apenas de um homem, mas de todos nós.
A câmera, quase sempre próxima do protagonista, cria uma intimidade que beira o desconforto. Não há como fugir; você está ali, dentro daquele trem, sentindo o peso da indecisão. Os diálogos são cortantes, mas é o que não é dito que realmente importa. O silêncio, afinal, é o grande personagem deste filme. Ele é o que permite que a injustiça aconteça, o que faz com que os inimigos prosperem e os aliados vacilem.
O título, enganosamente simples, esconde uma provocação: quem é, de fato, o homem que não consegue ficar calado? Seria o herói que se levanta contra a opressão, ou seria aquele que, mesmo sabendo que deveria agir, escolhe a segurança do silêncio? O filme joga com nossas expectativas, nos fazendo acreditar que o protagonista será a voz da coragem, mas a realidade é mais dura. Ele é apenas mais um na multidão, alguém que, apesar de saber que algo está errado, não age. E é aí que o filme nos cutuca: quantas vezes nós também nos calamos?
The Man Who Could Not Remain Silent não é um filme fácil. Ele nos confronta com perguntas que preferiríamos evitar. Mas é justamente por isso que ele importa. Porque, no fim das contas, a coragem de um homem pode salvar uma vida, mas o silêncio de muitos pode custar muito mais. E você, no lugar dele, o que faria?
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