Crítica O Bom Professor
Kazak Productions/Divulgação

Crítica | O Bom Professor: um retrato amedrontado sobre acusações e consequências

O Bom Professor é um daqueles filmes que chegam com a promessa de discutir algo relevante, mas acabam se perdendo pela falta de coragem de seus realizadores em aprofundar em temas delicados. Inspirado em experiências reais do diretor, o longa tenta abordar o delicado tema das falsas acusações de assédio em um ambiente escolar, mas falha em explorar as nuances necessárias para tratar um assunto tão complexo. O resultado é uma narrativa que oscila entre o melodramático e o superficial.

Dirigido por Teddy Mussi-Modeste, a trama gira em torno de um professor (interpretado por François Civil) que se vê acusado de assédio por uma de suas alunas. O cenário é uma escola em uma Zona de Educação Prioritária (ZEP), onde os conflitos sociais e educacionais são evidentes. A premissa, por si, já carrega um peso considerável: a luta de um homem para limpar seu nome em um sistema que parece predisposto a condená-lo antes mesmo de qualquer julgamento. No entanto, o filme opta por uma abordagem que, em vez de mergulhar nas nuances do tema, acaba simplificando-o em uma batalha maniqueísta entre o bem (o professor) e o mal (todos os outros).

Crítica | O Bom Professor: um retrato amedrontado sobre acusações e consequências
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Uma decisão, no mínimo curiosa, é a forma como Mussi-Modeste usa a polícia. No filme, ela é retratada como extremamente diligente e investida na resolução do caso, o que contrasta fortemente com a realidade de muitos casos de assédio, onde as vítimas muitas vezes lutam para serem ouvidas. Essa idealização do sistema judiciário e policial não necessariamente tira a credibilidade da narrativa de um filme ficcional, no entanto, tratando-se que ele é baseado em uma história real, é uma escolha que, particularmente, me incomoda enquanto espectador e, suponho, que não devo ser o único.

Outro ponto que chama a atenção é a caracterização dos personagens. Os alunos, em sua maioria, são retratados como marginais em potencial, perpetuando estereótipos prejudiciais sobre jovens de bairros populares. Não há exploração das motivações por trás das ações da aluna acusadora, o filme opta por uma abordagem superficial, reduzindo-a a uma “mentirosa manipuladora”. Isso não apenas empobrece a narrativa, mas também reforça uma visão simplista e preconceituosa sobre os jovens dessas comunidades.

François Civil, no papel do professor, entrega uma atuação sólida, mas é limitado por um roteiro que não permite muita profundidade emocional. Seu personagem é retratado como uma vítima quase perfeita, um mártir que sofre injustamente sem nunca questionar suas próprias ações ou decisões. A cena em que ele é visto frequentando um kebab com alunos de 13 anos, por exemplo, poderia ter sido um momento crucial para explorar as ambiguidades de sua relação com os estudantes. No entanto, o filme ignora essa oportunidade, optando por justificar suas ações como inocentes e bem-intencionadas, sem nunca questionar os limites éticos envolvidos.

A direção de Mussi-Modeste também deixa a desejar. Embora o filme tenha momentos interessantes, a narrativa é frequentemente prejudicada por escolhas estilísticas que parecem mais preocupadas em impressionar do que em servir à história. A montagem, por exemplo, é por vezes confusa, com cortes abruptos que quebram o ritmo da narrativa. Além disso, o uso excessivo de close-ups e planos fechados acaba por criar uma sensação de claustrofobia que, embora possa ser intencional, acaba cansando o espectador ao longo do filme.

Um dos aspectos mais frustrantes de O Bom Professor é sua incapacidade de explorar as motivações por trás das falsas acusações. A aluna acusadora, Leslie (Toscane Duquesne), é retratada como uma marionete manipulada por uma colega, mas o filme nunca se aprofunda nas razões que a levaram a aceitar esse papel. Essa falta de desenvolvimento, além de empobrecer a narrativa, também perde a oportunidade de discutir questões importantes, como a pressão social entre os jovens e a busca por atenção em um ambiente muitas vezes hostil.

Crítica | O Bom Professor: um retrato amedrontado sobre acusações e consequências
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Quando comparado a “A Caça” (2012), de Thomas Vinterberg, que também aborda o tema de falsas acusações, O Bom Professor parece ainda mais aquém. Enquanto o longa de Vinterberg mergulha nas complexidades psicológicas e sociais do assunto, explorando como uma acusação pode destruir vidas e comunidades, O Bom Professor se contenta em retratar o professor como um mártir e todos os outros como vilões. A falta de equilíbrio e profundidade no filme de Mussi-Modeste fica ainda mais evidente quando colocada lado a lado com uma obra tão parecida.

Apesar de suas falhas, O Bom Professor não deixa de ser um filme relevante. Em um momento em que as discussões sobre assédio e falsas acusações estão em alta, o longa traz à tona uma questão importante: como lidar com casos em que a linha entre vítima e acusado é tênue? No entanto, ao optar por uma abordagem simplista e maniqueísta, o filme acaba perdendo a oportunidade de contribuir de forma significativa para o debate.

E assim, como começamos essa análise, terminamos com a mesma sensação de oportunidade perdida. O Bom Professor tinha tudo para ser um filme impactante e relevante, mas acabou se perdendo em suas próprias contradições. Em vez de cutucar os limites éticos e morais que prometia explorar, o filme optou por uma narrativa segura e previsível, deixando o espectador com a sensação de que, assim como o professor do título, ele também foi vítima de uma promessa não cumprida.

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