Millie Bobby Brown e o robô Herman em The Electric State.
Netflix divulga o primeiro trailer de The Electric State. Foto: divulgação / Netflix.

Crítica | Com ‘The Electric State’, Irmãos Russo entregam história mediana para uma reflexão profunda

A Netflix decide unir um elenco e produção de peso pra emplacar The Electric State. Em um mundo utópico de realidade alternativa, a história envolve sérios questionamentos sobre a vida eletrônica e as relações humanas em uma aventura ficcional. Além do drama familiar, a produção abusa de diversos robôs e personalidades pra apresentar uma nova produção vendida para toda a família.

A escolha de grandes nomes começa pela direção dos Irmãos Russo. Joe e Anthony são conhecidos por grandes filmes na Marvel Studios, como “Capitão América 2 – O Soldado Invernal” (2014), “Vingadores: Guerra Infinita” (2018) e “Vingadores: Ultimato” (2019). Além deles, chama atenção o protagonismo de Millie Bobby Brown como Michelle, atriz conhecida por outros títulos originais do serviço de straming como “Stranger Things” e “Enola Holmes”, e também Chris Pratt que protagonizou a trilogia os “Guardiões da Galáxia”.

Esse esforço notórios de famosos das outras ficções expressa um vislumbre interessante e tenta se sobressair às possíveis comparações entre alguma produção da Marvel e Stranger Things da própria Netflix. Logo no começo do filme é possível se questionar quais são as reais intenções do filme, essas são apresentadas a partir de um mistério envolvendo a família de Michelle.

A narrativa desencadeia a partir do momento em que a adolescente recebe a visita do robô Cosmo, que possui a mente de seu irmão Christopher, até então dado como morto. Ela acaba encontrando uma forma de ir até seu irmão de verdade e nessa trajetória decide entrar no caminhão do contrabandista Keats (Pratt), junto de seu robô parceiro Herman (dublado por Anthony Mackie).

Origens de The Electric State, graphic novel e sua adaptação

O filme é baseado no livro ilustrado de mesmo nome, publicado em 2018 por Simon Stålenhag, um artista e escritor sueco conhecido por mesclar arte retrofuturista com narrativas melancólicas sobre tecnologia. Nele é possível ver o universo alternativo em que os seres humanos servem de base para dominar robôs e colocar suas personalidades e vidas dentro de novas máquinas controladas por eles.

O livro tem um ritmo mais introspectivo e minimalista, enquanto os Irmãos Russo são conhecidos por filmes mais comerciais e de ação. O material original foca na experiência subjetiva da protagonista, já o filme é mais direto na representação do drama familiar e emocional de seus personagens, apresentando certas emoções mais rápidas e dinâmicas.

A revolta de Michelle com tudo e todos ao seu redor é clássica de um adolescente que passa por muitas ocorrências inexplicáveis em seu processo de evolução. Mesmo que seja de fácil acesso essas informações, a trama não se centraliza nessa construção, mas tenta abranger uma série de contextos como questionamentos em relação a robotização dos seres humanos e exploração das habilidades de “inocentes”, como descreve o arco de Christopher.

A Netflix tem um histórico de adaptar obras a seu próprio formato (como “Love, Death & Robots” e “Anônimo”). Junto dessa parceria dos Irmãos Russo, eles trouxeram uma aventura que se enquadra para toda a família, apresentando aspectos visuais que correspondem com essa estética. A sensação de assistir é como se a câmera que estivesse gravando o longa estivesse suja de graxa e repleta de ferrugem.

Essa dimensão da fotografia é interessante ao pensar na ilustração que destaca os materiais de sucata, ferro, alumínio e todo o aspecto mais eletrônico e ao mesmo tempo descartável. Algo que dá um bom visual pra intenção de debater a tecnologia, seu descarte e prazo de utilidade. Isso fica evidente quando os personagens vivem o período pós-guerra entre humanos e robôs e percebem que alguns velhos robôs ainda tentam sobreviver nesse mundo que para eles é pós-apocalíptico.

Direção e atuações tem sim um diferencial no filme

Para além da estética visual que segue coerente com a intenção eletrônica e apocalíptica da produção, a direção e roteiro condizem pra a apresentação de uma ficção que foge do comum. É normal ver peças cinematográficas que critiquem a tecnologia, mas inserir um questionamento aprofundado sobre relações de emoção, robotização dos comportamentos humanos e descarte das peças dadas como inúteis.

Ao longo da história, os traumas e dores dos personagens humanos são demonstrados em contato com sentimentos dos robôs, como a amizade entre Herman e Keats que surgiu de um encontro da guerra em que ambos se conectaram após o robô sentir pena do rapaz e salvá-lo de uma morte dolorosa. Essa conexão é interessante e exclusiva dentro de uma relação amigável e de parceria entre o humano e a máquina.

Para criar essa sensação de verossimilhança há um destaque para as atuações de Millie Bobby Brown e Chris Pratt que se relacionam bem com o imaginário de uma gravação repleta de computação gráfica. O bom preparo dos atores é nítido e sua inserção visual não apresenta superficialidades que poderiam surgir diante desse cenário.

Millie Bobby Brown e Chris Pratt em The Electric State
Millie Bobby Brown e Chris Pratt aparecem em primeiras imagens de The Electric State. Foto: divulgação/Netlifx.

A Netflix e suas discussões sobre tecnologia

A parte mais intrigante desse filme são os claros debates que a produção traz. Além da clássica discussão de como as atuais tecnologias estão nos consumindo e dominando, existe uma relação de começar a se questionar sobre as próprias indústrias. Elas são as que mais se beneficiam nessa disposição e também se colocam no pioneirismo desses questionamentos.

A pergunta que fica é: qual a real intenção desse debate promovido pela Netflix? É realmente despertar o lado crítico de quem assiste ou apenas lucrar com uma temática importante e envolvente pra se sobressair como “tecnologia saudável que promove discussões e reflexões”.

Um exemplo é o recém-lançamento “Cassandra”. Uma robô de Inteligência Artificial (IA) que controla uma Casa Smart e se mostra uma dominadora dona de casa que quer ter todos para si. Mais uma vez o streaming coloca esse levantamento do quanto dependemos de novas tecnologias para substituir relações e funções que deveriam ser marjoritariamente humanas.

Outra comparação possível é o episódio “A Joan É Péssima”, da série “Black Mirror”, que critica diretamente o modelo das plataformas de streaming. Ao assistir The Electric State é possível colocar todas essas produções em um mesmo plano e ter um olhar crítico que vai além da apresentação nas telas, mas também das razões de insistir nesse ponto e o quanto isso é mercadológico.

The Electric State vale realmente a pena o play?

Um filme que apresenta drama, ficção e aventura em uma temática já conhecida pode não parecer atrativo. Grandes nomes no elenco e produção desperta atenção, mas a nova produção da Netflix consegue manter uma essência interessante e se sobressai às superficialidades que esse tipo de tema poderia trazer.

Ainda assim, o filme não é uma grande revolução, a não ser que desperte em você discussões e bons questionamentos, O roteiro simples e uma estética visual coerente com essa dinâmica entregam uma obra na medida certa, mas que poderia surpreender mais, dado ao orçamento de US$ 320 milhões que o longa teve.

Existem muitas resoluções simples diante das problemáticas. As vontades e decisões da protagonista Michelle são fracas e facilmente manipuláveis por qualquer interferência, ela é uma adolescente revoltada que no fim das contas aceita facilmente a opinião de qualquer robô pra seguir rumo aos seus objetivos. Era possível desenvolver melhor essa relação para tornar o contexto mais interessante, por exemplo.

Por fim, The Electric State é um longa destinado a famílias que querem assistir uma narrativa que consideramos “sessão da tarde”. Mesmo que simples, o longa desenvolve uma história coerente com seu gênero e pode entreter bem o público principal que não busque grandes inovações.

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