A tão aguardada sétima temporada de Black Mirror chegou à Netflix na última quinta-feira (10), trazendo seis novos episódios repletos de suspense, ficção científica e críticas sociais afiadas. Criada por Charlie Brooker, a série mantém sua essência sombria e reflexiva, explorando temas como tecnologia, memória, identidade e os limites da humanidade.
Cada episódio funciona como uma narrativa independente, mergulhando em universos distintos e perturbadores. Para ajudar os fãs a decidirem por onde começar (ou qual evitar), reunimos as avaliações do IMDb e organizamos os episódios do pior para o melhor, com análises breves de cada um.
6 – Pessoas Comuns
Há uma linha tênue entre a crítica social afiada e o discurso didático que soa como sermão de escola. Black Mirror, série que frequentemente usava a ficção científica como ferramenta de questionamento existencial, parece ter cruzado essa linha no primeiro episódio da 7ª temporada. Pessoas Comuns não é apenas um tropeço criativo — é um espantalho que carrega o nome de uma obra que já foi corajosa.
A premissa, à primeira vista, promete: um casal tenta sobreviver em um mundo onde até a sobrevivência biológica é monetizada. Amanda (Rashida Jones) enfrenta um tumor cerebral e recorre a uma empresa que preserva cérebros em nuvem — por assinatura. O paralelo com planos de saúde predatórios e a própria Netflix, é claro, mas a execução transforma a metáfora em pancada. A Rivermind, empresa responsável pelo serviço, é retratada com a complexidade de um vilão de desenho animado. Tracee Ellis Ross, talento capaz de camadas dramáticas, é reduzida a um clichê de “executiva fria”, com diálogos que parecem gerados por Inteligência Artificial (IA) treinada em manuais de autoajuda corporativa.

O episódio oscila entre gêneros como um bêbado cambaleando. Cenas como Amanda vomitando anúncios durante o sexo tentam ser humor absurdo, mas falham pela falta de timing cômico e sutileza.
O que dói não é o episódio ser ruim — é ser sintomático. Black Mirror já nos mostrou que a tecnologia pode ser uma extensão de nossos piores instintos. Agora, parece refém do mesmo sistema que critica: produzindo conteúdo como commodity, não como arte.
- Leia a crítica completa: Crítica | Black Mirror – 7×1: Pessoas Comuns me deixou constrangido
5 – Brinquedo
Revisitar o passado é como abrir um baú de brinquedos quebrados: a emoção inicial dá lugar à descoberta de que a magia estava na memória, não no objeto. Black Mirror tenta encapsular essa dualidade em Brinquedo, episódio que mergulha nos anos 90 com a sutileza de um glitch em um jogo de Super Nintendo. A proposta de misturar nostalgia tecnológica com alertas sobre as IAs é promissora, mas o resultado lembra um game over prematuro — muita tentativa, pouca diversão.
Peter Capaldi é o único elemento que salva o episódio de ser deletado da memória. Seu Cameron, um desenvolvedor de jogos recluso, tem a energia caótica de um vilão de filme B — olhares perdidos, gestos exagerados, uma loucura que beira o caricato. A direção de David Slade investe em closes que ampliam seu desespero, mas o roteiro não oferece profundidade além do clichê do “velho louco”. É como assistir a um ator de Shakespeare interpretando um meme.

Os Throngs, criaturas digitais que mesclam Furby com Minions em crise existencial, simbolizam o problema central do episódio: a falta de identidade. Eles deveriam ser metáforas para a relação tóxica entre humanos e IA, mas acabam como figurantes de um enredo que não decide se é drama psicológico ou sátira.
A tentativa de vincular a trama a com o filme interativo “Bandersnatch” (com Will Poulter surgindo como cameo esquecível) só reforça a sensação de que Brinquedo está mais para um spin-off do que uma continuação.
- Leia a crítica completa: Crítica | Black Mirror – 7×4: Brinquedo nos convida para um jogo que não vale a pena dar o play
4 – Bête Noire
Imagine acordar um dia e descobrir que suas memórias mais íntimas são arquivos editáveis — e que alguém, por capricho ou malícia, decidiu reescrevê-las. Black Mirror já nos assombrou com dilemas assim, mas em Bête Noire há uma tentativa de escalar um muro mais alto: questionar não apenas o que é real, mas quem detém o direito de ditar essa realidade. O resultado é um episódio que, como um quebra-cabeça com peças faltando, intriga mais pelo vazio do que pela solução.
Maria, interpretada por Siena Kelly, é uma mulher comum até o dia em que Verity (Rosy McEwen), uma figura de seu passado, a convence de que suas lembranças são ficção. A premissa é um terreno fértil para explorar gaslighting na era das fake news, mas o roteiro prefere navegar em águas rasas. A direção de Toby Haynes, por outro lado, é impecável na construção de tensão: planos fechados deformam o rosto de Maria, transformando suor em metáfora visual de desespero, enquanto sombras alongadas nas paredes sugerem ameaças invisíveis. A trilha sonora, um mix de eletrônica distorcida e silêncios cortantes, atua como um personagem secundário — perturbador, mas eficaz.

Maria, uma mulher negra, vê sua palavra ser sistematicamente invalidada por Verity, uma mulher branca e privilegiada. Há ali a semente de uma crítica poderosa sobre como narrativas dominantes apagam histórias marginalizadas, mas o episódio trata o assunto com a superficialidade de um tweet. Em vez de mergulhar na complexidade do cancelamento como arma social, reduz tudo a uma disputa binária — “ela mente, eu não” —, perdendo a chance de questionar estruturas de poder.
- Leia a crítica completa: Crítica | Black Mirror – 7×2: A fragilidade da verdade em tempos de manipulação
3 – USS Callister — Infinity
Sequências são como naves espaciais: se não evoluírem, explodem. Em USS Callister — Infinity, Black Mirror “quebra a regra ” de sua própria origem de contos antológicos e prova que revisitando o passado, é possível descobrir novos universos. O episódio, continuação direta de “USS Callister” (4ª temporada), mantém o DNA de crítica ácida à cultura tech, mas troca o foco do vilão individual pela engrenagem sistêmica — e, no processo, encontra um coração digital que pulsa mais forte que muitos humanos.
A trama resgata os clones digitais presos no jogo espacial criado por Robert Daly, mas aqui eles não são mais reféns de um tirano. Libertados, tornam-se piratas em um metaverso dominado por microtransações absurdas e jogadores tóxicos. A mudança é astuta: se antes o mal era um homem, agora é o sistema — uma alegoria mordaz à economia dos games modernos, onde a “vitória” pode ser facilitada se você comprar os melhores itens e a liberdade, um DLC caro.
Cristin Milioti brilha em dualidade. Como Nanette, a programadora real, ela é insegura e desconectada; como sua versão digital, é uma líder destemida que comanda naves com a precisão de quem já morreu mil vezes. A direção de Toby Haynes (em mais um episódio nessa temporada) usa planos espelhados para contrastar as duas: enquanto a humana hesita em close-ups claustrofóbicos, a clone age em wide shots que celebram sua liberdade cósmica. Jimmi Simpsons, como o CEO James Walton, equilibra comédia e tragédia — seu clone, amigo de uma pedra falante (sim, é tão surreal quanto parece), é uma sátira involuntária à solidão dos “gênios” do Vale do Silício.

Visualmente, o episódio abandona o pastiche de “Star Trek” por uma estética que mistura “No Man’s Sky ” com “Mad Max” intergaláctico. As cores são ácidas, quase pop-art, e as batalhas espaciais têm um caos coreografado que lembra videogames dos anos 2000. A trilha sonora, porém, é o segredo da imersão: os ruídos de naves colidindo são metálicos e pesados, enquanto os silêncios no vácuo do espaço lembram ao espectador que, para esses clones, a morte digital é tão final quanto a real.
Se há uma falha, é a timidez política. Enquanto o original atacava a masculinidade tóxica com precisão cirúrgica, aqui a crítica à indústria de games fica na superfície — uma piada sobre microtransações não substitui a urgência do #MeToo. Ainda assim, o episódio acerta ao humanizar seus personagens sintéticos. Em um momento tocante, os clones debatem se “sobreviver” inclui assistir “The Real Housewives” na mente de Nanette — uma pergunta tão existencial quanto ridícula, e por isso mesmo genuinamente Black Mirror.
- Leia a crítica completa: Crítica | Black Mirror – 7×6: USS Callister — Infinity continua no espaço, mas muda os alvos da sátira
2 – Hotel Reverie
Black Mirror já nos mostrou que a tecnologia pode ser uma faca afiada na carne da humanidade, mas também um abraço quente em noites frias. Em Hotel Reverie, a série troca a lâmina pelo aconchego, mesmo sabendo que todo conforto temporário carrega o peso da despedida. O episódio, que mergulha em um filme dos anos 1940 recriado por IA, é menos sobre os perigos do digital e mais sobre os becos sem saída — e as janelas inesperadas — da saudade.
Brandy Friday (Issa Rae), uma atriz negra relegada a papéis coadjuvantes em Hollywood, encontra na tecnologia Redream uma escapatória: reviver um clássico cinematográfico, ocupando o lugar de um protagonista branco. A premissa evoca “A Rosa Púrpura do Cairo”, mas com um toque de melancolia moderna. O filme dentro do filme é um ambiente controlado, onde cada gesto é coreografado por algoritmos — até que um acidente transforma o sonho em labirinto. Presa na simulação, Brandy descobre que a nostalgia, quando vivida em loop, pode ser tanto refúgio quanto cela.

A direção de Haolu Wang constrói essa dualidade com paletas visuais antagônicas: o mundo real é um estúdio estéril, filmado em tons azulados que lembram telas de computador, enquanto o universo de Hotel Reverie é banhado em dourado, como um quadro de Edward Hopper ganhando vida. Os closes em Brandy e Dorothy (Emma Corrin), a estrela original do filme, não são apenas homenagens ao cinema clássico — são janelas para um romance que floresce nas brechas do roteiro predeterminado. A câmera oscila entre a rigidez das cenas ensaiadas e a fluidez dos olhares roubados, como se a própria tecnologia respirasse aliviada ao ser subvertida.
A trilha sonora, um mix de jazz suave e cordas delicadas, não apenas ambienta a era retratada, mas amplifica a ironia narrativa. Quando Brandy e Dorothy dançam, a música se estende além do tempo real, criando um momento suspenso — uma alegoria perfeita para um amor que existe apenas na fenda de um bug.
Se “San Junipero” era um canto de libertação digital, Hotel Reverie é um adeus delicado. A tecnologia aqui não promete eternidade, apenas uma pausa — um instante dourado onde duas mulheres, separadas pelo tempo e pelo código, descobrem que a beleza está no efêmero.
- Leia a crítica completa: Crítica | Black Mirror – 7×3: Hotel Reverie mostra quando a nostalgia vira prisão afetiva
1 – Eulogy
A memória é um arquivo corrompido. Guardamos versões editadas de nossas histórias, apagando rostos e suavizando arestas, como se o passado pudesse ser refundido em algo mais palatável. Em Eulogy, o quinto episódio da 7ª temporada de Black Mirror, essa fragilidade humana é dissecada por uma IA que, ironicamente, não julga — apenas reflete. O resultado é um dos capítulos mais comoventes da série, onde a tecnologia não é vilã, mas uma testemunha silenciosa de nossos próprios fracassos.
Phillip (Paul Giamatti), um homem recluso, é convidado a criar um memorial digital para Carol, ex-namorada falecida, usando um sistema que reconstitui memórias através de fotos e lembranças. A premissa poderia resvalar para o lugar-comum da nostalgia, mas o episódio a transforma em uma autópsia emocional. A IA, batizada de Guia (Patsy Ferran), não é um oráculo futurista, mas uma curadora de fragmentos: rostos apagados em fotos viram quebras-geométricas, ambientes ganham texturas desbotadas e lacunas são preenchidas apenas com o que Phillip ousa recordar. A direção de arte é meticulosa: cores frias dominam os cenários virtuais, exceto por detalhes como a tinta azul das paredes do apartamento do casal — um respiro cromático que simboliza memórias resistentes ao apagamento.

Giamatti, mestre em retratar homens falíveis, entrega uma performance que oscila entre o trágico e o patético. Seus olhares perdidos em close-ups prolongados, as mãos tremulas tentando desvendar envelopes do passado em ambientes digitais, são um estudo sobre o peso do arrependimento. A câmera não precisa de diálogos para revelar sua dor; basta capturar o suor escorrendo em um rosto iluminado pelo brilho fantasmagórico de um monitor.
O episódio evita a armadilha da redenção fácil. Phillip foi coadjuvante na própria história. A fotografia reforça essa dinâmica — em cenas do funeral, Kelly (a filha) é iluminada como protagonista, enquanto ele permanece na penumbra, espectador da vida que não o incluiu.
Black Mirror frequentemente nos alerta sobre os perigos da tecnologia, mas aqui ela é quase terapêutica. Ao permitir que Phillip reescreva — ou encare — suas memórias, o episódio sugere que inovação e humanidade podem coexistir.
- Leia a crítica completa: Crítica | Black Mirror – 7×5: Eulogy apresenta o paradoxo de reconstruir o que destruímos
Leia também:
- Crítica | Black Mirror é outra vítima da tecnologia em sua 7ª temporada
- The Last of Us 2×1 | As diferenças e semelhanças entre o jogo e o primeiro episódio
- Especial | Os maiores boicotes da história do cinema
- Especial | A maldição dos filmes: produções marcadas por tragédias nos bastidores
- Especial | Os filmes mais caros da história: valeu a pena o investimento?
Deixe uma resposta