Crítica | O Esquema Fenício: Wes Anderson e a fábrica de filmes de luxo pré-montados
Universal Pictures/Divulgação

Crítica | O Esquema Fenício: Wes Anderson e a fábrica de filmes de luxo pré-montados

Wes Anderson já foi um diretor. Hoje, é uma marca. Uma linha de produção de filmes “esteticamente perfeitos”, emocionalmente estéreis e narrativamente previsíveis. O Esquema Fenício chega como mais um item de colecionador nessa loja de quinquilharias luxuosas: bonito na prateleira, mas vazio por dentro. É o mesmo produto de sempre, só que com uma embalagem um pouco mais sombria — como se trocar o rosa pastel por um azul petróleo fosse suficiente para disfarçar o fato de que, no fundo, estamos diante da mesma bijouteria requintada, mas falsa.

Vamos começar pelo óbvio: sim, o filme é lindo. Impecável. Cada quadro parece ter saído de um catálogo de interiores de boutique hotels para bilionários excêntricos. As paredes têm texturas, os móveis têm histórias, e até o papel de parede foi obviamente escolhido após meses de pesquisa em sebos parisienses. Anna Pinnock, a diretora de arte, merece um prêmio só por ter convencido colecionadores a emprestarem Renoirs e Magrittes para servirem de pano de fundo em cenas que, convenhamos, não precisavam deles. Mas essa é a graça (ou a falta dela) no cinema de Anderson hoje: tudo é demais. Tão calculado, tão ensaiado, tão Wes Anderson™ que perde qualquer resquício de espontaneidade. Virou um exercício de estilo, não de storytelling.

Crítica | O Esquema Fenício: Wes Anderson e a fábrica de filmes de luxo pré-montados
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A trama — se é que podemos chamar assim — gira em torno de Zsa-zsa Korda (Benicio del Toro), um magnata sem escrúpulos que reúne seus nove filhos em um palácio italiano para decidir quem será seu herdeiro. Entre eles está Liesl (Mia Threapleton), uma freira que, claro, é a única personagem com um pingo de humanidade. Korda é a versão sem escrúpulos de todos os pais problemáticos que Anderson já criou, difenrete de Royal Tenenbaum ou Steve Zissou, aqui ele eleva a barra da antipatia: Korda não tem redenção possível.

Korda desafia americanos e soviéticos com contratos revolucionários — sempre limitando seu lucro a míseros 5%. Sua fortuna colossal só perde em tamanho para as inúmeras tentativas de assassinato que sofre. Ao emergir de um milharal após mais uma queda de avião, ele comemora sobreviver ao seu sexto acidente aéreo — feito que se tornou rotina para o industrial mais difícil de matar do mundo.

Após testemunhar a morte brutal de seu assistente e uma visão celestial (com Bill Murray como Deus e Willem Dafoe como anjo), Zsa-Zsa decide escolher uma herdeira entre seus 10 filhos. O improvável par embarca numa jornada global para executar o último plano do magnata, enfrentando a oposição e negociando com parceiros traiçoeiros. Com participações de veteranos de Anderson como Tom Hanks e Benedict Cumberbatch.

A fotografia, como de costume nos filmes do diretor, é um deleite de cores saturadas e enquadramentos simétricos. Anderson e seu diretor de fotografia, Robert Yeoman, trabalham com planos estáticos que lembram pinturas renascentistas, mas também introduzem movimentos de câmera precisos, quase teatrais. Há uma cena em que Korda discute seus planos comerciais em uma sala repleta de portas, e a edição sincronizada com as entradas e saídas dos personagens cria um ritmo de comédia pastelão, ainda que o contexto seja sombrio. Essa mistura de tom é uma das marcas do filme: o absurdo e o trágico coexistem, muitas vezes na mesma cena.

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A montagem, por sua vez, reforça a sensação de que estamos diante de uma peça de teatro. Anderson já havia experimentado com narrativas dentro de narrativas em “Asteroid City”, mas aqui ele vai além. Em certos momentos, o espectador é lembrado de que está assistindo a uma construção artificial. Mas, pra não pagar de amargo, me agradou toda vez que o filme flertava com um clima de aventura pulp, que me parecia muito mais interessante que todo o esquema — que, aliás, até agora não entendi toda a paixão do protagonista por esse projeto — que dá título ao filme.

Anderson parece acreditar que, ao adicionar violência — explosões, tiros, envenenamentos —, seu filme ganha profundidade. Não ganha. Só ganha um verniz de seriedade que não combina com seu estilo de direção teatral e distanciado. Quando um personagem morre em O Esquema Fenício, é como assistir a um bonequinho de stop-motion sendo desmontado: você até entende que deveria ser impactante, mas não sente nada. A culpa não é dos atores — muitos deles talentosos —, mas do esquema rígido em que estão inseridos. Todos falam no mesmo tom, se movem no mesmo ritmo, e são esmagados pela estética do filme, que prioriza parecer interessante em vez de ser interessante.

E aqui chegamos ao cerne da questão: o estilo de Wes Anderson, que há 15 anos era fresco e inventivo, hoje soa como uma fórmula enlatada. Os planos simétricos, os travellings laterais, os diálogos secos e irônicos — tudo isso já foi charmoso. Agora, é apenas repetitivo. O Esquema Fenício não inova em nada; só troca as cores da paleta (do rosa-quente para um verde-água “sério”) e repete os mesmos truques. Até as piadas, que em outros tempos eram afiadas, aqui soam como callbacks forçados. Sim, há uma ou outra gag que funciona, mas nada que justifique duas horas de filme.

O pior é que Anderson parece consciente dessa autoparódia e, em vez de fugir dela, abraça-a com um cinismo que beira a preguiça criativa. Há cenas em O Esquema Fenício que parecem tiradas de um clip show de seus próprios filmes. E não, usar pinturas originais de Renoir não torna o filme mais profundo. Ter Benicio del Toro não torna o roteiro menos raso. Fingir que está fazendo uma crítica ao capitalismo — enquanto seu próprio cinema virou um produto de luxo — não torna O Esquema Fenício mais inteligente. É só mais um item na prateleira.

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Curiosamente, filme é exatamente como o personagem de Korda: rico, vaidoso e completamente vazio. Pode até impressionar à primeira vista, mas basta arranhar a superfície para perceber que não há nada por trás. E o pior? Anderson já fez isso antes, só que melhor.

O Esquema Fenício não é um filme ruim. É só mais do mesmo. Como aquela edição limitada de um perfume que você já tem, mas com um frasco diferente. Cheira igual, só custa mais caro.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.