Num universo onde criaturas colossais surgem de portais e os caçadores são a linha tênue entre o mundo humano e o caos, Solo Leveling entrega muito mais do que ação e evolução de poder. O anime nos apresenta Sung Jin-Woo, um protagonista mais complexo e interessante do que aparenta inicialmente que, mesmo repleto de dúvidas, segue em busca de evoluir, seja em força ou em mente, sem deixar o medo dominá-lo.
Ao assistir recentemente as duas temporadas disponíveis da adaptação em anime até o momento, percebi o quanto o protagonista se enquadra e serve como uma representação surpreendentemente fiel de uma filosofia milenar: o estoicismo.
No entanto, atenção! Esse especial não tem como objetivo convencer ninguém a seguir uma filosofia. Também não é um exercício motivacional. A proposta aqui é mais simples e também mais interessante: refletir e mostrar como as atitudes de Sung Jin-Woo, mesmo em um cenário completamente irreal, podem ecoar ideias de pensadores históricos como Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio.

Mas o que é o estoicismo?
Antes de mergulharmos no universo do anime, vale fazer um breve respiro para entender o que, afinal, é o estoicismo. Essa linha de pensamento surgiu inicialmente por volta do século III a.C. na Grécia, com Zenão de Cítio, mas foi realmente lapidado por figuras como Epicteto (um escravo liberto), Sêneca (um conselheiro do imperador romano Nero) e Marco Aurélio (o imperador filósofo). A essência da filosofia é simples, mas profunda: não temos controle sobre o que acontece conosco, mas temos total responsabilidade sobre como reagimos a isso.
A ideia central é separar o que está ao nosso alcance daquilo que está fora do nosso domínio. Emoções como raiva, inveja e medo são vistas como reações impulsivas e, portanto, sinais de alguém que ainda não domina a si mesmo. A virtude, para um estoico, é agir com sabedoria, coragem, justiça e moderação, mesmo quando o mundo parece desabar.
Por exemplo, Epicteto dizia: “Não são as coisas que nos perturbam, mas sim a opinião que temos sobre elas.” Sêneca reforçava: “A verdadeira felicidade está em não depender de coisas externas.” E Marco Aurélio, enquanto liderava o Império Romano, escrevia em seu diário: “Você tem poder sobre sua mente, não sobre os eventos. Perceba isso e encontrará força.”
Para quem quiser se aprofundar mais recomendo o vídeo do canal Ciência Todo Dia, no YouTube, que explica de forma bem didática como surgiu e do que realmente se trata o estoicismo.
O início da jornada: seguindo em frente mesmo como um Rank E
Logo no começo da primeira temporada, Jin-Woo é apontado como praticamente um peso morto nas missões. Ele é o caçador mais fraco da Coreia do Sul, um Rank E que mal consegue derrotar inimigos de nível baixo. Mesmo assim, ele se arrisca. Não porque tem um complexo de herói, mas porque precisa sustentar a irmã mais nova e cuidar da mãe, presa num coma profundo chamado na obra de Sono Eterno.
Apesar de todo o cenário de dificuldade, o protagonista evita reclamar, sem perguntar “por que comigo?”, nem tenta escapar da responsabilidade. Ele sabe que essa é a realidade dele, mesmo que tenha que se aproximar da morte a cada raid, e age dentro de suas possibilidades. Isso é puro estoicismo: encarar a vida como ela é e fazer o melhor possível com o que se tem, mesmo que a sociedade te “ranqueie” como um fracassado, você é quem sabe o que é preciso fazer.
Epicteto, se estivesse assistindo ao anime, provavelmente daria um leve sorriso. Porque esse tipo de atitude – de aceitar o sofrimento como parte do caminho – é uma das marcas mais fortes da filosofia estoica.
Redespertar: o poder não justifica arrogância
A grande virada acontece após um evento traumático, quando Jin-Woo desperta novamente de uma morte heroica e ganha uma habilidade única: ele pode subir de nível, como em um jogo, algo aparentemente inédito para a humanidade, visto que caçadores não podem subir de rank neste universo. A partir daí, ele começa a se fortalecer, mas não muda de comportamento. Não vira alguém que esfrega o novo poder na cara dos outros. Pelo contrário: ele esconde suas habilidades por um bom tempo. Treina em silêncio, observa o mundo, escolhe as batalhas com calma.
Essa postura lembra muito o pensamento de Marco Aurélio. O imperador estoico acreditava que o verdadeiro poder está em manter o caráter mesmo diante do crescimento e da glória. Jin-Woo passa por esse teste. E passa bem! Ele não se embriaga com a própria força, apenas segue, como sempre fez, mantendo a disciplina e com ainda mais força de vontade, abraçando-se no objetivo de cuidar financeiramente de sua irmã e encontrar uma cura para a situação de sua mãe.

Solo Leveling e a parte difícil do estoicismo: encarar a morte com serenidade
Outro ponto forte da personalidade estoica de Sung Jin-Woo é sua forma de lidar com o perigo extremo. Em diversas cenas ele enfrenta criaturas muito superiores, em situações que beiram o suicídio. Mas ele não entra em desespero. Ele analisa, sente obviamente o medo, mas não permite que ele dite seus movimentos.
Ainda no início, antes do redespertar do protagonista, há um momento marcante em uma dungeon de Rank D, onde os caçadores são encurralados por uma estátua assassina e vários personagens entram em pânico. Jin-Woo observa, respira, e toma uma decisão. Mesmo em pânico, ele tenta manter o controle e isso salva vidas, mesmo que custe inicialmente a sua.
Sêneca dizia: “Às vezes até viver é um ato de coragem.” Jin-Woo vive isso literalmente, e várias vezes, durante a trama de Solo Leveling.

Ser protagonista, mas não um mártir
No final da segunda temporada, há uma cena emblemática. Os caçadores mais fortes da Coreia e do Japão se reúnem para enfrentar as formigas gigantes na Ilha Jeju. Jin-Woo é chamado, mas decide não ir. Ele prefere ficar com a irmã, descansar, e cuidar da mãe recém-recuperada. Na visão pública, aquilo poderia parecer covardia. Mas ele não se importa.
Isso é essencialmente estoico. O filósofo Epicteto falava que devemos focar apenas na nossa consciência, não na aprovação dos outros. Jin-Woo sabe que não fugir de uma luta não o faz responsável por todas. E, ainda assim, quando percebe que só ele pode derrotar o que estava na ilha e salvar os caçadores que lá estavam, ele vai. Mas vai por decisão própria e não por pressão.
A humanidade como virtude do estoicismo
Mesmo quando se torna quase um deus entre caçadores asiáticos, Jin-Woo não abandona sua humanidade. Ele protege subordinados, se importa com inocentes, honra quem lutou ao lado dele. Essa solidariedade não vem de um senso de superioridade e sim de responsabilidade.
Sung entende que o poder que tem não o isenta da empatia. Essa ideia casa bem com a máxima de Marco Aurélio: “Se algo é possível para o homem, é possível para você.” Jin-Woo não age como se estivesse acima dos outros, mesmo quando teoricamente está.

As batalhas internas: onde o estoicismo mais aparece
Apesar de se destacar pelas lutas muitos bem animadas, tem algo em Solo Leveling que vai além dos combates físicos. O anime é cheio de cenas onde Sung Jin-Woo está sozinho, refletindo. Pensando em quem era, em quem está se tornando, no que quer preservar. Esses momentos são mais importantes do que qualquer luta contra um monstro.
A filosofia estoica é construída nesses espaços de silêncio. Não se trata de fugir da dor, mas de compreender o que ela quer ensinar. Jin-Woo não foge da dor, ele a olha no olho, e segue. Sem discurso e autoflagelação, apenas firmeza. Isso ocorre tanto no início, quando ainda era apenas um Rank E, quanto após seu redespertar, quando precisou lidar com o peso de matar outros caçadores para defender a si e seu aliado, por exemplo.
Filosofia não é o foco de Solo Leveling, mas está nas entrelinhas
É curioso como Solo Leveling está longe de ser uma anime reflexivo e cheio de filosofias, mas elas estão lá, mesmo que “escondidas”. Embutidas em cada ação contida de Jin-Woo, em cada decisão tomada com base na razão e não na emoção. Isso é estoicismo em sua forma mais pura, por exemplo.
Não se trata de congelar os sentimentos. Trata-se de não ser escravo deles. Jin-Woo não é frio, ele é centrado. Ele sente, mas escolhe quando e como agir. E isso faz dele um personagem tão interessante.
O anime não ensina filosofia, mas convida, de forma silenciosa, a pensar sobre como reagimos às nossas próprias batalhas. Às vezes a “dungeon” atual é a conta atrasada, a porta profissional que se fecha ou não abre, o julgamento das pessoas ao redor ou até mesmo uma doença e a perda de um ente querido. Às vezes é só aquele medo de não dar conta.
Sung Jin-Woo não resolve tudo com força. Ele resolve com clareza. E isso, talvez, seja a força mais rara de todas e a necessária para lidar com as adversidades da vida, sem deixar de aproveita-la e, principalmente, de evoluir.

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