Há algo de libertador em assistir a um artista que já foi pop, country, experimental e glam rock finalmente encontrar um território onde todas essas facetas colidem sem medo. Em Something Beautiful, seu nono álbum de estúdio, Miley Cyrus não só abraça o rock — diferente do que havia feito no divertido “Plastic Hearts”, no qual ela até está mais rockeira, mas parece mais emular um som vintage, do que realmente fazer algo novo — como também o mistura com eletrônica, soul e até pitadas, ainda que bem tímidas, de psicodelia. O resultado é um trabalho que soa como uma celebração de tudo o que ela já foi — e um vislumbre do que ainda pode virar.
- Leia também: Miley Cyrus surpreende os fãs com show intimista de “Something Beautiful” no Chateau Marmont
A primeira faixa, que dá nome ao disco, já anuncia que não estamos diante de um disco convencional. A introdução eletrônica, quase industrial, se dissolve em um refrão barulhento com guitarras distorcidas, baterias estrondosas, que beira o metal alternativo. O contraste com os versos sussurrados, numa pegada de soul, só aumenta o impacto, mostrando uma artista que domina a dinâmica entre o delicado e o brutal. Essa é a Miley mais crua e visceral desde os tempos de “Bangerz” (2013), mas com uma maturidade que só os anos de estrada poderiam trazer.
A produção, repleta de camadas, cria uma atmosfera que lembra Pink Floyd — uma das inspirações declaradas da cantora para este projeto. Não à toa, o álbum vem acompanhado de um filme visual, reforçando a ambição conceitual por trás da obra.
Uma das principais provas disso é em “Walk of Fame”, com participação da lendária Brittany Howard, do Alabama Shakes, que o disco atinge um de seus momentos mais eletrizantes. A batida pulsante e os sintetizadores retrô transportam o ouvinte para as pistas de dança dos anos 80, enquanto a guitarra distorcida lembra que, sim, este ainda é um álbum de rock. A faixa, a mais longa do disco, beira os seis minutos e funciona como uma viagem sonora, com direito a um final que homenageia a era Donna Summer e Giorgio Moroder.
A ousadia de Miley, no entanto, não para por aí. “Every Girl You’ve Ever Loved” traz saxofones e um baixo marcante tocado por Flea — de maneira bem menos funkeada —, do Red Hot Chili Peppers, enquanto a cantora desfia versos cheios de autoconfiança. A presença da supermodelo Naomi Campbell, recitando frases como “pose” entre os versos, adiciona um toque de glamour que dialoga perfeitamente com o conceito visual do álbum.
Ainda assim, o álbum não é só força bruta. “More to Lose”, com seus saxofones melancólicos e letras sobre vulnerabilidade, prova que Miley sabe equilibrar peso e leveza. Já “Give Me Love”, a faixa de encerramento, é uma balada que mistura cordas, flautas e até um toque de sitar, criando um clima quase cinematográfico. A letra, cheia de imagens apocalípticas (“Meu Éden perfeito em chamas”), fecha o disco com a sensação de que acabamos de testemunhar uma jornada — e que Miley, como sempre, não tem medo de queimar tudo para recomeçar.
Talvez o maior pecado do disco seja o excesso. São muitas camadas, seja na produção, como nas referências. Isso deixa o disco menos palatável, sobretudo para quem busca uma Miley pop e com hits. Por falar nisso, não há nenhuma música que pareça ter potencial de se tornar um sucessor de “Flowers”, e, sinceramente, me parece que nem é a intenção da artista ir por esse caminho.
Something Beautiful é uma declaração. Nele, Miley Cyrus consolida sua transformação de estrela pop em uma artista multifacetada, capaz de transitar entre gêneros sem perder sua essência. A produção, repleta de colaborações de peso (Brittany Howard, Flea, Naomi Campbell) e referências que vão do rock clássico à disco music, mostra uma cantora que não só entende de música, mas também sabe como reinventá-la. E se há algo que este disco prova, é que Miley ainda tem muito fogo para queimar — e nós mal podemos esperar para ver (e ouvir) no que isso vai dar.
Leia sobre outros discos:
Deixe uma resposta