P.T.: Como uma demo de 20 minutos se tornou o jogo de terror mais influente da década
Konami/Reprodução

P.T.: Como uma demo de 20 minutos se tornou o jogo de terror mais influente da década

As vésperas do lançamento de Death Stranding 2: On the Beach, novo lançamento de um jogo idealizado por Hideo Kojima, sempre lembro da noite como qualquer outra em agosto de 2014 quando os jogadores descobriram, sem aviso, um título enigmático na PlayStation Store. Chamava-se apenas P.T., sigla para Playable Teaser, e não trazia descrição, trailers ou explicações. Quem ousou baixar aquele arquivo misterioso foi recebido por um corredor escuro, uma casa abandonada e uma sensação de que algo estava profundamente errado. Em poucas horas, o jogo gratuito se tornou o assunto mais comentado da internet. E em poucos dias, revelou-se muito mais do que uma simples demo – era o anúncio silencioso de Silent Hills, o tão esperado retorno da franquia de terror da Konami, dirigido por Hideo Kojima e Guillermo del Toro, com Norman Reedus no papel principal.

Mas o que começou como uma revolução no terror psicológico terminou em tragédia. Cancelado abruptamente, removido das lojas e transformado em lenda urbana, P.T. nunca chegou a ser o jogo que prometia ser. No entanto, seu legado permanece mais vivo do que nunca. Nove anos depois, sua influência ainda ecoa em praticamente todos os grandes títulos de terror, provando que, às vezes, uma demo de 20 minutos pode ser mais impactante do que uma franquia inteira.

O corredor que mudou tudo

P.T.: Como uma demo de 20 minutos se tornou o jogo de terror mais influente da década
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A experiência de P.T. era enganosamente simples. O jogador acordava em uma casa vazia, diante de um corredor em forma de L, e precisava explorá-lo repetidamente, como se estivesse preso em um pesadelo sem fim. A cada volta, pequenas mudanças surgiam: um rádio que antes estava mudo agora sussurrava notícias perturbadoras sobre um assassinato, um banheiro antes limpo aparecia coberto de sangue, e, mais assustador ainda, uma figura feminina – Lisa – começava a se materializar nas sombras.

O verdadeiro terror, porém, não vinha dos sustos convencionais. Lisa não aparecia em cenas coreografadas; ela estava sempre ali, seguindo o jogador, desaparecendo quando ele se virava, reaparecendo em reflexos no espelho. Em um dos momentos mais aterrorizantes, o jogador podia ouvir seus passos e sua respiração ofegante, mas ao olhar para trás, não havia nada. Até que, em um instante, ela estava lá – parada, observando, com olhos vazios e um sorriso que não deveria existir.

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Era um jogo que não apenas assustava, mas invadia a mente do jogador. A genialidade de P.T. estava em sua capacidade de fazer o jogador duvidar do que via. Será que a porta estava sempre aberta? Será que aquele vulto era real ou apenas paranoia? Em uma indústria acostumada a sustos baratos e monstros explícitos, P.T. elevou o terror a um nível psicológico raramente visto.

O sonho que virou pesadelo

Quando os jogadores finalmente decifraram os quebra-cabeças da demo, foram recompensados com uma revelação bombástica: P.T. era, na verdade, um teaser para Silent Hills, o novo capítulo da lendária franquia de terror. E não era um projeto qualquer – tinha a assinatura de Hideo Kojima, o visionário por trás da franquia “Metal Gear Solid”, e Guillermo del Toro, o diretor de “O Labirinto do Fauno”. Norman Reedus, que na época, era uma das estrelas de “The Walking Dead”, seria o protagonista.

O hype foi instantâneo. Fóruns se encheram de teorias, youtubers exploravam cada pixel da demo em busca de segredos, e a Konami parecia ter em mãos o jogo de terror mais promissor da década. Mas então, em 2015, o pesadelo se tornou real: Silent Hills foi cancelado.

Os motivos foram nebulosos, mas os sinais já estavam lá. A Konami passava por uma crise interna, abandonando jogos de grande orçamento para focar em mobile games e pachinko – máquinas de caça-níqueis japonesas. Kojima, que já estava em conflito com a empresa, acabou deixando o estúdio. Sem ele, Silent Hills não tinha mais razão de existir. E, em um ato final de apagamento, a Konami removeu P.T. da PlayStation Store, tornando-o inacessível para novos jogadores.

O que restou foi um vazio. Fãs protestaram, criaram petições, tentaram de tudo para trazer a demo de volta. Consoles com P.T. ainda instalado passaram a valer pequenas fortunas no eBay. E, acima de tudo, uma pergunta pairou no ar: E se?

O Legado de um Fantasma

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Se P.T. nunca se tornou um jogo completo, sua influência se espalhou como um vírus pela indústria. Nos anos seguintes, dezenas de títulos tentaram capturar a mesma magia, alguns com mais sucesso do que outros.

“Visage” é, talvez, o herdeiro mais direto. Um terror psicológico em primeira pessoa que coloca o jogador em uma casa mal-assombrada, onde cada cômodo esconde memórias perturbadoras. Assim como P.T., o jogo não depende de jumpscares óbvios, mas de uma atmosfera sufocante, onde o perigo pode estar em qualquer sombra.

“Layers of Fear”, da Bloober Team, também bebeu da mesma fonte. O jogo, que acompanha um pintor enlouquecido em sua mansão, usa a mesma estrutura de P.T.: um ambiente que se transforma psicologicamente, fazendo o jogador questionar o que é real. Curiosamente, a Bloober Team acabou sendo escolhida anos depois para desenvolver o remake de Silent Hill 2 – como se o ciclo estivesse se fechando.

Até mesmo franquias estabelecidas sentiram o impacto. “Resident Evil 7”, em 2017, que marcou o retorno da série ao terror, adotou uma perspectiva em primeira pessoa e uma ambientação claustrofóbica que lembrava muito P.T.. A Capcom negou a inspiração, mas a semelhança era inegável. E em “Resident Evil Village”, o segmento da Casa Beneviento trouxe de volta o terror psicológico puro, sem armas, sem monstros óbvios — apenas o medo do desconhecido.

Por que P.T. ainda assombra a indústria?

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Nove anos depois, P.T. permanece como uma das experiências mais importantes da história dos games. Não porque fosse um jogo completo, mas porque provou que o terror não precisa de orçamentos milionários ou de horas de gameplay.

Ele mostrou que o medo mais eficaz é aquele que nasce na mente do jogador. Que uma porta que se abre sozinha pode ser mais assustadora do que um monstro pulando na tela. Que o silêncio, às vezes, grita mais alto do que qualquer efeito sonoro.

E, acima de tudo, P.T. se tornou um símbolo de o que poderia ter sido. Um jogo que unia mentes brilhantes como Kojima e Del Toro, que prometia revolucionar o gênero, e que foi perdido por razões que nada tinham a ver com sua qualidade.

Hideo Kojima já disse que ainda quer fazer um jogo de terror “que faça você sujar as calças”. A Konami tenta ressuscitar Silent Hill com novos projetos. Mas nenhum deles será P.T.. Porque P.T. não era apenas um jogo — era um momento. Um susto que nunca terminou. Um corredor que nunca teve fim.

E, como todo bom fantasma, ele nunca vai embora de verdade.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.