Cinema periférico | 8 filmes que dão voz às favelas e quebradas, feitos por quem vive neles
Coletivo Tela Preta/Reprodução

Cinema periférico | Conheça 8 filmes que dão voz às favelas e quebradas

Enquanto Hollywood disputa Oscar com filme de bilhão e o centro cultural das grandes cidades financia mais um longa existencial branco com protagonista de classe média, tem gente fazendo cinema com celular, com câmera emprestada, com grana do pix, com vaquinha online. Tem gente roteirizando enquanto lava louça, filmando no intervalo do trampo, editando no computador da lan house. E essa galera tá contando as histórias mais potentes do nosso tempo.

Esse é o cinema periférico feito por quem é periférico. Filmes que não foram escritos pra festival, mas que mesmo assim lotam salas alternativas, ganham prêmios, circulam em rede, viralizam no boca a boca. Filmes que não pedem licença nem aprovação, porque sabem que o mundo sempre tentou silenciar quem vem da margem.

Aqui, a arte é sobrevivência. É denúncia. Mas também é cura, memória, riso, comunidade, ancestralidade e sonho. Separamos alguns dos filmes, diretores e coletivos que estão transformando a quebrada em protagonista de sua própria narrativa.

Nóis por Nóis (2020), de Aly Muritiba e Jeferson De

Com roteiro assinado por jovens da quebrada, Nóis por Nóis acompanha a vida de sete personagens da periferia de São Paulo entre festas, luto, amor, resistência e repressão policial. O elenco é formado por atores reais das quebradas, muitos estreando no cinema.

O filme mistura realidade e ficção, mas o que mais impressiona é a autenticidade. A quebrada ali não é romantizada, nem reduzida a sofrimento. É vida pulsante. É empoderamento estético. É grito coletivo.

Coletivo Nós, Mulheres da Periferia

Não é um filme só… é uma potência. O coletivo Nós, Mulheres da Periferia, formado por jornalistas, cineastas e comunicadoras, vem produzindo documentários, curtas e webséries que falam de dentro das vivências femininas das quebradas, especialmente de São Paulo.

Produções como Quem são as mulheres negras que estão mudando o Brasil? (2017) ou A Voz Delas (2019) mostram como o audiovisual pode ser ferramenta de denúncia, mas também de autocuidado e autoestima.

 Quando uma mulher preta da periferia dirige, o mundo vê por outro ângulo.

Cinema periférico
Foto: reprodução/agencia mural

Querô (2007), de Carlos Cortez

Baseado na obra de Plínio Marcos, Querô foi filmado com jovens atores da Baixada Santista, muitos egressos da Fundação Casa ou moradores da periferia. O longa tem uma força crua, um realismo absurdo e um elenco que não atua: vive.

 A produção contou com oficinas de formação, roteiro coletivo e envolvimento da comunidade, um exemplo poderoso de como o cinema pode ser ferramenta de reinserção social e transformação real.

Cinema periférico
Foto: reprodução/mubi

Carne (2019), de Camila Kater

Curta documental feito com recortes, vozes reais, colagens e animação experimental. Camila Kater traz mulheres de diferentes contextos (todas marginalizadas de alguma forma) pra falar sobre seus corpos negros, gordos, periféricos, lésbicos, velhos.

O filme ganhou mais de 70 prêmios no mundo inteiro. Mas seu maior mérito é dar voz, forma e imagem a corpos que o cinema sempre tentou esconder. Cinema de resistência, feito com estética própria e coragem.

Cinema periférico
Foto: reprodução/aic

Perifericu (2019), de Nay Mendl, Rosa Caldeira, Stheffany Fernanda e Vita Pereira

Esse curta LGBTQIA+ feito por pessoas pretas, trans e da quebrada virou um símbolo do cinema contra-hegemônico. Filmado na periferia de São Paulo, ele conta a história de jovens que vivem sua sexualidade, sua negritude e sua existência sem pedir permissão.

É um cinema que fala de prazer, afeto e resistência. Não como exceção. Mas como regra. Ganhou prêmio no Festival Mix Brasil e segue como referência em interseccionalidade e linguagem poética periférica.

Cinema periférico
Foto: reprodução/cinemateca brasileira

Café com Canela (2017), de Ary Rosa e Glenda Nicácio

Do Recôncavo Baiano pro mundo. Café com Canela é um filme sensível, profundo, preto, feito fora do eixo Rio-SP e 100% independente. A história é sobre luto, amizade e cura entre duas mulheres negras uma professora e uma dona de casa que se reconectam após anos afastadas.

Os diretores são do Coletivo Tela Preta, que faz cinema de resistência no interior da Bahia. O filme passou em mais de 40 festivais e hoje é exemplo de que o cinema negro e do interior não só existe  como emociona, pensa e transforma.

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Foto: reprodução/imdb

A Voz do Silêncio (2017), de André Ristum

Mesmo com um diretor do centro, esse filme merece destaque pelo elenco potente da quebrada sul de SP. As histórias são entrelaçadas: um catador, uma senhora sozinha, um entregador de gás, um menino órfão. Gente comum, com dores reais.

O elenco traz atores da periferia, como Marat Descartes e Edilson Silva, e o filme se constrói numa estética simples, quase documental. A direção ouve mais do que impõe. E isso faz toda a diferença.

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Foto: reprodução/plano crítico

Rolê — Histórias dos Rolezinhos (2021), de Vladimir Seixas

Documentário urgente que fala sobre os famosos “rolezinhos” dos shoppings de SP, em que jovens pretos e periféricos tomavam os espaços de consumo. O filme revela como a mídia criminalizou a ocupação e como o racismo estrutural agiu em cada etapa da repressão. Mas também mostra o lado B: o orgulho, a estética, a potência daquele movimento. Cinema como denúncia  e como ato político.

Cinema periférico
Foto: reprodução/prime video

O cinema periférico não quer palmas do centro. Quer liberdade. Quer contar a própria história com sua lente, sua gíria, sua dor, sua cor, sua risada e sua cura. E isso muda tudo.

A gente cresceu vendo filmes onde a favela só aparecia como fundo de perseguição policial. Onde o nordestino era sempre o coitado. Onde mulher preta morria na primeira cena. Onde o gay era alívio cômico. Mas essa geração já entendeu que ou a gente conta a história do nosso jeito ou vão contar errado por nós.

Hoje, favela filma. Periferia escreve. Quebrada edita. Interior dirige. E a arte que sai disso? É viva, urgente, coletiva. É arte de verdade.

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Jornalista e formada em Cinema, apaixonada por cultura asiática e por contar histórias. Provavelmente já assisti tanto aos filmes do Adam Sandler que poderia atuar em qaulquer um sem precisar de roteiro.