Dizer que Round 6 se transformou em um fenômeno cultural seria pouco. Desde a estreia da 1ª temporada em 2021, a série criada por Hwang Dong-hyuk não apenas conquistou recordes, mas também redefiniu o que o entretenimento global espera de uma obra de suspense e crítica social. Agora, em sua 3ª (e última) temporada, a produção entrega um desfecho ambicioso, intenso e tecnicamente impressionante, embora com um gosto agridoce, não só pelos rumos do enredo, mas por uma última piscadela incômoda ao mercado norte-americano.
A nova leva de episódios retoma a narrativa de onde a 2ª temporada parou, ou seja, no meio do jogo. É uma escolha corajosa: se no segundo ano o foco esteve mais no dilema humano, nos pequenos triunfos morais e na colaboração entre os jogadores, aqui a brutalidade domina. Hwang opta por não poupar mais ninguém, e o que antes era uma fábula amarga sobre desigualdade social se torna agora um experimento de angústia controlada. A carnificina não é gratuita, mas definitivamente é mais difícil de assistir. Ainda assim, há beleza no horror. Os cenários continuam sendo uma explosão de criatividade distorcida, e a tensão entre Lee Jung-jae (Gi-hun) e Lee Byung-hun (Front Man) atinge seu ápice em performances silenciosas, densas e cheias de peso emocional.
Lee Jung-jae, como de costume, entrega uma atuação sutil e complexa. Seu Gi-hun agora é alguém que carrega os erros, as mortes e as pequenas vitórias dos últimos anos nos ombros. Ele não é mais só um jogador tentando sobreviver: é um homem tentando não se perder de vez. A série tem consciência disso e, nos momentos em que permite o silêncio e a contemplação, brilha como nos seus melhores dias.

Como sempre, a direção de Hwang Dong-hyuk é afiada, visualmente impactante e cheia de pequenas provocações. Os cenários continuam absurdamente criativos, a fotografia permanece icônica e a trilha sabe exatamente quando deixar o som sumir para o silêncio dizer tudo. Há, inclusive, momentos de beleza poética no meio do caos. Mas também há escolhas incômodas, e não por acaso.
O final da temporada entrega o que parece ser uma conclusão definitiva. Os arcos centrais são fechados, os destinos dos personagens são selados e a série coreana termina como deveria: com dignidade e densidade. Só que aí vem o que talvez seja o verdadeiro twist.
Por essa ninguém esperava: enquanto rumores apontavam para uma possível aparição de Leonardo DiCaprio nos momentos finais, foi outra vencedora do Oscar que roubou a cena: Cate Blanchett. E sua participação não é gratuita.
Blanchett surge na cena final como a versão norte-americana do Vendedor, papel antes interpretado por Gong Yoo nas temporadas anteriores. Assim como ele, ela aparece jogando ddakji com um homem em situação de rua pelas ruas de Los Angeles, espelhando o recrutamento original que deu início à trama lá na Coreia. Observando a cena à distância está o Front Man, que viajou aos Estados Unidos para entregar os pertences de Gi-hun à filha do protagonista, agora crescida. Um olhar entre os dois sugere que há uma nova fase do jogo em curso e que ela está bem longe do território asiático.

A aparição de Blanchett não só encerra a série com classe e mistério, mas também carrega um recado direto: o remake (ou uma continuação?) estadunidense de Round 6 vem aí. Confirmado por Hwang Dong-hyuk, o projeto terá a produção por David Fincher e promete uma “versão americana” da distopia que chocou o mundo.
E é exatamente aí que mora o problema.
A presença de Blanchett, embora impecável e hipnótica, expõe uma ferida aberta na indústria do entretenimento: o impulso constante de Hollywood de se apropriar de narrativas asiáticas bem-sucedidas, esvaziando suas críticas locais, estatizando suas dores e transformando obras autorais em produtos genéricos para consumo em massa. Round 6, em todas as suas temporadas, foi um grito muito específico sobre a desigualdade social e a crueldade do sistema sul-coreano, que, embora tenha ecos globais, está profundamente enraizado em sua cultura. Recriar essa história sob uma ótica ocidental corre o risco de apagar justamente aquilo que a tornou tão poderosa.
O final de Round 6 não é apenas o fim de uma jornada. É uma bifurcação. De um lado, temos a obra coreana finalizada com ambiguidade, coragem e brutalidade poética. Do outro, a sombra de uma expansão norte-americana que já se anuncia como mais polida, mais comercial e provavelmente menos crítica. Cate Blanchett brilha, como sempre, mas sua presença é quase um lembrete de que o jogo pode ter mudado de mãos. E talvez, de propósito.
Ainda assim, o que Hwang Dong-hyuk entregou com Round 6 já é monumental. A série termina fiel a si mesma: humana, desconfortável, visualmente marcante e eticamente incômoda. Uma fábula moderna sobre o que nos resta quando tudo que temos é o instinto e o desejo desesperado de não se tornar um monstro.
Que venha o remake, se for inevitável. Mas que ninguém esqueça onde o jogo começou e por que ele foi tão necessário.
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