Se você acessou pelo site oficial de Hayley Williams nesta segunda-feira (28), talvez tenha se deparado com uma das ações mais inusitadas do ano na música pop alternativa. De maneira silenciosa e envolta em mistério, a vocalista do Paramore lançou um novo álbum solo com 17 faixas inéditas – sem título oficial, sem divulgação tradicional e escondido atrás de uma senha.
Esse código – anota aí: 8N@%B=Psw=_)gOc0 –, aliás, foi enviado apenas a alguns fãs por meio de uma newsletter da Good Dye Young, marca de tinturas de cabelo criada por Hayley. Outros conseguiram acessá-lo por fóruns e comentários na internet. O disco, até agora conhecido extraoficialmente como EGO, já é visto como um experimento íntimo e despretensioso, mas com identidade estética marcante.

O projeto caiu como uma cápsula do tempo: publicado em um site de aparência retrô, remetendo aos primeiros anos da web, o lançamento parece mirar mais em conexão emocional do que em números de streaming. E isso, vindo de uma artista de uma das maiores bandas do pop-punk dos anos 2000, já é por si só algo a ser notado.
Musicalmente, o disco aposta no caminho já trilhado por Hayley Williams em seus trabalhos anteriores, “Petals for Armor” (2020) e “Flowers for Vases / descansos” (2021), mas com ainda mais liberdade criativa. Aqui, ela experimenta, provoca, testa texturas – e nem sempre acerta, mas nunca parece forçar um conceito. Os destaques surgem de forma orgânica, como em “Negative Self Talk”, uma das faixas mais fortes da coletânea como um ponto alto lírico e emocional.
Outros bons momentos incluem “Mirtazapine”, lançada alguns dias antes na rádio pública de Nashville, e “Glum”, que flerta com ambiências etéreas e poderia ser um dos pontos altos do disco, não fosse por alguns efeitos vocais questionáveis que, ao invés de intensificar a atmosfera, diluem a emoção da canção.
Curiosamente, o álbum não parece ter sido construído para soar coeso. As faixas iniciais são mais envolventes e diretas, enquanto as finais demonstram certo cansaço criativo, como se o impulso inicial tivesse se diluído na própria experimentação. Mesmo assim, o projeto mantém seu valor enquanto peça artística, justamente por não buscar uma estrutura tradicional de início, meio e fim. É como folhear o diário sonoro de alguém que não esperava ser lido.
Para quem acompanha a trajetória de Hayley Williams, a proposta soa coerente. Após dois discos solo que dividiram o público, mas consolidaram sua identidade fora do Paramore, a artista parece mais interessada em criar do que em agradar. E isso se reflete também na escolha de disponibilizar o material apenas em seu site oficial, de forma gratuita e limitada. Uma recusa ao formato dominante das plataformas e um aceno claro aos fãs mais fiéis.
Durante o Newport Folk Festival, Hayley apresentou ao vivo “Mirtazapine” pela primeira vez, em um show ao lado do Bleachers, onde também fez um cover inesperado de “I Melt With You”, da banda Modern English. O momento apenas reforçou o clima de descontração e autenticidade que paira sobre esse novo capítulo de sua carreira solo.
Enquanto isso, o Paramore também voltou aos holofotes com a disponibilização oficial do EP “The Summer Tic”, lançado originalmente apenas em CD em 2006. O resgate do material veio dentro da edição deluxe de “All We Know Is Falling”, em comemoração aos 20 anos do álbum de estreia da banda. Ou seja: Williams está equilibrando, de forma quase simbiótica, seu passado e presente musical.
O novo álbum solo, ainda sem nome, poderia facilmente ser classificado como um trabalho menor ou de transição, mas talvez essa seja justamente sua força. Em vez de buscar o impacto imediato, ele oferece um espaço de escuta mais íntimo e artesanal, onde as imperfeições são parte da experiência. Como um vinil antigo com chiados que só tornam tudo mais real.
E embora nem todas as faixas brilhem da mesma forma – com destaque negativo para “Brotherly Hate”, apontada como uma das menos inspiradas –, o conjunto entrega sensibilidade e uma artista que continua inquieta, mesmo após quase duas décadas sob os holofotes.
Se chegar ao streaming ou for lançado em formato físico, o disco certamente encontrará uma audiência mais ampla. Mas talvez parte da sua mágica esteja justamente no jeito escondido com que apareceu. Como um segredo compartilhado entre quem ainda busca a música como descoberta, e não só como algoritmo.
O futuro desse projeto é incerto, mas uma coisa é clara: Hayley não parece estar interessada em seguir as regras do jogo – e, ao que tudo indica, está se divertindo muito mais assim.
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