Assistir a um filme como novo Corra que a Polícia Vem Aí! é como abrir um álbum antigo de figurinhas que já grudaram demais – a imagem está lá, a intenção é nítida, mas a cola perdeu a força. Há um esforço genuíno em capturar o espírito dos clássicos da franquia, agora com Liam Neeson assumindo a difícil tarefa de carregar o legado de Leslie Nielsen. A direção de Akiva Schaffer, que já demonstrou domínio do absurdo em “Hot Rod – Loucos sobre Rodas”, tenta equilibrar nostalgia e atualização, mas tropeça exatamente no que deveria ser sua maior força: o timing cômico.
Desde o início, fica claro que o filme aposta alto na estrutura da paródia clássica – piadas visuais em segundo plano, jogos de palavras, subversão de clichês, e uma construção narrativa que serve quase exclusivamente como plataforma para as gags. A câmera raramente se detém em planos longos; há uma constante inquietação visual, típica dos filmes do trio ZAZ (Zucker, Abrahams, Zucker), que usavam a montagem como ferramenta de impacto cômico. Porém, aqui, a montagem acelerada em alguns trechos mais atrapalha do que ajuda. O ritmo das piadas parece seguir um cronômetro e não a fluidez da situação. Há momentos em que o corte é tão apressado que o riso sequer tem tempo de se formar – e humor precisa de fôlego.
A fotografia é funcional, mas sem inventividade. Serve ao propósito: iluminar tudo igualmente para não atrapalhar a comicidade – um padrão desse tipo de comédia. O problema é que, sem charme visual ou ousadia estética, o filme acaba se tornando estéril. Mesmo os cenários, que poderiam funcionar como suporte para os gags físicos e visuais, soam genéricos. O design de produção reproduz com fidelidade o universo policial urbano dos filmes dos anos 80. Tudo parece feito por encomenda, como se a graça estivesse apenas no texto, não no mundo em que ele acontece.

E por falar em texto, o roteiro é onde se encontra o maior dilema do filme. De um lado, há um esforço visível em criar camadas de piadas – com trocadilhos, sátiras sociais, e até acenos autorreferenciais. Do outro, há uma dependência excessiva de fórmulas antigas, como se bastasse repetir a estrutura dos filmes originais para que a graça surgisse automaticamente. Algumas gags são, de fato, criativas, mas muitas outras parecem saídas de um brainstorm preguiçoso ou de uma noite de escrita em ritmo de ressaca. Há piadas que simplesmente desaparecem no ar, sem construção, e outras que tentam se apoiar exclusivamente em referências dos anos 80, como se isso por si só fosse engraçado.
As atuações são competentes, mas, novamente, limitadas pelo tipo de humor. Liam Neeson assume o papel de Frank Drebin Jr. com uma entrega sincera, abraçando o ridículo com a dignidade de um veterano. Sua presença funciona em muitos momentos, principalmente quando o contraste entre sua persona séria e o nonsense do roteiro é explorado – algo que os melhores momentos de Leslie Nielsen sabiam fazer com maestria. No entanto, assistir à sua performance dublada em uma cabine de imprensa foi uma escolha questionável. Por mais competente que seja a dublagem, perde-se a sutileza de tom, a musicalidade da fala, e – o mais grave – as intenções cômicas que dependem do timing vocal. Em muitos momentos, Neeson parecia apenas robótico, e talvez isso tenha mais a ver com a dublagem do que com ele.
Pamela Anderson, por sua vez, surpreende positivamente com uma entrega despretensiosa e um bom timing cômico, mas novamente, seu desempenho também foi prejudicado pela dublagem. A química entre ela e Neeson existe, mas não ganha força suficiente para se tornar memorável. A ausência de vozes originais faz com que qualquer nuance seja achatada, e é difícil julgar com justiça se a dupla teve ou não bons momentos – porque nunca ouvimos, de fato, o que eles disseram.

Curiosamente, uma das poucas piadas que realmente provocou risos na sala foi uma adaptação para o universo do futebol – claramente inserida para o público brasileiro –, talvez até justificando a exibição dublada na cabine. Só que, se ganhamos uma piada que funcionou bem nesse contexto, é inevitável concluir que perdemos outras tantas, provavelmente por falta de contexto ou de adaptação satisfatória. Isso é um problema grave em um filme que vive ou morre pela eficácia de seu humor.
Na estrutura geral, o filme tem um começo promissor. Os primeiros 30 minutos são frenéticos, recheados de piadas que, ainda que nem todas funcionem, ao menos tentam ser criativas. No entanto, a segunda metade parece ficar sem munição. O ritmo desacelera, e o roteiro passa a depender de soluções fáceis e batidas genéricas do gênero policial. A subtrama do “quem matou quem” é tão previsível que chega a parecer uma paródia da própria paródia – e não no bom sentido. É como se o filme decidisse, em determinado momento, seguir apenas o piloto automático, confiando que o público seguirá rindo só pela boa vontade.
É uma pena que um projeto com tanto potencial e com um diretor como Schaffer por trás não consiga alcançar o brilho dos originais. Talvez a pressão de ser um reboot – que também não deixa de ser uma continuação –, talvez o receio dos estúdios em apostar em um humor mais afiado em tempos de redes sociais vigilantes. Seja qual for a razão, o fato é que Corra que a Polícia Vem Aí! tem um espírito que tenta ser ousado, mas é podado por todos os lados.
E é justamente aqui que voltamos ao ponto de partida. A ideia de resgatar o humor pastelão e o nonsense parecia, à primeira vista, o respiro que precisávamos nesses tempos digitais tão assépticos. Havia uma esperança, ainda que ingênua, de que ver piadas físicas, trocadilhos absurdos e personagens caricatos em tela grande nos devolveria um tipo de alegria há muito tempo escondida. Mas, ao final da sessão, mesmo reconhecendo o esforço, tudo o que resta é a sensação de que o filme poderia ter sido mais engraçado,, mais memorável.
O filme diverte em vários momentos, tem boas ideias e entrega uma experiência leve, sem compromissos. Algumas piadas funcionam bem, especialmente nos primeiros atos, e há sequências criativas que revelam carinho pela fonte original – como uma envolvendo um boneco de neve. Mas a verdade é que, apesar do sorriso constante, não houve nenhum momento em que eu dei aquela gostosa gargalhada. E, para um filme que se propõe a fazer rir, isso faz toda diferença.
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