Crítica | Drácula: Uma História de Amor Eterno é pura ambição sem mordida
Paris Filmes/Divulgação

Crítica | Drácula: Uma História de Amor Eterno é pura ambição sem mordida

Às vezes, o cinema nos confronta com experiências que parecem ter nascido de uma febre, de um impulso criativo descontrolado, onde beleza e desatino caminham lado a lado. Drácula: Uma História de Amor Eterno é um desses casos. Um filme que, em seu coração, tenta ser um grande épico gótico-romântico, mas que se perde em sua ambição estética, narrativa fragmentada e uma direção incapaz de lidar com o próprio simbolismo que evoca. O resultado é um longa visualmente ousado, porém emocionalmente oco – um retrato de intenções grandiosas que não se sustentam com o peso que tentam carregar.

A proposta é clara desde o início: reimaginar o mito de Drácula sob a ótica da paixão imortal, tentando criar um elo direto com o imaginário do romance trágico, à la Coppola, mas com um toque moderno. No entanto, ao contrário do clássico de 1992, este novo Drácula parece mais preocupado em parecer intenso do que em realmente ser. E isso é perceptível logo nas primeiras cenas, que alternam entre composições visuais de tirar o fôlego e diálogos que soam como se fossem retirados de uma fanfic.

A fotografia, de fato, é um dos pontos altos da produção. Com enquadramentos simétricos e um uso expressivo de sombras e contraluzes, a atmosfera gótica é evocada com competência. Há um cuidado evidente com os cenários e figurinos, que são densos, texturizados, e funcionam bem dentro do universo proposto. O castelo de Drácula, por exemplo, é um exemplo de direção de arte bem aplicada: soturno, imponente e elegante, cumpre sua função como palco de um romance amaldiçoado. Mas mesmo a beleza das imagens perde impacto quando o conteúdo narrativo não acompanha o ritmo.

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Na montagem, o filme tenta sugerir um fluxo poético – cortes ritmados, elipses temporais e inserções quase oníricas. Porém, esse lirismo artificial logo se transforma em confusão. A narrativa não se organiza de forma clara, os saltos temporais quebram o envolvimento emocional e as tentativas de simbolismo ficam perdidas entre sequências que parecem videoclipes. Belas, sem dúvidas, mas vazias. A impressão é de que o filme está constantemente interrompendo a si mesmo, como se não soubesse qual história quer contar, ou pior, como contá-la.

Do ponto de vista da direção de Luc Besson, o que se vê é um cineasta em conflito com sua própria criação. Há momentos em que o tom beira o grotesco – não no sentido estético, mas no exagero emocional e estilístico. O amor de Drácula (Caleb Landry Jones) e Elisabeta (Zoë Bleu) deveria ser o fio condutor da história, mas falta qualquer construção prévia que justifique o peso dessa conexão. A química entre os dois protagonistas se apoia quase exclusivamente na sensualidade, algo já comum no imaginário vampírico, mas que aqui parece a única justificativa para suas ações. Não há passado, não há história – só desejo. E desejo, sozinho, não sustenta um épico.

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O elenco, por sua vez, sofre com essa falta de estrutura. Caleb Landry Jones é um acerto de escalação: seu físico, seu olhar inquieto e a aura excêntrica encaixam perfeitamente na figura do vampiro. Ele encontra um equilíbrio interessante entre o fascínio e o repúdio, e entrega uma performance que tenta trazer nuances mesmo quando o roteiro não ajuda. Infelizmente, a maquiagem exagerada e a caracterização do “Drácula idoso” prejudicam sua entrega, tornando-o mais caricato do que ameaçador.

As personagens femininas, por outro lado, são reduzidas a arquétipos ou, pior, acessórios dramáticos. Elisabeta, interpretada por uma atriz competente mas mal dirigida, tem uma presença estética marcante, mas carece de substância. Outras personagens femininas aparecem como figuras decorativas ou instrumentos de desejo, reforçando uma misoginia estrutural que atravessa o filme de forma desconfortável. Em um longa que se propõe a falar sobre amor eterno, é curioso – e problemático – que esse amor seja quase exclusivamente narrado pelo olhar masculino.

Algumas sequências merecem destaque: uma montagem ao som de música clássica durante um baile vampiresco, ou a cena da apresentação dos poderes de Drácula, que revela um domínio quase mitológico sobre o mundo físico. São momentos em que o filme acerta na alquimia entre forma e conteúdo, sugerindo o potencial que a obra poderia ter. Mas, como tantos outros acertos pontuais, eles acabam soterrados por decisões questionáveis – como a batalha final, longa, confusa, cheia de cortes rápidos e efeitos visuais que destoam do tom anterior.

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Ainda assim, há de se reconhecer que o filme tenta. Tenta ser grande, tenta ser profundo, tenta ser memorável. A ambição está ali, transbordando em cada plano superproduzido, em cada cena marcada por trovões artificiais e silhuetas dramáticas. Mas tentar não é o bastante. Quando o exagero visual começa a se sobrepor à narrativa, o que sobra é um exercício estético vazio, onde os personagens falam de dor eterna mas parecem incapazes de sentir qualquer coisa.

É curioso notar como, apesar de seus problemas estruturais e de direção, Drácula: Uma História de Amor Eterno nunca soa entediante. Sua estética exagerada, as atuações performáticas e os momentos de absurdo quase involuntário acabam criando uma experiência peculiar – ora fascinante, ora risível, mas nunca totalmente indiferente. Isso, por si só, é um feito raro, ainda que não suficiente para salvá-lo do esquecimento.

A febre criativa, o delírio de grandeza e o caos narrativo que cercam o filme não seriam um problema se houvesse um coração pulsando sob tudo isso. Mas o que vemos é uma tentativa de construir emoção a partir da estética, sem compreender que o verdadeiro poder de uma história de amor eterno reside na sua humanidade, mesmo que envolta em dentes afiados e capas negras.

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