Quando falamos em MPB atualmente, é muito fácil cair no lugar da reverência aos medalhões e a produção da década de 1970, deixando de lado tudo o que tem sido feito na música popular brasileira atualmente e que também tem um alto valor. “Afim”, segundo álbum solo de Zé Ibarra faz um movimento na direção de romper com esse padrão e surpreende.
Se em “Marquês, 256” (2023) o cantor e compositor fluminense apesar de se destacar pelos belos vocais, parecia preso a essa reverência e solenidade dos clássicos da MPB, agora ele soa mais livre, despreocupado e mundano em um disco que é baseado nos encontros e diálogos com nomes da atual geração e realça o lado interprete do artista.

São 8 faixas produzidas pelo próprio Zé Ibarra ao lado de Lucas Nunes, sendo que apenas duas são composições suas sozinho, as outras 6 canções se dividem entre parcerias e regravações com alguns nomes já íntimos e outros que transitam pelo mesmo universo que o ex-Bala Desejo, mas não necessariamente são associados a ele com frequência.
O resultado desses encontros é um álbum em que ainda se nota claramente as referências aos clássicos da MPB, porém eles são apenas um ponto de partida para a construção de uma sonoridade nova, que mistura elementos do jazz, do indie rock e do samba, com toques orquestrais que dão um ar cinematográfico, ao mesmo tempo em que dividem espaço com momentos acústicos mais intimistas.
A abertura é com “Infinito em Nós” é uma das composições solo de Ibarra e já inicia com o peso do belo arranjo executado pela banda formada por Alberto Continentino no baixo, Daniel Conceição e Thomas Harres na bateria e percussão, Rodrigo Pacato nas percussões adicionais, Chico Lira no Fender Rhodes e Guilherme Lirio na guitarra.
Em seguida vem “Segredo”, regravação da canção da banda Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo que ganha novos contornos e revela o trunfo de Zé Ibarra como interprete. Aqui ele entrega um pouco de si mesmo para a faixa e encarna o eu lírico trazendo um novo ponto de vista para a letra que retrata uma relação LGBT+.

Dessa mesma forma acontece com “Da Menor Importância”, música de Maria Beraldo que na voz de Zé Ibarra tem sua essência não-binária realçada com uma interpretação que se transmuta entre agudos e graves. “Retrato de Maria Lúcia”, composição do alagoano Ítallo França, é um dos momentos mais íntimos da obra e conquista pela delicadeza da versão de Ibarra.
“Transe” foi a primeira faixa divulgada, é a segunda composição inteiramente do fluminense e um dos pontos mais latos do disco. A faixa vai se transmutando na medida em que vai avançando e descrevendo os resquícios de um relacionamento conturbado enquanto cresce, ganha camadas e toma direções inesperadas com o luxuoso arranjo de coradas de Jaques Morelenbaum.
“Morena” é uma composição inédita de Tom Veloso, que evoca os tempos de Dônica, antiga banda dos dois parceiros e aponta para o Clube da Esquina. “Essa Confusão”, parceria de Zé Ibarra com Dora Morelenbaum, foi gravada primeiro para o disco da colega de Bala Desejo e agora ganha uma nova versão, igualmente interessante, trazendo o ponto de vista do cantor. O álbum encerra com a não convencional “Hexagrama 28”, gravação inédita de uma música de Sophia Chablau que só havia sido cantada ao vivo em shows.
Em “Afim”, Zé Ibarra, perverte a imagem que havia sido construída sobre si mesmo por conta de seus trabalhos anteriores. Ele apresenta um álbum que, ao mesmo tempo em que mantém suas raízes nos clássicos da mpb, se concentra em se conectar com os seus pares da sua geração e construir uma obra focada no presente e que abre espaço para mais experimentações no futuro.
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