O grande desafio das continuações, especialmente aquelas que seguem uma fórmula aparentemente simples, é sempre o mesmo: o que fazer para que o “mais e maior” não resulte em um produto mais raso ou desinteressante? Quando a franquia já começou com uma proposta que brinca com o clichê de heróis disfarçados de vilões, como foi o caso de “Os Caras Malvados”, a tentação é seguir o caminho do aumento na escala da ação e do humor, mas sem um respaldo criativo. Contudo, Os Caras Malvados 2 não apenas evita esse erro, como eleva a franquia ao abraçar o exagero com muito mais estilo e frescor. O que parecia uma premissa simples sobre uma gangue de animais criminosos disfarçados de bons moços se transforma em uma experiência muito mais rica, criativa e, até, psicodélica em alguns momentos.
Antes de mais nada, é impossível não destacar a aposta visual que o filme faz. Enquanto o primeiro longa brincava com algumas técnicas de animação aqui e ali, com referências discretas a rabiscos e ao 2D, a continuação parece ter escutado o chamado da sua própria proposta e finalmente se joga em um turbilhão de possibilidades estéticas. É como se a animação, com suas texturas chapadas, explosões de cores e efeitos inesperados, se tornasse a protagonista do filme.

Sem dúvida, Os Caras Malvados 2 encontra inspiração em sucessos recentes, como “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso”, ao brincar com várias técnicas de animação diferentes, criando uma atmosfera vibrante e imprevisível. A combinação de estilos que se complementam, como em uma pintura feita de quadrinhos, demonstra um cuidado minucioso dos diretores Pierre Perifel e JP Sans e da equipe criativa da DreamWorks. A cada novo movimento, a animação surpreende, deixando a sensação de que o próprio estilo visual não apenas compensa a simplicidade da trama, mas amplifica sua proposta.
Mas o que realmente se destaca, além dessa profusão de cores e técnicas, é a ousadia narrativa. A trama, em si, não inova muito em relação ao primeiro filme: os protagonistas, uma gangue de animais perigosos liderada pelo Lobo, se veem mais uma vez encurralados entre a vida do crime e as regras da lei. A diferença aqui, porém, está em como esse dilema é abordado. A narrativa, desta vez, não se arrasta em questões existenciais e dilemas morais. Ela é uma verdadeira montanha-russa de ação, com reviravoltas e cenas intensas que buscam mais o entretenimento do que o questionamento. Não se trata de um filme de grande profundidade filosófica, mas de um espetáculo visual e narrativo, repleto de surpresas.
E essas surpresas vêm embaladas em um roteiro de Yoni Brenner, Etan Cohen Etan Cohen – sim, ele mesmo! – e Aaron Blabley que se mantém focado em um ritmo acelerado e em humor sacana, mas sempre com um olhar atento para as dinâmicas de personagens. O quinteto de vilões que, no primeiro filme, eram figuras caricatas de uma gangue de anti-heróis, agora se vê desafiado a evoluir e a mudar suas formas de pensar, mesmo que por conveniência.
A dinâmica entre eles, com Lobo, Cobra, Tubarão, Piranha e Tarântula, faz com que a proposta central do filme se solidifique, a mudança de comportamento de um grupo, mas não por uma transformação moral, e sim por um capricho do destino e das circunstâncias. O caminho que se segue, marcado por trapalhadas e escapadas improváveis, é engraçado e envolve o público pela identificação com personagens que, apesar de se desviarem da lei, têm um charme irresistível.

A direção de arte, também assinada por Perifel e Sans, reflete essa mudança de tom. Há uma sensação de que, no primeiro filme, a obra tentava ser algo mais contida e, de certa forma, conservadora em relação à animação. Aqui, a ousadia e a criatividade são a tônica. A sequência do terceiro ato, em gravidade zero, por exemplo, não se limita a uma simples cena de ação; ela se torna uma experiência psicodélica, onde as leis da física parecem ser só uma sugestão. Se no primeiro filme a animação parecia ser uma ferramenta usada com parcimônia, agora ela é um instrumento de pura expressão artística.
A montagem, feita por uma equipe competente, é outro ponto forte. Ela segue a mesma lógica acelerada do roteiro, com cortes rápidos e transições inesperadas, que tornam cada cena uma espécie de punchline visual. A edição favorece um ritmo frenético que, paradoxalmente, não sacrifica a clareza dos eventos. Em vez disso, ela amplifica o fator surpresa, ao deixar sempre uma sensação de que algo novo está prestes a acontecer – o que é, por si só, um convite ao público para não desgrudar os olhos da tela. Cada explosão, cada reviravolta na trama, é embalado por uma edição que permite que a ação se desenvolva de maneira fluida e visualmente coesa.

No aspecto sonoro, a trilha sonora e os efeitos também acompanham o tom exagerado da animação. O uso de sons vibrantes, quase caricaturais, entra em sintonia com o visual psicodélico de algumas cenas, tornando-as ainda mais impactantes. E o humor, embora não dependa de piadas forçadas, encontra seu espaço nas interações dos personagens. O destaque vai para o uso de frases rápidas e um timing perfeito nas entregas de Sam Rockwell (Lobo), Marc Maron (Cobra) e Awkwafina (Piranha), cujas vozes acabam se tornando tão essenciais quanto a própria animação, carregando o filme com um carisma que é impossível ignorar.
Ao falarmos da questão do “mais e maior” que, como um fantasma, assombra tantas sequências, é importante ressaltar que Os Caras Malvados 2 sabe exatamente onde se expandir. Ele não força a barra em momentos de grande ação ou humor rasteiro. Ao invés disso, ele se dedica a explorar e a aproveitar o estilo visual, os personagens e as situações de forma que, ao fim, a trama se fecha de maneira natural. O filme nos deixa não com a sensação de uma história contada, mas com a de um espetáculo que se desenrolou diante de nossos olhos e que, por um breve momento, fez até mesmo os “maus” parecerem bons.
Assim, ao longo de toda a projeção, fica claro – pelo menos para quem vos escreve – que a continuação não apenas superou os obstáculos da comparação com seu antecessor, mas se mostrou uma obra mais madura e bem resolvida. Em uma indústria onde, muitas vezes, o “mais e maior” é sinônimo de excessos sem substância, Os Caras Malvados 2 aposta no equilíbrio entre inovação e familiaridade, conseguindo se destacar pela vivacidade que os grandes filmes de animação merecem.
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