Crítica | Anônimo 2: Entre John Wick e Férias Frustradas
Universal Pictures/Divulgação

Crítica | Anônimo 2: Entre John Wick e Férias Frustradas

Quando surgiu em 2021, “Anônimo” carregava uma aura curiosa: parecia apenas mais um filme tentando surfar na onda deixada pela franquia “John Wick”, mas com a vantagem do frescor do inusitado. Ver Bob Odenkirk, até então celebrado pelo humor e pela densidade dramática em “Better Call Saul”, se jogando em um universo de pancadaria e violência coreografada, soava quase como uma provocação. O efeito surpresa transformou aquele longa em uma boa surpresa, um parente suburbano dos blockbusters de ação estilizados, que funcionava tanto pelo carisma do ator quanto pela simplicidade de sua trama. Agora, em Anônimo 2, o desafio era outro: como manter o interesse sem depender desse fator de novidade?

O resultado, para o bem ou para o mal, parece cruzar dois territórios improváveis, de um lado, continua ecoando John Wick na coreografia dos golpes, na estética do corpo que apanha e levanta, na insistência em transformar cada objeto cotidiano em uma possível arma; de outro, abraça o absurdo de uma comédia de férias em família, lembrando as trapalhadas de “Férias Frustradas”, só que embaladas em rajadas de tiros e facadas. É nesse cruzamento improvável que o filme encontra tanto sua personalidade quanto suas maiores contradições. Afinal, será possível equilibrar ultraviolência estilizada com uma premissa que coloca esposa, filhos e até o avô dentro de um parque caótico como cenário de emboscadas?

A direção de Timo Tjahjanto tenta responder a essa pergunta com energia. Responsável belo ótimo “A Noite nos Persegue”, o cineasta indonésio tem pleno domínio da ação física. Sua câmera é inquieta, quase sempre grudada no corpo dos personagens, acompanhando cada chute, cada giro, cada golpe que se desdobra em sequência. O resultado é um filme mais acrobático e menos sisudo que o anterior, com um ritmo que parece dançar entre o impacto seco dos socos e a fluidez de um balé agressivo. Há momentos em que a fotografia se deixa sujar, com sangue respingando, corpos caindo e a iluminação se tornando mais expressionista, quase teatral, para reforçar o exagero. Ainda assim, há uma estranha artificialidade em parte da violência, nem todos os efeitos de impacto convencem, e certas lutas soam mecânicas, como se coreografadas demais para transmitir real perigo.

Crítica | Anônimo 2: Entre John Wick e Férias Frustradas
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O problema central, no entanto, está no roteiro. Ao colocar Hutch (Odenkirk) em viagem com sua família, a narrativa parecia ter em mãos uma oportunidade valiosa em explorar a tensão entre o pai de família que tenta proteger os seus e o assassino adormecido que não consegue evitar entrar em ação. Só que, em vez de transformar essa dualidade em motor da trama, o filme prefere afastar os familiares para segundo plano. Eles se tornam mais uma justificativa do que uma presença real, aparecendo como figurantes em um jogo que, ironicamente, deveria ser sobre eles também. O contraste entre os cupons de parque aquático e as balas perdidas até poderia render uma sátira inteligente, mas acaba se resolvendo de forma rasa, como se a família fosse apenas obstáculo para o espetáculo da carnificina.

Ainda assim, é inegável que Odenkirk se entrega novamente. Seu Hutch não tem o corpo escultural dos heróis clássicos, nem a frieza impenetrável de Keanu Reeves; ele sangra, se desequilibra, perde um pedaço de dedo e continua em frente. Essa vulnerabilidade é o que ainda mantém o personagem interessante. O espectador pode enxergar nele um homem comum que insiste em lutar contra inimigos maiores, ainda que por vezes o exagero da encenação tire a credibilidade desse esforço. Há também o prazer quase infantil de vê-lo improvisar armas e reagir com instinto, algo que o diretor sabe valorizar ao estender o tempo em determinados momentos, como se a adrenalina do personagem contaminasse o próprio ritmo da cena.

O elenco de apoio cumpre seu papel com diferentes graus de sucesso. Sharon Stone surge como uma vilã espalhafatosa, abraçando o exagero do texto com uma performance quase cômica, enquanto Colin Hanks encarna o tipo de capanga desprezível que não exige nuance, apenas presença. RZA e Christopher Lloyd aparecem em breves participações que soam como piscadelas para os fãs, reforçando a ideia de que esse é um filme para se divertir com as camadas de referências. O problema, contudo, é que a introdução tardia de uma antagonista principal deixa a narrativa desequilibrada: ao surgir a menos de uma hora do fim, a personagem não tem tempo de ser construída, e suas falas soam como clichês reciclados de manuais de vilania.

Crítica | Anônimo 2: Entre John Wick e Férias Frustradas
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Do ponto de vista técnico, a montagem tem méritos e falhas. O ritmo frenético favorece a imersão, especialmente nas lutas corpo a corpo, mas há cortes que diluem a intensidade, como se a necessidade de esconder falhas de execução falasse mais alto que a clareza do movimento. A trilha sonora tenta compensar, alternando batidas eletrônicas com silêncios abruptos que amplificam a expectativa antes de um golpe mais forte. Em alguns momentos, essa combinação funciona; em outros, parece mais um esforço artificial para criar impacto.

Anônimo 2 acaba sendo um filme que se assume como entretenimento descartável. Ele não tem a mesma energia da surpresa original, tampouco a sofisticação de outros exemplares recentes do gênero. O que sobra é uma experiência que mistura violência estilizada com um tom de comédia involuntária, ora divertida, ora cansativa. Funciona como passatempo, sobretudo para quem gosta de ver corpos sendo arremessados, ossos quebrando e personagens zombando do perigo, mas dificilmente deixará marca além da sessão.

Se o primeiro Anônimo já nascia como derivado de John Wick, mas ao menos tinha o mérito de nos surpreender ao colocar Odenkirk nesse papel improvável. Agora, ao misturar tiroteios com férias em família, Anônimo 2 parece encontrar no cruzamento entre John Wick e Férias Frustradas tanto sua identidade quanto seu limite. Se o passeio foi divertido para alguns, para outros pode soar apenas como um destino redundante. No fundo, a viagem de Hutch e sua família termina exatamente onde começou: em um filme que tenta justificar sua existência sem nunca realmente precisar existir.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.