A fantasia, no cinema, sempre teve a habilidade de colocar uma lente mágica sobre as relações humanas. Em Faz de Conta Que é Paris, o diretor Leonardo Pieraccioni tenta mais uma vez equilibrar esse encantamento leve com a simplicidade cotidiana, construindo um filme que, embora pretenda ser uma homenagem ao perdão familiar e à imaginação como combustível da vida, acaba estacionando em fórmulas já muito gastas e com pouco a dizer de novo.
Inspirado por uma história real e dirigido, roteirizado, produzido e protagonizado pelo próprio Pieraccioni, o longa começa com uma premissa doce: um pai doente deseja realizar o antigo sonho de visitar Paris ao lado dos filhos, que não se veem há anos. Acontece que, devido ao seu estado delicado de saúde, os filhos decidem forjar a viagem. O que poderia ser um ponto de partida poderoso para discussões emocionais, conflitos não resolvidos e reconexões verdadeiras, acaba se tornando um cenário de comédia inocente, com piadas previsíveis e personagens que, mesmo simpáticos, são reféns dos próprios estereótipos.
A construção narrativa do longa aposta em uma estrutura clássica de road movie, mas invertida: ninguém realmente vai a lugar algum. A estrada, aqui, é psicológica. O trio de irmãos – cada um com seu temperamento exageradamente definido – volta ao convívio familiar por necessidade, não por desejo. Há uma tentativa clara de transitar entre o cômico e o dramático, algo que cineastas como Peter Weir em “O Show de Truman” ou Wolfgang Becker em “Adeus, Lênin!” fizeram com sucesso, mas que aqui soa apenas como um aceno estético, sem a mesma sensibilidade para tornar esse equilíbrio eficaz.
A montagem do filme reforça essa sensação de superficialidade. As transições são rápidas demais, sem permitir que os momentos dramáticos respirem. A pressa do roteiro – talvez para manter o ritmo leve – sabota a chance de aprofundamento emocional. Os conflitos se resolvem fácil, as revelações surgem sem muito impacto e o espectador percebe que, apesar da viagem emocional proposta, o filme não quer arriscar nenhum desvio. Ele prefere o caminho mais curto.
Visualmente, a fotografia aposta em cores quentes e cenários ensolarados, mesmo nos momentos mais introspectivos, criando um contraste que poderia sugerir uma ironia interessante, mas que, na prática, apenas dilui qualquer peso dramático. Os cenários – em sua maioria recriados em estúdio – reforçam o caráter artificial da “Paris” do título, o que é compreensível dentro da proposta da farsa, mas acaba também colaborando para o afastamento emocional do público. A escolha de manter tudo iluminado, sem nuances visuais que marquem as viradas da história, torna a estética visual funcional, mas pouco expressiva.
No elenco, Nino Frassica entrega um dos personagens mais convincentes do filme. Seu professor Arnaldo é ranzinza e cínico na medida certa, mas também carrega nas entrelinhas uma ternura que salva algumas das cenas mais rasas. Chiara Francini, como Giovanna, é carismática, mas exagera no tom em certos momentos, o que enfraquece a humanização da personagem. Já Giulia Bevilacqua, na pele da irmã mais ambiciosa, encontra equilíbrio em uma atuação mais contida e revela, com poucos gestos, as fraturas internas de sua personagem. O próprio Pieraccioni, interpretando o irmão mais pragmático, funciona bem como âncora do grupo, mas não oferece nenhuma surpresa – como diretor e ator, mantém-se em uma zona de conforto que limita as possibilidades da história.
O humor do filme, que é vendido como marca registrada de Pieraccioni, oscila entre o espirituoso e o tolo. Em alguns momentos, as piadas arrancam sorrisos sinceros, especialmente quando baseadas em situações do cotidiano italiano. Em outros, escorregam para o pastelão ou simplesmente soam datadas. As falas, mesmo as mais significativas, parecem ensaiadas demais para que tenham peso. Há, sim, momentos encantadores e diálogos tocantes, mas eles são raros e logo atropelados pela próxima piada.
Apesar disso, o filme tem coração. E essa talvez seja sua maior virtude. A relação entre pai e filhos, mesmo tratada de forma superficial, guarda uma mensagem universal e sincera sobre reconciliação e tempo perdido.
Faz de Conta Que é Paris deixa a sensação de que vimos um rascunho simpático de algo que poderia ter sido muito mais potente. A ausência de riscos, tanto na direção quanto no desenvolvimento dos personagens, impede que o filme alcance algo verdadeiramente marcante. Há uma boa ideia no centro da história, mas ela é envolta por uma execução segura demais, quase preguiçosa.
Portanto, o longa funciona como aquela viagem de domingo feita só até a esquina, mas em que se fala o tempo inteiro sobre como seria bom ir até Paris de verdade. Uma comédia sobre família, memória e fantasias, que, ao invés de embarcar na jornada de forma profunda, prefere olhar a paisagem pela janela e imaginar como seria se tivesse ido mais longe.
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