Metamorfose e queda. Esses parecem ser os motores de Alien: Earth em seu sexto episódio, “Voe”, talvez o mais perturbador e direto da temporada até aqui. Depois do respiro contextual em “Neverland”, que explorou as origens da queda da nave Maginot e a natureza híbrida das crianças de Boy Kavalier (Samuel Blenkin), agora o roteiro decide acelerar o ritmo, e o faz de forma cruel; cada decisão, cada deslize, cada silêncio se torna combustível para a espiral de desastre que se instala na ilha. O episódio é, acima de tudo, uma constatação de que nada pode permanecer contido em um ambiente onde a ganância humana e a imprevisibilidade alienígena coexistem.
A narrativa começa colocando novamente o espectador dentro do espaço controlado de Neverland, mas esse “controle” já está se desfazendo desde o instante em que Kavalier deixa o território por algumas horas. O bilionário, tão arrogante quanto inconsequente, acredita estar sempre no comando, mas sua ausência revela o oposto: a estrutura que ergueu não passa de um castelo de cartas, e basta um sopro para que tudo desabe. Nesse sentido, ‘Voe’ trabalha como uma espécie de espelho do criador: ao mesmo tempo em que Kavalier acredita controlar as rédeas, sua própria criação o desmente.
Enquanto isso, Kirsh (Timothy Olyphant), o sintético de Prodigy, se coloca como um observador frio. Ele acompanha o caos que começa a se espalhar pela ilha sem intervir, como se cada movimento fosse parte de um grande experimento científico. Essa postura é inquietante porque ecoa a própria lógica da franquia Alien: a linha entre destino e causa-efeito nunca é clara. Kirsh enxerga no desenrolar da catástrofe não um erro a ser corrigido, mas um dado a ser analisado. Ao deixar o xenomorfo agir, ele reforça que a ciência e a obsessão pela evolução são tão destrutivas quanto a arrogância humana.
Os híbridos, que já vinham mostrando sinais de desgaste emocional e físico, tornam-se peças centrais na engrenagem da tragédia. Slightly (Adarsh Gourav), pressionado por chantagens de Morrow (Babou Ceesay), é forçado a trair aqueles que o ajudaram, entregando Arthur Sylvia (David Rysdahl) para a morte. O cientista, já fragilizado por se recusar a apagar as memórias de Nibs (Lily Newmark), acaba sendo devorado após ser trancado com um face-hugger. Sua saída abrupta não é apenas mais um choque visual, mas um lembrete cruel de que qualquer resistência moral em Neverland é rapidamente esmagada pela lógica de poder.
O destino de Arthur ganha ainda mais peso pelo contraste com sua trajetória, interpretado por Rysdahl, ator reconhecido por papéis de figuras frágeis e bem-intencionadas, sua presença trazia uma humanidade rara em meio ao cinismo. Vê-lo eliminado dessa maneira reforça como Alien: Earth não tem espaço para inocência. A série, ao contrário, insiste em devorar qualquer lampejo de bondade tão rápido quanto suas criaturas consomem carne.

O mesmo vale para Tootles (Kit Young), cuja morte grotesca já havia marcado o episódio anterior, mas que aqui encontra desdobramentos. Sua ligação com os insetos que destroem tecnologia serve de peça-chave para demonstrar como a ilha se tornou um ecossistema onde cada elemento, humano ou alienígena, só pode sobreviver à custa do próximo. Nada é aleatório: tudo faz parte de uma corrente em que o erro de um abre espaço para a tragédia de outro.
Nesse ponto, ‘Voe’ costura bem os destinos individuais com o colapso coletivo. Nibs, traumatizada, tem suas memórias apagadas por Dame Sylvia (Essie Davis), mas a manipulação não traz cura – apenas aumenta o sentimento de vazio. Sua instabilidade funciona como um catalisador para que Wendy (Sydney Chandler), agora retomando a identidade de Marcy, questione abertamente o projeto de Kavalier. O vínculo de Marcy com os xenomorfos é o que move o episódio para além do gore: ela se identifica com as criaturas aprisionadas, vê nelas o reflexo de sua própria condição. São corpos fabricados, moldados por adultos que se dizem protetores, mas que na prática não passam de carcereiros.
Essa conexão entre Wendy/Marcy e os monstros é a verdadeira metamorfose do episódio. Mais do que transformar insetos em homens ou homens em máquinas, Alien: Earth mostra que a fronteira entre humano e inumano é definida pela crueldade de quem detém o poder. Quando Marcy desafia a lógica do laboratório, ela não está apenas rompendo com Kavalier, mas também com a própria ideia de humanidade que lhe foi imposta. É nesse ponto que sua empatia deixa de ser fragilidade e passa a ser a única arma capaz de confrontar o ciclo de destruição.
Do lado de fora, a breve negociação entre Kavalier e Ms. Yutani (Sandra Yi Sencindiver) funciona como contraponto: dois impérios que tratam leis, vidas e organismos alienígenas apenas como peças de mercado. O discurso da “quarentena” soa hipócrita quando ambos enxergam nos espécimes apenas lucro. O diálogo, embora curto, amplia o horizonte da série, lembrando ao público que o laboratório em Neverland é apenas uma amostra de como interesses corporativos moldam todo o universo da narrativa.

Com isso, o episódio encontra um equilíbrio; ao mesmo tempo em que acelera o colapso, também prepara terreno para o futuro. A revelação de que Hermit (Alex Lawther) agora tem acesso aos códigos do barco abre uma brecha de fuga, mas não garante redenção. Como a série insiste em mostrar, em Alien: Earth nenhuma rota de saída é simples. Mesmo quando há esperança, ela vem contaminada por riscos e dilemas.
Voe se encerra deixando clara a vocação da série: construir tragédias em cadeia, onde cada gesto humano – arrogância, silêncio, ou até empatia – gera consequências que alimentam a própria destruição. É uma engrenagem cruel, mas eficaz, e aqui ela funciona com precisão. O episódio se consolida como um dos mais densos e implacáveis da temporada, menos preocupado em oferecer alívio e mais interessado em plantar dúvidas.

Resta ao espectador perguntar: até que ponto Wendy realmente pode salvar algo? Sua empatia será a chave para interromper o ciclo ou apenas mais uma peça a ser triturada pela lógica corporativa e pelas mandíbulas alienígenas? Alien: Earth parece pouco interessado em responder de imediato. O que oferece é um convite ao desconforto, a encarar de frente a fragilidade das estruturas que acreditamos sólidas. Um laboratório futurista, uma corporação milionária, um bilionário que se acha gênio – nada disso é suficiente para conter o caos. E como todo bom episódio da franquia, ‘Voe’ lembra que, em última instância, a catástrofe nunca é apenas culpa dos monstros.
Alien: Earth ganha novos episódios da série, às terças, exclusivamente, na Disney+.
Leia sobre os episódios anteriores:
- Primeiras Impressões | Alien: Earth começa querendo estabelecer um novo espaço dentro do universo
- Crítica | Alien: Earth 1×3 – Metamorfose segue expandindo, mas tropeça nos protagonistas
- Crítica | Alien: Earth 1×4 – O olhar perturbador de ‘Observação’
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