Urias em Carranca
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Crítica | Urias apresenta seu álbum mais maduro e versátil em ‘Carranca’

Desde o início da carreira Urias deixa claro que não está comprometida com um determinado seguimento musical, ou disposta a trilhar caminhos que pareçam obvieis. Se na estreia com “Fúria” (2022) ela fez experimentações entre o pop e o indie; na sequência com “Her Mind” (2023) ela mergulha nos segmentos da música eletrônica; agora, a artista mineira apresenta seu álbum mais ousado e maduro, “Carranca”.

Ao longo de 14 faixas, o disco se desdobra entre diferentes gêneros, mesclando a bagagem adquirida dos trabalhos anteriores com novas possibilidades. Aqui, o rap, o r&b, o funk, o soul e referências da mpb se sobressaem em uma combinação que consegue sempre manter a coesão e o equilíbrio e ainda não deixa de ser pop e dialogar com toda a trajetória de Urias e a parceria com os produtores Rodrigo Gorky e Maffalda.

Toda essa sonoridade ganha ainda mais peso com a parte conceitual de “Carranca”. Urias faz do disco uma espécie de conto em que ela mergulha ainda mais fundo nas questões que envolvem gênero, raça e religião. O álbum inicia com um texto de apresentação sobre uma falsa liberdade recitado por Marcinha do Corintho que assume o papel de narradora no decorrer da obra que desde essa abertura já deixa claro que irá tocar em feridas dolorosas do Brasil, mas mantendo também uma caráter bastante íntimo.

Em seguida vem “Deus” faixa que conta com a participação de Criolo e foi a primeira a ser divulgada, surpreendendo tanto pelo ritmo que já dá um gosto de novidade, reinterpretando “Soca Pilão”, canção folclórica cantada por Inezita Barroso em 1954; e a letra afiada que deixa explícita a hipocrisia das Igrejas cristãs e o apagamento das religiões indígenas e africanas.

“Quando A Fonte Secar” traz uma combinação de Soul, r&b e samba com uma crítica a exploração do talento e criatividade de artistas negros. “Venus Noir” parece ser uma das composições mais íntimas da obra, um rap que versa sobre os conflitos da relação com a fama. “Vontade de Voar” resgata a obra do cearense Ednardo através de um sample em uma canção que fala sobre manter a esperança de alcançar a liberdade mesmo nadando contra a corrente.

“Etiópia” apresenta a ancestralidade e o resgate das origens na África como um caminho para alcançar liberdade real. Aqui as referências da soul music aparecem ainda mais forte e desemboca em “Águas De Um Mar Azul”, canção inédita de Hyldon que se destaca pelo arranjo e a bela interpretação de Urias. “Navegar” traz um momento de respiro e boas perspectivas de futuro após as batalhas.

“Herança” é uma faixa composta em parceria com Giovani Cidreira que também divide os vocais em um excelente dueto que ganha força pela combinação das vozes dos dois artistas. “Paciência” outro momento de densidade da obra com destaque para os versos poderosos de Don L, em mais uma excelente colaboração. O disco encerra em alta com “Voz do Brasil” música composta por um sample do clássico “O Guarani “ de Carlos Gomes, usado para fazer uma crítica a estereótipos da imagem do Brasil e dos Brasileiros.

Em “Carranca” Urias apresenta seu álbum mais intimo, denso e que deixa claro o novo nível de maturidade e segurança que a artista alcança no atual momento da sua carreira. Com uma atmosfera densa e ao mesmo tempo diversa em ritmos e referências, mantendo a linguagem pop, a cantora discute a busca pela liberdade mantendo a poética e a riqueza lírica, além de se desdobrar em diferentes gêneros com habilidade.

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