A primeira parte do Ghibli Fest 2025 estreia esta semana. Anunciado pela Sato Company, o festival celebra 40 anos do Studio Ghibli, responsável por algumas das maiores obras-primas da animação mundial. Ao todo, 14 filmes serão exibidos em diversas cidades brasileiras a partir de setembro, oferecendo ao público a chance de rever as histórias inesquecíveis na tela grande.
E nada mais justo do que começar essa jornada com A Viagem de Chihiro (2001), um dos títulos mais icônicos do estúdio e vencedor do Oscar de Melhor Filme de Animação em 2003. Para aquecer o clima do festival, reunimos 20 curiosidades sobre o longa que você, provavelmente, não sabia. Confira:
Animação ganhou o Oscar, mas Miyazaki não participou da premiação

Em 2003, A Viagem de Chihiro conquistou o Oscar de Melhor Filme de Animação, tornando-se a primeira produção em anime a receber a estatueta. No entanto, Hayao Miyazaki não compareceu à cerimônia.
Em entrevista ao The Japan Times, o diretor explicou que não conseguiria comemorar plenamente o prêmio diante da guerra no Iraque, iniciada pelos Estados Unidos naquele período. “É lamentável não poder me alegrar de coração com o prêmio por conta dos acontecimentos profundamente tristes no mundo”, declarou.
É o terceiro filme de maior bilheteria do Japão e superou a Pixar na China

A Viagem de Chihiro não apenas entrou para a história como uma das animações mais aclamadas, mas também se tornou um fenômeno de bilheteria. Com arrecadação de 31,68 bilhões de ienes, manteve por quase duas décadas o posto de segunda maior bilheteria do Japão, atrás de “Demon Slayer: Mugen Train“. Hoje, ocupa a terceira posição após ser superado por “Demon Slayer: Infinity Castle“.
O impacto da produção nas bilheterias não se limitou somente ao Japão. Em 2019, uma reexibição especial na China coincidiu com a estreia de “Toy Story 4” e superou a animação da Pixar em mais de 3 milhões de dólares.
Miyazaki anunciou aposentadoria antes de dirigir a animação

Em 1999, dois anos antes da estreia de A Viagem de Chihiro, Miyazaki anunciou sua aposentadoria. Porém, como relatou o cineasta em entrevista a Roger Ebert, abandonar a direção não foi simples: “Queria fazer um filme especialmente para as filhas dos meus amigos. Abri todas as gavetas da mente e estavam vazias. Então entendi que precisava fazer um filme para crianças de 10 anos, e A Viagem de Chihiro nasceu como resposta”, explicou o diretor.
O filme foi criado sem roteiro definido

Miyazaki raramente inicia um filme com roteiro pronto. Em entrevista ao Midnight Eye, o diretor admitiu não possuir a narrativa fechada no começo das filmagens: “Não tenho a história pronta e finalizada quando começamos a trabalhar em um filme. Geralmente não tenho tempo.”
Segundo o cineasta, a produção começa logo após o início do storyboard, com detalhes da trama surgindo junto aos desenhos. Assim, a equipe inteira trabalha sem saber ao certo o rumo final da animação: “Nunca sabemos para onde a história vai, mas continuamos trabalhando no filme à medida que ele se desenvolve.”
Chihiro nasceu da observação de crianças de 10 anos

Chihiro é considerada uma das personagens femininas mais marcantes do Studio Ghibli, e a construção da jovem nasceu da observação atenta de Miyazaki.
O diretor se inspirou na filha de um amigo e nas colegas da menina para moldar a personalidade da protagonista. “Era necessário ter uma heroína que fosse uma garota comum, não alguém que pudesse voar ou fazer algo impossível. Apenas uma garota que você pode encontrar em qualquer lugar do Japão”, contou o cineasta ao Midnight Eye.
Após cada detalhe escrito ou desenhado sobre Chihiro e suas ações, Miyazaki se questionava se a filha de seu amigo e suas colegas agiriam daquela maneira.
Quase todas as cenas foram criadas manualmente

Apesar da animação digital dominar a indústria, Miyazaki insistiu em continuar com a tradição do desenho à mão. Embora pequenas partes do filme tenham sido produzidas com CGI, quase todos os cenários, personagens e elementos de primeiro plano em A Viagem de Chihiro foram pintados e desenhados manualmente, com mínima intervenção digital.
Como contou Toshio Suzuki, produtor de Miyazaki, ao The New Yorker, o diretor resistia à adoção de novas tecnologias da mesma forma que Akira Kurosawa resistiu à transição para o colorido.
“Quando o cinema mudo deu lugar ao falado, Chaplin foi quem mais resistiu. Quando o preto e branco deu lugar ao colorido, Kurosawa foi quem mais resistiu. Miyazaki sente que deveria ser ele quem mais resistisse quando se trata de animação digital”, revelou Suzuki.
A importância dos momentos de silêncio e contemplação

Em A Viagem de Chihiro, várias cenas valorizam a quietude: Chihiro observa o oceano em silêncio ou a grama se move suavemente com o vento. Marca registrada do Studio Ghibli, esses momentos de pausa, conhecidos no Japão como ma (“vazio”), são inseridos intencionalmente na narrativa.
Em entrevista a Roger Ebert, Miyazaki explicou a importância das pausas: manter ação contínua sem respiro gera movimentação vazia. Dar espaço à contemplação permite que a tensão narrativa se amplie e se torne mais impactante, evitando a dessensibilização do público.
Animação de Haku foi baseada em movimentos de animais

Para dar vida a Haku, Miyazaki usou movimentos de animais como referência. Ao escalar paredes, o dragão segue o jeito de uma lagartixa, ao cair no chão, uma cobra e ao ser alimentado por Chihiro, a boca imita a de um cachorro. Como nenhum animador tinha um cão, Miyazaki levou a equipe a uma clínica veterinária para filmar a mandíbula de um golden retriever.
O Mundo Espiritual foi inspirado em um museu de Tóquio

O mundo dos espíritos em A Viagem de Chihiro foi inspirado em uma experiência de Miyazaki em Tóquio. Em entrevista ao The New Yorker, o cineasta contou que durante uma visita ao Museu ao Ar Livre de Arquitetura Edo-Tokyo encontrou construções inteiras, incluindo casas de banho e edifícios históricos, trazidas de seus locais originais e reconstruídas no museu. Os cenários ajudaram o cineasta a criar os ambientes presentes no filme.
O simbolismo por trás dos pais se transformando em porcos

No início do filme, os pais de Chihiro não hesitam em devorar as refeições encontradas, transformando-se em porcos. A cena carrega forte simbolismo social e não foi inserida por acaso.
Em resposta a uma carta de um fã, o Studio Ghibli explicou que o episódio não é apenas um recurso narrativo, mas um comentário sobre o Japão pós-bolha econômica dos anos 1980. A transformação retrata o comportamento consumista da época, marcado por excesso, ganância e perda de identidade.
Referências ao xintoísmo

O xintoísmo, doutrina japonesa centrada na veneração de espíritos da natureza, influenciou fortemente A Viagem de Chihiro. Assim como em “Princesa Mononoke“, o público se depara com conceitos centrais da fé, incluindo a existência de um mundo espiritual e a importância da pureza.
Influências de diferentes folclores na criação de Yubaba

Miyazaki costuma se inspirar em diversas culturas para criar seus personagens. Yubaba, a bruxa de A Viagem de Chihiro, apresenta características de figuras míticas de diversas culturas. A personalidade autoritária e aparência marcante da vilã lembram a Baba Yaga, personagem do folclore eslavo conhecida por devorar crianças que não cumprem suas tarefas.
Além disso, a relação de Yubaba com sua irmã gêmea Zeniba ecoa lendas eslavas que retratam irmãs com poderes contrastantes. No entanto, Yubaba também é inspirada em figuras do folclore japonês, como Yamauba, uma bruxa montanhosa que devora humanos, e Onibaba, uma mulher demoníaca.
O “Sem-Rosto” como reflexo da sociedade

Em A Viagem de Chihiro, o Sem-Rosto, conhecido como Kaonashi, vai além de um espírito fantasmagórico. Ele reflete determinados comportamentos humanos na sociedade.
Em entrevista ao programa japonês Kinyo Roadshow, realizada em 2024, Miyazaki explicou: “Existem muitas pessoas como o Sem-Rosto entre nós. São indivíduos que se agarram aos outros, mas não possuem senso de si mesmos. Estão por toda parte.”
A falta de identidade própria se manifesta na capacidade de absorver características de pessoas e ambientes próximos, simbolizando a busca constante por aceitação e a tendência de se moldar aos outros. A transparência do personagem ressalta esse vazio interno, mostrando como ele adota comportamentos sem autonomia ou autenticidade.
Os nomes dos personagens possuem significados distintos

Cada nome em A Viagem de Chihiro carrega um significado. Os espíritos de fuligem na sala das caldeiras chamam-se susuwatari, traduzido como “fuligem errante”. Kamaji, responsável pelas caldeiras, significa “cara da caldeira”. Yubaba recebe o título de “bruxa da casa de banhos”, enquanto Zeniba significa “bruxa do dinheiro”. Até Chihiro possui um significado especial: o nome completo traduz-se como “mil buscas”, abreviado para Sen, que representa “mil”.
A cena do espírito fedorento foi baseada na própria experiência de Miyazaki

Em uma das cenas marcantes de A Viagem de Chihiro, um espírito fedorento chega à casa de banhos em busca de limpeza. Chihiro percebe um guidão de bicicleta preso à criatura e, com ajuda de Lin e dos funcionários, puxa o objeto, revelando a verdadeira identidade do personagem.
A inspiração veio de uma experiência real na vida de Miyazaki. “Certa vez, limpei um rio. E realmente tinha uma bicicleta. Ela ficou presa. Dez de nós enrolamos uma corda e a puxamos lentamente. Realmente limpamos o rio, e os peixes voltaram. E é por isso que adicionei a cena”, contou o diretor no conteúdo promocional do longa.
Os dubladores usaram técnicas curiosas na gravação

Os dubladores de A Viagem de Chihiro utilizaram técnicas incomuns para captar sons realistas. Yasuko Sawaguchi, intérprete da mãe de Chihiro na versão japonesa, chegou a comer frango frito durante a gravação das cenas no restaurante para reproduzir a mastigação de forma autêntica.
A música de encerramento foi escrita para outro filme

A canção Always With Me, interpretada por Yumi Kimura, encerra A Viagem de Chihiro. Originalmente, a música havia sido composta para o projeto abandonado do Studio Ghibli “Rin, o Pintor da Chaminé“. Com a rejeição do filme, Miyazaki decidiu reaproveitar a faixa nos créditos finais de A Viagem de Chihiro.
É possível visitar o cenário da animação

Embora Miyazaki nunca tenha confirmado, fãs de A Viagem de Chihiro associam os cenários da animação à cidade de Jiufen, em Taiwan. A tradicional casa de chá A-Mei Tea House aparece frequentemente como referência à casa de banhos do filme. As ruas estreitas, a arquitetura e a atmosfera única do vilarejo também lembram o mundo espiritual retratado no longa.
Pixar se inspira na animação e em outras obras do Studio Ghibli

A Pixar reconhece a influência de obras do Studio Ghibli na própria criação. John Lasseter, antigo diretor criativo do estúdio, confessou ao The Hollywood Reporter recomendar aos animadores assistirem filmes do Studio Ghibli quando buscam novas ideias: “Quando ficamos sem inspiração na Pixar ou na Disney, coloco uma ou duas cenas de um filme do Miyazaki, só para nos inspirar novamente.”
Diretor da Pixar garantiu fidelidade do filme nos EUA

Lasseter também teve papel fundamental ao trazer A Viagem de Chihiro para o público estadunidense, mantendo a essência do filme intacta. Insatisfeito com traduções anteriores de filmes do Studio Ghibli nos Estados Unidos, o então diretor criativo da Disney Pixar assumiu a adaptação do longa, preservando a visão japonesa da obra original.
A amizade entre Lasseter e Miyazaki nasceu após visitas de animadores do Studio Ghibli à Disney nos anos 1980 e se fortaleceu quando Lasseter apresentou ao cineasta curtas como “Luxo Jr.” e “Red’s Dream“, impressionando Miyazaki. A primeira exibição do filme fora do Japão ocorreu nos estúdios da Pixar. O envolvimento do estúdio e de Lasseter foi decisivo para o sucesso global do filme.
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