Academia do Oscar se recusa a apoiar cineasta palestino agredido; votantes assinam carta de repúdio
Hazem Bader/AFP/Getty Images

Academia do Oscar se recusa a apoiar cineasta palestino agredido; Votantes assinam carta de repúdio

Declaração vaga da instituição gera revolta entre membros

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pelo Oscar, emitiu uma declaração ambígua sobre o ataque sofrido pelo cineasta palestino Hamdan Ballal, co-diretor do documentário vencedor do Oscar “Sem Chão”, sem mencioná-lo nominalmente ou condenar explicitamente a violência que fora sofrido. A postura da instituição gerou uma onda de críticas de votantes da premiação, que acusam a Academia de se omitir diante de um caso grave de agressão e sequestro.

O documentarista AJ Schnack (“Kurt Cobain: Retrato de uma Ausência”) foi um dos primeiros a se manifestar, enviando um e-mail contundente ao CEO Bill Kramer e à presidente Janet Yang. Outros cineastas premiados, como Jehane Noujaim (“A Praça Tahrir”) e Rachel Leah Jones (Advocate), também expressaram indignação, classificando a resposta da Academia como “covarde” e “equivocada”.

O ataque a Hamdan Ballal e a resposta evasiva da Academia

Na última segunda-feira (24), Hamdan Ballal, palestino co-diretor do documentário Sem Chão — vencedor do Oscar 2025 — foi agredido por colonos israelenses na vila de Susya, no sul da Cisjordânia. Segundo relatos do jornal israelense Haaretz, o cineasta foi atacado com pedras e paus, teve seu carro destruído e, após chamar uma ambulância, foi sequestrado por soldados israelenses e levado para uma prisão. Ele foi liberado no dia seguinte, mas o episódio levantou alertas sobre a perseguição a artistas palestinos.

Diante do ocorrido, a Academia divulgou um comunicado genérico, afirmando que “condena agressões ou sufocamento de artistas por seus trabalhos ou pontos de vista”, mas evitou mencionar Ballal ou o contexto político do ataque. A mensagem, assinada por Kramer e Yang, destacou a necessidade de “respeitar pontos de vista diferentes” dentro da organização, o que foi interpretado como uma tentativa de neutralidade em um caso claramente violento.

A declaração foi compartilhada nas redes sociais por Yuval Abraham, co-diretor de Sem Chão, e rapidamente viralizou, gerando reações acaloradas.

Votantes do Oscar detonam a postura da Academia

O silêncio seletivo da Academia não passou despercebido. AJ Schnack, documentarista e membro votante do Oscar, enviou uma carta aberta aos líderes da instituição, descrevendo a declaração como “verdadeiramente hedionda”.

É difícil expressar adequadamente minha decepção e raiva pela resposta enviada aos membros da Academia. Vocês estão sugerindo que o sequestro e espancamento de um premiado recente é algo sobre o qual os membros terão ‘muitos pontos de vista únicos’. Isso é inaceitável, escreveu Schnack.

A cineasta Jehane Noujaim respondeu ao post de Schnack dizendo: “Obrigado, AJ. Bravo. Escreverei uma carta também”. Já a produtora Ina Fichman (“O Caso dos Irmãos Napster”) sugeriu que o departamento de documentários da Academia se unisse em um protesto formal.

Rachel Leah Jones, diretora vencedora do Emmy por Advocate, foi ainda mais incisiva: “Essa resposta da Academia é errada. Não se trata de ‘pontos de vista únicos’, mas de certo e errado. É um aviso para os membros, especialmente os privilegiados, de que a instituição não os defenderá quando forem alvos de violência”.

Votantes brasileiros também se posiconam

O cenário de indignação seguiu entre os cineastas brasileiros, que assinaram uma carta com cerca de 600 membros que critica a Academia. Entre os brasileiros que se juntaram à iniciativa estão Alice Braga, Rodrigo Teixeira, Anna Muylaert, Petra Costa e Daniel Rezende.

A carta — que ainda tem assinatura de vencedores do Oscar como Olivia Colman, Joaquin Phoenix, Javier Bardem e Adam McKay — exige uma resposta mais forte da organização em relação ao tratamento que Ballal recebeu das autoridades.

“Nós condenamos o ataque brutal e a detenção ilegal do cineasta palestino ganhador do Oscar Hamdan Ballal por colonos e forças israelenses na Cisjordânia”, diz o documento.

O filme que expôs a violência israelense — e o preço pago por seus diretores

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Imagem: Antipode Films AS

Sem Chão, vencedor do Oscar de Melhor Documentário, registra a luta dos moradores de Masafer Yatta, na Cisjordânia, contra a demolição de suas casas pelo exército israelense, que busca transformar a região em uma zona de treinamento militar.

O longa, dirigido por Ballal, Abraham, Rachel Szor e Basel Adra, já havia sido alvo de polêmicas antes mesmo da premiação, com críticos acusando-o de “parcialidade”. No entanto, sua vitória no Oscar foi vista como um reconhecimento internacional da causa palestina.

O ataque a Ballal, ocorrido semanas após a cerimônia, levantou questões sobre a segurança de artistas que denunciam violações de direitos humanos. A ausência de um posicionamento firme da Academia, que já se manifestou em outros casos de perseguição a cineastas, foi vista como uma contradição.

A Academia e suas polêmicas políticas

Esta não é a primeira vez que a Academia é acusada de seletividade em suas posições políticas. Em 2022, a instituição condenou publicamente a invasão russa à Ucrânia e expulsou membros associados ao governo de Vladimir Putin. Também já se pronunciou sobre questões como o movimento Black Lives Matter e a greve dos roteiristas em Hollywood.

No entanto, quando se trata do conflito israelense-palestino, a organização tende a evitar declarações diretas. Em 2024, após a cerimônia do Oscar, a Academia foi criticada por não mencionar a guerra em Gaza durante o discurso de aceitação de Jonathan Glazer (“Zona de Interesse”), que criticou a ocupação israelense.

O que esperar da Academia?

Enquanto a diretoria da Academia permanece em silêncio sobre as críticas, a pressão interna só aumenta. Membros influentes, como o ator Mark Ruffalo e a diretora Ava DuVernay, já se posicionaram publicamente em defesa de Ballal, aumentando o constrangimento da instituição.

Se a Academia não revisar sua postura, pode enfrentar uma crise de credibilidade entre seus membros — muitos dos quais já questionam sua relevância em um cenário político polarizado.

Enquanto isso, Sem Chão continua em cartaz em cinemas brasileiros e chegará ao streaming Filmelier+ em abril, mantendo viva a discussão sobre o papel da arte na denúncia de injustiças.

O que você acha da postura da Academia? Deveria a instituição se posicionar mais firmemente em casos como esse? Comente abaixo.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.