O Batman Day, celebrado neste sábado (20), não é apenas um convite para rever os filmes sombrios e cheios de dilemas morais do Homem-Morcego dos anos 1980 para cá. É também oportunidade de resgatar uma fase que muitos fãs tentaram esquecer, mas que foi crucial para transformar o personagem em fenômeno cultural. Nos anos 1960, a série de TV estrelada por Adam West e Burt Ward levou às telas um herói absurdamente correto, envolvido em situações cômicas e embalado pelo camp, gênero que se apropria do exagero e da artificialidade para provocar graça.
Lançada em 12 de janeiro de 1966 pela rede americana ABC, a produção estreou com números impressionantes: quase metade dos televisores dos Estados Unidos estavam sintonizados no episódio inicial. A audiência, no entanto, não se sustentou por tanto tempo e a série foi encerrada após 120 capítulos, divididos em três temporadas. Mesmo assim, a marca foi suficiente para consagrar West e Ward como ícones da cultura pop e estabelecer o tom que inspiraria diversas adaptações posteriores — inclusive as sátiras.
Comédia disfarçada de aventura

O produtor William Dozier, responsável por tirar o projeto do papel, nunca havia lido uma história em quadrinhos do herói até assumir o trabalho. Ao conhecer o clima sombrio dos gibis da época, tomou uma decisão inesperada: só faria a série se fosse cômica. Para isso, misturou o estilo dos seriados de aventura dos anos 40, o visual colorido da pop art e a narrativa dos quadrinhos, incluindo os famosos letreiros com onomatopeias como Pow! e Bang! que surgiam durante as lutas.
A fórmula deu certo porque o programa assumia sem pudor seu caráter artificial. O exagero das situações, os vilões caricatos e os diálogos carregados de moralismo faziam parte de uma crítica sutil à sociedade americana da época, em que a polícia era mostrada como incapaz e os heróis mascarados surgiam como única salvação.
O elenco e as vozes brasileiras
No Brasil, a série chegou pelo canal TV Paulista, atual Globo, com dublagem a cargo dos estúdios AIC São Paulo nas duas primeiras temporadas. Gervásio Marques e Rodney Gomes deram voz a Batman e Robin inicialmente, mas, no terceiro ano, os personagens passaram a ser dublados por Newton da Matta e Luís Manoel, do estúdio TV Cine-Som.
O elenco original era formado por ilustres desconhecidos, mas logo se tornou febre. Adam West, até então um ator de papéis pequenos, conquistou fama mundial como Batman, enquanto Burt Ward encarnava um Robin impulsivo e vulnerável. A relação entre os dois gerava comentários maliciosos, já que a proximidade dos personagens rendia cenas interpretadas como ambíguas. Essa leitura incomodava parte da audiência e até grupos conservadores, como a Liga Católica de Decência, chegaram a pressionar os produtores.
Aparições especiais e crossovers
O sucesso da produção fez com que celebridades disputassem espaço nos episódios, seja como vilões convidados ou em rápidas participações cômicas. Nomes como Sammy Davis Jr., Jerry Lewis e até Papai Noel apareceram na janela de prédios que a dupla escalava.
Entre os momentos mais lembrados está o crossover com “O Besouro Verde”, quando Bruce Lee, intérprete de Kato, enfrentou rapidamente Robin em cena. A iniciativa era, na prática, uma jogada de Dozier para promover a série do herói esmeralda, também produzida por ele.
A força dos vilões
Embora Batman fosse o protagonista, foram os vilões que roubaram a cena. Sem histórias de origem detalhadas, eles surgiam simplesmente como figuras malignas e caóticas.

Pinguim, vivido por Burgess Meredith, exibia uma risada inconfundível e armas escondidas em guarda-chuvas, a ponto de concorrer à prefeitura de Gotham em uma trama que depois inspiraria “Batman: O Retorno”. Já o Coringa, interpretado por César Romero, se recusava a raspar o bigode, escondendo-o com maquiagem branca. Essa característica virou uma das marcas curiosas do personagem. Charada, na pele de Frank Gorshin, disputava com o Coringa o posto de vilão mais exagerado e barulhento.
Mulher-Gato teve três intérpretes distintas: Lee Meriwether, Julie Newmar e Eartha Kitt. A troca de atrizes, especialmente a entrada de Kitt, gerou polêmica por refletir preconceitos dos produtores, que temiam um romance interracial entre o herói e a vilã. Outros antagonistas curiosos foram o Rei Tut (Victor Buono), o Senhor Frio (interpretado por três atores, incluindo Eli Wallach), o excêntrico Cabeça de Ovo (Vincent Price) e até o Chapeleiro Louco.
A turma do bem
Ao lado dos heróis, personagens de apoio também marcaram presença. Alfred (Alan Napier) mantinha a ordem na Mansão Wayne, chegando até a se disfarçar de Batman para proteger a identidade do patrão. Tia Harriet (Madge Blake) foi criada para amenizar suspeitas sobre a convivência de Bruce e Dick, mas sua participação caiu no último ano por problemas de saúde da atriz.
Do lado da lei, o Comissário Gordon (Neil Hamilton) e o atrapalhado Chefe O’Hara (Stafford Repp) mostravam-se dependentes do Homem-Morcego. Já no terceiro ano, surgiu Batgirl, vivida por Yvonne Craig, como tentativa de atrair audiência com uma nova personagem feminina.
Parte da graça da série estava no exagero moralista do próprio Batman. Sempre pronto para dar lições de civismo, ele se mostrava incorruptível, ainda que suas atitudes beirassem o ridículo. Um exemplo clássico foi quando recusou ajuda policial após o roubo do Batmóvel, justificando que seria desperdício de dinheiro público e acabou sendo levado na garupa da bicicleta de Alfred.
Bastidores conturbados
Apesar do tom leve da tela, os bastidores revelavam problemas sérios. Burt Ward, por exemplo, recebia um salário inferior até mesmo ao de seu dublê, que quase não era utilizado. A diferença resultava em constantes acidentes em cena. Além disso, a pressão da Liga Católica de Decência sobre seu uniforme levou-o a tomar medicamentos para disfarçar a aparência incômoda de seu traje.
Outro conflito era interno: Hamilton, o intérprete de Gordon, não aceitava que a série fosse classificada como comédia e chegou a discutir com Adam West em gravações.
O fim e o que veio depois
Com a queda da audiência já na segunda temporada, a introdução da Batgirl não foi suficiente para salvar o programa. Em 1968, a produção chegou ao fim, deixando West e Ward marcados para sempre pelos papéis.
Sem novos trabalhos de destaque, ambos passaram a viver de convenções e aparições especiais. West chegou a atuar em filmes B e até em produções eróticas antes de retomar o personagem em animações e no telefilme “Legends of Super-Heroes”, de 1977. Décadas depois, emprestaria a voz a versões paródicas de si mesmo em “Os Simpsons” e em desenhos da DC. Ward, por sua vez, deixou a carreira artística para se dedicar à produção de vídeos educacionais.
Legado
Durante anos, a série foi vista como um fardo que queimara a imagem do Batman. Somente a partir do filme “Batman”, de 1989, de Tim Burton, e suas continuações, o herói voltou a ter prestígio com um tom mais sombrio. Ainda assim, as adaptações coloridas e ingênuas dos anos 60 foram redescobertas com o tempo e ganharam status de culto.
Hoje, é impossível pensar na trajetória do Cavaleiro das Trevas sem lembrar que o personagem só se tornou conhecido mundialmente graças àquele retrato bobo, exagerado e colorido. A produção influenciou não apenas sátiras futuras, mas também a estética de longas como os de Joel Schumacher, que prestaram homenagem direta ao estilo camp da década de 60.
Livros, documentários e biografias continuaram a revisitar os bastidores da produção, reforçando a importância de um seriado que, entre críticas e deboches, ajudou a construir o mito do Homem-Morcego.
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