A comunidade musical independentemente da gravadora reacendeu um debate urgente ao anunciar boicotes ao Spotify. A motivação? O envolvimento do CEO Daniel Ek com a empresa Helsing, especializada em tecnologia militar baseada em Inteligência Artificial (IA). Com essa ação, artistas como King Gizzard & The Lizard Wizard, Deerhoof e Xiu Xiu tomaram uma posição clara: não querem seu trabalho associado a negócios que financiem armamentos ou sistemas autônomos. Vamos entender o que levou a esse movimento e quais são as consequências para indústria e cultura.
A polêmica ganhou força quando saiu à luz que Daniel Ek, cofundador e CEO do Spotify, investiu milhões — cerca de 600 milhões de euros por meio da firma Prima Materia — na Helsing, empresa fundada na Alemanha em 2021 e voltada ao desenvolvimento de IA para drones autônomos e sistemas de comando militar em tempo real. Ek também assumiu a presidência da companhia. Isso provocou forte repercussão entre artistas que dependem das plataformas de streaming para sustento e visibilidade. Muitos ouviram seus catálogos monetizando assinaturas de usuários que, por sua vez, esterilizam parte do lucro em empresas bélicas.
King Gizzard & The Lizard Wizard
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A banda australiana King Gizzard & The Lizard Wizard, com mais de 25 álbuns lançados desde a década passada, decidiu remover seu catálogo completo do Spotify como forma de protesto – com exceção de um EP colaborativo (Satanic Slumber Party, de 2022, com a Tropical Fuck Storm) distribuído por outro selo, que segue disponível. O posicionamento foi publicado nas redes sociais:

“Um aviso para quem não sabe: o CEO do Spotify, Daniel Ek, investe milhões em tecnologia de drones militares com IA. Acabamos de remover nossa música da plataforma. Podemos pressionar esses vilões da tecnologia a fazerem melhor? Juntem-se a nós em outra plataforma”.
A atitude tem sido considerada não apenas um gesto de indignação moral, mas um convite à reflexão sobre práticas éticas na economia digital.
No mesmo movimento, artistas como Deerhoof e Xiu Xiu optaram por retirar seus repertórios do Spotify. Eles explicaram que não desejam que sua arte seja financiada por tecnologia de combate com IA. As manifestações acompanharam críticas ao uso de assinaturas de usuários para alimentar um modelo de negócio cujos investimentos se alinham com a lógica militar contemporânea.
Essa corrente de boicote se alinha a uma tendência crescente de artistas que desejam preservar integridade artística frente ao financiamento que foge de seus valores pessoais e coletivos.
Financiamento bilionário
A controvérsia ganhou contornos ainda mais tensos com a revelação de que a Helsing recebeu aportes próximos a US$ 700 milhões (ou 600 milhões de euros), e Ek foi figura central nesse processo. Com recursos advindos da venda de ações do Spotify, ele passou a canalizar parte do capital do streaming para setores bélicos. Essa interseção entre capital de cultura e de guerra reacende discussões sobre o papel que plataformas culturais exercem no direcionamento do dinheiro gerado por conteúdo criativo.
Relacionando essas escolhas à moral artística, muitos argumentam que a monetização sonora tendem a se tornar cúmplices quando os fundos são repassados a empresas que produzem instrumentos de destruição ou vigilância sem controle humano.
A saída desses artistas coloca em cheque a responsabilidade ética das plataformas de streaming. Se o Spotify lucra com a música, surge a pergunta: para onde vão esses lucros? Se são usados em negócios com implicações militares, artistas veem isso como um pacto inaceitável. A retirada de catálogos serve como ato de pressão – tanto moral quanto comercial – ao questionar se a manutenção no serviço está alinhada com seus princípios.
Apesar da perda de receita potencial, muitos artistas defendem que manter visibilidade a qualquer custo não vale se isso implica financiar tecnologias que podem ser usadas contra a própria população.
Alternativas ao modelo da hegemonia digital
Diante dessa tensão, as soluções adotadas pelos que se afastam do Spotify incluem o uso de plataformas como Bandcamp, Tidal ou modelos de venda direta ao fã. Esses espaços são valorizados por artistas por oferecerem maior controle sobre seus dados, royalties e conexão com o público, sem intermediação de grandes corporações cujos investimentos podem divergir de sua ética.
Essas escolhas reforçam um modelo de fluxo financeiro mais transparente: o artista monetiza direto, e o fã sabe que seu pagamento impulsiona diretamente o criador.
Impactos e limites do boicote
A ausência de grandes nomes no Spotify tende a limitar o alcance do debate. Apesar de guerrilha moral eficaz, a plataforma ainda domina o consumo global de música em streaming. A fragmentação do acesso a catálogos pode fragilizar os artistas financeiramente, especialmente aqueles sem grandes estrutura de venda própria.
Para ampliar o impacto, o protesto precisaria ganhar adesão de artistas com grande alcance comercial. Para isso, seria necessária uma articulação coletiva que desafie o modelo vigente, sem sacrificar o acesso do público à música.
IA, músicos sintéticos e controvérsias
Além da polêmica do investimento militar, o Spotify também enfrenta críticas pelo uso de inteligência artificial na criação do que se chama de “artistas sintéticos”. Um exemplo é a banda The Velvet Sundown, com centenas de milhares de ouvintes mensais, sem evidências de shows ou integrantes verificados. Isso intensifica o debate sobre o valor da cultura vs. modelos desumanizados de produção musical.
Em outros momentos, artistas renomados como Neil Young e Joni Mitchell também protestaram – no caso, contra a exclusividade do podcast “The Joe Rogan Experience” na plataforma, por disseminar desinformação. Embora tenham retornado posteriormente, o precedente acende sinal amarelo: quando artistas percebem que sua arte pode alimentar discursos prejudiciais, retiram apoio à plataforma.
O dilema moral da música em tempos de capital militarizado
O investimento de Ek, embora justificado por ele como estratégico para garantir autonomia de defesa da Europa, traz à tona uma contradição: a música, gesto de criação e conexão, financiando sistemas que neutralizam vidas. Essa é a geração de valor que os artistas tentam rechaçar. Para muitos, o streaming deixou de ser apenas tecnologia cultural e virou vetor de captação de capital com destino controverso.
A iniciativa de King Gizzard & The Lizard Wizard, somada aos protestos de Deerhoof e Xiu Xiu, oferece um mapa de resistência artística digital. Trata-se de uma tentativa de usar a própria arte como instrumento crítico contra as estruturas que buscam monetizar a cultura para aplicações militares. Mais do que boicote, é um posicionamento moral: a música não deve financiar guerra.
Se o Spotify não reviu sua postura até aqui, pode se ver diante de uma crise de imagem crescente – especialmente se outros grandes nomes seguirem o mesmo caminho. Ao mesmo tempo, a indústria musical precisa se perguntar se quer fazer parte de um modelo que reinveste em armas invisíveis e croômicas.
Este movimento é puro; ao protestar, os artistas reafirmam que a cultura existe para edificar o humano, não para alimentar a lógica da guerra. Se Daniel Ek e o Spotify quiserem reconquistar confiança, terão antes que responder: quem lucra de verdade com suas playlists?
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