ainda estou aqui oscar 2025
Sony Pictures/Divulgação

Bilheteria de filmes brasileiros dispara 197% e derruba mito de ‘falta de interesse’

Dados revelam que, quando chega às salas, cinema nacional faz sucesso - problema está na distribuição

O cinema brasileiro vive um momento inédito: as bilheterias nacionais cresceram 197% entre maio de 2024 e maio de 2025, segundo dados da Ingresso.com revelados em reportagem da Exame. Dois filmes locais estão entre os dez mais vendidos no período – “Ainda Estou Aqui” (3º lugar) e “O Auto da Compadecida 2” (8º) –, provando que o público consome e valoriza produções nacionais. O drama premiado Ainda Estou Aqui, impulsionado pelo Oscar 2025, ficou seis meses em cartaz, enquanto a sequência do clássico nordestino e “Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa” reforçaram a tendência de crescente na bilheteria de obras nacionais.

Mauro Gonzalez, Diretor de Negócios da Ingresso.com, é enfático: “É muito significativo ver a presença de filmes brasileiros ao lado de grandes produções internacionais. ‘Ainda Estou Aqui’, por exemplo, teve uma trajetória impressionante, especialmente após o Oscar 2025, que impulsionou ainda mais sua permanência nos cinemas”. Os dados mostram que, nos estados onde as produções nacionais chegaram com força – como São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Pernambuco -, a resposta do público foi entusiástica.

Ainda Estou Aqui foi o 6º filme mais popular dos cinemas brasileiros em todo o ano passado, apesar de ter sido lançado apenas em novembro, visto por 3 milhões de pessoas. Neste ano, já fora mais de 2 milhões de espectadores. Isso só levando em consideração o público brasileiro, visto que o longa de Walter Salles, também fez história no cenário internacional, performando bem em países como França e Estados Unidos (EUA).

O problema, como apontam especialistas, não está no interesse, mas na estrutura. Enquanto os EUA têm uma tela de cinema para cada 8 mil habitantes, no Brasil a proporção é de apenas 1 para 35 mil. A ausência de uma cota de exibição obrigatória para filmes nacionais – comum em países como França e Coreia do Sul – e a concentração de salas nas grandes cidades criam um gargalo que impede o potencial total do cinema brasileiro de se realizar.

Especialistas no mercado audiovisual ouvidos pela Agência Senado acreditam que o sucesso do filme nos cinemas do país e nas premiações internacionais impulsionará a produção cinematográfica nacional como um todo.

O professor da Universidade Federal de São Paulo (UFSCar) Arthur Autran, autor do livro “Pensamento Industrial Cinematográfico Brasileiro”, afirma: “Uma parte da nossa elite intelectual e da nossa classe média padece de uma insegurança cultural, derivada do complexo de vira-lata, e só se sente segura do valor do Brasil quando o reconhecimento vem de fora, quando há uma espécie de carimbo internacional”. Isso acontece com a música, com a literatura, com a pintura e também com o cinema. Em termos simbólicos, portanto, as indicações e premiações internacionais, como Cannes, Oscar e Globo de Ouro, são muito importantes para o cinema brasileiro.

A mudança nos hábitos do público é notável. O drama, antes considerado “arriscado” comercialmente, ganhou espaço com o sucesso de Ainda Estou Aqui, mostrando que o espectador brasileiro amadureceu e busca histórias mais complexas. O público feminino lidera as compras de ingressos para filmes nacionais, e o Nordeste mostrou apetite especial por produções com temática regional, como comprova o desempenho de O Auto da Compadecida 2.

Crítica | O Auto da Compadecida 2: um espelho distorcido do original
H2O Filmes/Divulgação

Dados da Ancine revelam que, em 2025, até a 23ª semana cinematográfica (encerrada em 11 de junho), o cinema brasileiro responde por 16,5% do público nas salas, com 8,7 milhões de espectadores e R$ 166 milhões em renda. Foram exibidos 186 títulos brasileiros, um crescimento de 23% em relação ao mesmo período de 2024 (151 títulos). O Relatório Focus 2025 ainda destaca que o Brasil registrou, em 2024, o segundo maior crescimento de público entre 21 países analisados, incluindo grandes mercados como EUA e México, alcançando 70% de recuperação em relação ao patamar pré-pandemia – acima da média global (67,7%).

As estatísticas mostram que a indústria cinematográfica brasileira sente mesmo falta de um empurrão. Em 2023, as obras nacionais responderam por quase 40% dos lançamentos nos cinemas do Brasil. A porcentagem não foi ruim. Ruim foi o alcance das produções. Os filmes brasileiros só conseguiram responder por 7,5% das sessões e 3,5% do público. A situação foi ainda pior em termos financeiros. A participação deles na renda total das bilheterias ficou em irrisórios 3%.

O cenário para o segundo semestre é promissor, com lançamentos como “O Agente Secreto” (estrelado por Wagner Moura e destaque em Cannes), “Cazuza: Boas Novas” e “Silvio Santos Vem Aí”. A cinebiografia “Homem com H”, sobre Ney Matogrosso, segue liderando o top 10 de mais vistos desde que entrou no catálogo do serviço de streaming.

Os números do primeiro semestre de 2025 enterram de vez o mito de que o brasileiro não gosta de cinema nacional. O desafio agora é garantir que essas produções cheguem a todo o território nacional, com políticas públicas que resolvam os problemas crônicos de distribuição e exibição. Quando o filme brasileiro consegue chegar às salas, o público responde – e como.

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor. Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Conecta Geek.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.