A última entrada na tetralogia das cores da Marvel, Capitão América: Branco lida com temas semelhantes às anteriores: perda e nostalgia. A narrativa se passa em maior parte como flashback ainda no início da carreira de Steve Rogers como Capitão, lutando contra nazistas no continente europeu ao lado de seu parceiro e melhor amigo, Bucky e o Comando Selvagem de Nick Fury.
Capitão América e Bucky Barnes
O grande foco aqui é na relação e posterior saudade/luto que o Capitão América tem por seu parceiro e melhor amigo, James Buchanan Barnes — mais conhecido para nós como Bucky. O rapaz representa uma figura importantíssima na vida do herói, assim como Gwen, Karen e Betty nas vidas de Peter, Matt e Bruce, respectivamente, nas outras HQs.
Bucky traz uma alegria jovial e brincalhona à seriedade de Steve, que em geral se concentra na situação presente. Nas narrações, o Capitão sempre deixa claro o quanto ele questiona se o rapaz realmente deveria estar ali — no centro do maior conflito que o mundo já viu —, mas também realça o quanto sua confiança e lealdade na figura do Capitão América e no próprio Steve Rogers o inspiram.
Como dupla, os dois se entendem na hora da ação, mas Steve se mostra apreensivo quando Bucky se precipita, seja ao mencionar tópicos “sensíveis”, como Marilyne, ou ao sugerir qualquer plano mais perigoso que o normal. Um dos momentos mais vulneráveis da dupla é quanto o Capitão machuca Bucky acidentalmente ao abrir a porta e em seguida o chama de James na frente de Reb, magoando o jovem física e emocionalmente.
A mágoa de Bucky por ter sido chamado por seu nome real vem da questão das identidades secretas. Sim, o Capitão e o Bucky não revelam suas identidades a ninguém. E praticamente ninguém sabe quem eles são.
Essa intriga, se é que podemos chamar disso, não é relevante (com exceção da passagem mencionada acima) e é um pouco ilógica, já que estamos tratando de soldados. No entanto, no mundo real das publicações, o Capitão teve sim uma identidade secreta por muito tempo, Loeb provavelmente só quis manter tudo no cânone.
Liberando a França
A história começa um pouco antes do Capitão ser mandado para fora, na noite onde Bucky descobre sua identidade secreta. A partir daí, por empatia e pelo desejo de ter companhia nessa jornada, Steve o treina até o momento de partirem para a Europa.
Depois disso, pulamos adiante para a primeira missão da dupla com o esquadrão de Nick Fury, composto por algumas figuras icônicas dessa porção mais militar do universo Marvel. Dum Dum Dugan serve de alívio cômico, Reb serve de companhia jovem para Bucky e o próprio Fury serve de pé no saco do grupo, de Steve em particular.
Na jornada, eles encontram um grupo de guerreiros franceses, liderados pela cigana Marilyne – aqui temos alguns diálogos divertidos. Steve, com sua ingenuidade e patriotismo, por vezes cego, irrita a guerreira, que faz apontamentos certeiros contra o complexo de superioridade americano e o discurso de “viemos dos EUA para salvá-los!”
Apesar das provocações e picuinhas, eles trabalham juntos e têm um romance curto, apressado e superficial, mas que rende interações divertidas entre os dois — e com direito a fofocas com Bucky em seguida.
Nos momentos pós-descongelamento do Capitão, Fury aparece como o único rosto familiar a Steve e tenta ajudá-lo a lidar com o luto e o tempo perdido. Aqui vemos um pouco de como o super-soldado se sente só nessa nova realidade, além de nos comover em, por exemplo, quando Fury o leva até o memorial da Segunda Guerra, com estátuas sua e de Bucky ao final da história.
É claro, a arte de Tim Sale é lendária e fundamental em tornar essas obras tão memoráveis. De longe, personagens caricatos, sem muitos detalhes. De perto, expressões intensas e acentuadas, mesmo que assimétricas. A ação é viva, os personages centrais são acrobatas exibidos que dançam sob seus inimigos.
Bucky não é desigual a Steve antes de tomar o soro do super-soldado, magro, baixinho, com um porte que não impressiona e que certamente não intimida. Esse é um dos motivos da simpatia inicial que Steve tem por ele.
Mas, voltando para a arte, um detalhe pode causar estranhamento para o leitor: o jovem parece mais uma criança de 12 anos do que um adolescente — e certamente não parece ser um adulto. Coisas estranhas e desenhos que não representam exatamente o que é “canônico” à história não são e nunca serão novidade nas HQs, mas realmente, seria absurdo pensar que esse menino de 1,50 m seria mandado para infiltrar o coração da Alemanha nazista.
E o Soldado Invernal?
Bem, era questão de tempo até chegarmos aqui. A primeira edição de Capitão América: Branco veio em 2008, 3 anos após o ressurgimento de Bucky, dessa vez com o manto de Soldado Invernal. Branco foi finalizada (após longo hiato) em 2015, 1 ano depois de “Capitão América: O Soldado Invernal” lançar nos cinemas mundiais. O que isso importa?
Para falar a verdade, não muito. Sim, nós que crescemos em uma época onde o Bucky é mais conhecido como Soldado Invernal do que como ajudante do Capitão América na Segunda Guerra provavelmente não estamos tão acostumados ou nostálgicos com o relacionamento original deles.
Mesmo a HQ não fazendo menção alguma a essa reaparição de Bucky (Loeb provavelmente já tinha escrito a história antes do ocorrido), a edição nº 0 em particular faz um bom trabalho em nos transportar para outro tempo.
Além disso, o foco dessa série não é criar eventos canônicos ou contar novas aventuras dos heróis, mas recontá-las de uma perspectiva muito mais pessoal, com narração dos próprios protagonistas para dar um novo tempero aos clássicos.
Por que Branco?
As cores escolhidas para cada história nessa tetralogia têm seu respectivo significado, alguns mais óbvios, outros mais metafóricos. Mas e o Branco? Além de ser uma das cores da bandeira americana – e consequentemente, do uniforme de Capitão –, por que a escolha dessa cor, normalmente associada a paz?
“As HQs das cores foram/são um lugar onde Tim (Sale) e eu podemos contar histórias sobre os começos de personagens que ambos crescemos amando. Existe um tema nas cores, dentro da vida de todos estes personagens, existe algo que nos motivou a escolhermos uma cor em específico… Quanto ao porquê de termos escolhido ‘branco’ para o Capitão, isso ainda há de ser revelado.”
– Jeph Loeb
O branco é enigmático, é o outro extremo, oposto ao preto. Ambos são, desde sempre, facilmente associados à vida e à morte, seja respectivamente ou não. O branco pode ser o luto, mas também é associado a algo que Bucky representaria para o Capitão. Com a última frase da HQ: “tudo que tenho agora são as memórias de um jovem que só queria ganhar a guerra” talvez Steve esteja falando da inocência, a pureza que via em seu amigo.
Jovial, alegre e sempre de alto astral, Steve admirava essa parte de Bucky e admite algumas vezes que, somado ao perigo constante, essa “infantilidade” foi fonte de sua incerteza e posterior culpa por tê-lo perdido.
Capitão América: Branco encapsula bem os desejos e desafios de Steve Rogers partindo de uma história clássica fiel às raízes do símbolo americano e seu parceiro. Bucky é, para o Capitão, um lembrete de onde ele veio, um verdadeiro companheiro e seu maior arrependimento.
O melhor amigo do Capitão América foi um jovem rejeitado e disposto a passar pelo inferno na Terra.
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