Nem todo clássico resiste ao tempo. Alguns até tentam, mas tropeçam nos próprios preconceitos, nos discursos datados ou na forma como representam pessoas e ideias. O que era normal em uma década, vira incômodo na seguinte. O que parecia ousado, hoje soa ofensivo. E não é sobre “estragar” memórias afetivas, é sobre olhar de novo, com mais contexto, e entender que sim, algumas obras envelhecem bem mal.
O Conecta Geek reuniu 20 filmes que viraram tema de discussão justamente por isso: porque deixaram marcas, mas também cicatrizes. E porque continuam sendo assistidos, debatidos, analisados (nem sempre com carinho), mas quase sempre com necessidade.
Crepúsculo (2008)
Não adianta: foi febre, virou cultura pop, mas também é cheio de red flags. O comportamento de Edward é ultra controladora, o romance é romantização de dependência emocional, e o triângulo amoroso mais parece uma briga de quem consegue marcar mais território em cima da Bella. Além disso, o retrato dos povos indígenas com o Jacob é raso e problemático. Ainda tem quem defenda com unhas e dentes, mas tem muito ali que simplesmente não dá mais pra engolir sem uma boa dose de ironia.

Uma Linda Mulher (1990)
É um clássico? Sim. É envolvente? Sim. Mas também é um conto de fadas baseado em um homem rico resgatando uma mulher em situação de prostituição e isso nunca foi tão criticado quanto hoje. A romantização do “cliente salvador” ignora realidades bem mais complexas sobre trabalho sexual, desigualdade e poder. Julia Roberts é carismática o bastante pra distrair, mas o enredo em si… envelheceu como leite fora da geladeira.

Missão Madrinha de Casamento (2011)
Apesar de ser uma comédia moderna que abriu espaço para protagonismo feminino, o humor gordofóbico é gritante. Várias piadas giram em torno do corpo da personagem da Melissa McCarthy ou de noções ultrapassadas de feminilidade. É um filme que divertiu (e ainda diverte) mas também força a gente a pensar: rir de quê, e às custas de quem?

Ace Ventura (1994)
Jim Carrey no auge do exagero, mas também no auge da transfobia. A cena final, em que a revelação sobre a identidade de uma personagem vira piada coletiva, é constrangedora. Na época, foi tratado como humor escrachado. Hoje, é impossível não ver o quanto esse tipo de conteúdo reforça estigmas violentos sobre pessoas trans. Foi hit, mas é difícil reassistir sem sentir o desconforto.

As Branquelas (2004)
Todo brasileiro tem pelo menos uma fala decorada desse filme, e ele virou quase uma instituição no meme nacional. Mas se você parar pra pensar, é um festival de estereótipos raciais, culturais e de gênero. A ideia de dois homens negros se vestindo de mulheres brancas ricas pode parecer subversiva, mas é construída toda em cima de piadas visuais que não resistem a uma análise minimamente crítica. É engraçado? Pode até ser. Mas também é problemático. Os dois não se anulam.

O Diário da Princesa ( 2001)
Amado por toda uma geração, mas… o que era pra ser uma história sobre aceitação vira uma narrativa de mudança total para se encaixar nos padrões. Mia só é considerada “aceitável” depois que alisa o cabelo, muda a postura e aprende a andar de salto. Uma lição meio duvidosa disfarçada de empoderamento. E embora o carisma da Anne Hathaway segure bem, a mensagem envelheceu.

Grease – Nos Tempos da Brilhantina” (1978)
Talvez um dos maiores musicais do cinema, mas também uma aula de como normalizar comportamentos tóxicos. O final, com a Sandy mudando totalmente sua aparência e atitude só pra conquistar o cara, virou símbolo de “transformação feminina”, mas que transformação é essa? Além disso, o subtexto de várias músicas é extremamente questionável hoje em dia. E aquele trecho de “Did she put up a fight?”… nem se fala.

O Clube dos Cinco (1985)
John Hughes marcou os anos 80 com seus retratos de adolescentes, mas “Clube dos Cinco” também está na lista de filmes que envelheceram com rugas. A cena em que um personagem olha por baixo da saia da colega desacordada e isso vira piada é só um dos momentos que fazem qualquer espectador de hoje se encolher. Não tira a importância do filme, mas exige revisão.

O Diabo Veste Prada (2006)
Sim, a atuação da Meryl Streep é lendária. Mas tem algo estranho em um filme que pinta como vilã uma mulher ambiciosa, poderosa e exigente, e como mocinha uma protagonista que, na prática, despreza o trabalho que escolheu. O filme acabou reforçando a ideia de que mulheres no poder são “frias demais”, e que mudar pra agradar namorado babaca é ok. Revendo hoje, a narrativa se mostra bem mais questionável do que parecia em 2006.

Superbad – É Hoje (2007)
Foi vendido como a grande comédia adolescente do século. Mas ao rever, percebe-se que o humor gira em torno de piadas machistas, objetificação feminina e uma obsessão com virgindade que soa tão forçada quanto problemática. Foi reflexo de uma época? Foi. Mas isso não impede que hoje a gente encare o roteiro com o devido filtro.

Pocahontas (1995)
Uma das “princesas Disney” que foi eternizada, mas à custa de distorções históricas e apagamento cultural. A verdadeira Pocahontas era uma criança quando foi sequestrada, não uma jovem apaixonada por um explorador branco. A romantização da colonização e da “união entre povos” é uma das críticas mais pesadas ao filme, que, embora tenha uma trilha maravilhosa, é culturalmente irresponsável.

American Pie – A Primeira Vez é Inesquecível (1999)
Um dos maiores hits da comédia teen, mas que hoje seria cancelado na primeira semana. O uso de câmeras escondidas, o vazamento de conteúdo íntimo, a fixação pela “primeira vez”, tudo isso seria motivo de processo hoje em dia, com razão. E pior: tudo isso era tratado como absolutamente normal e até engraçado. Um filme que moldou uma geração inteira de meninos com uma visão distorcida de sexualidade.

As Patricinhas de Beverly Hills (1995)
Cher é ícone, o figurino é atemporal, mas o romance final dela com o ex-irmão postiço não envelheceu tão bem quanto o resto. Fora os estereótipos forçados sobre meninas negras, asiáticas e latinas, que passam quase como figurantes. Ainda é divertido de assistir? Sim. Mas exige olhar crítico pra algumas escolhas de enredo e caracterização.

O Pestinha (1990)
Era comédia familiar. Hoje parece filme de tortura psicológica. As piadas são quase sempre agressivas, há traços claros de misoginia e um estranho prazer em ver adultos sendo humilhados por uma criança. Na época, era “engraçado”. Hoje? Assustador.

Curtindo a Vida Adoidado (1986)
Ferris Bueller é o queridinho rebelde de todo adolescente. Mas ao rever, ele também é insuportavelmente mimado, manipulador e egocêntrico. Ele usa e abusa da boa vontade dos outros sem consequências. E todo o discurso de “liberdade” acaba parecendo privilégio branco em forma de roteiro.

Titanic (1997)
É um épico. É um marco. Mas também é uma história em que uma jovem rica ignora tudo da vida real por um cara que conheceu há dois dias. Além disso, o retrato das classes sociais é simplista e o final virou meme… sim, cabia os dois na porta. E o mais curioso: o filme é dirigido por James Cameron, um homem que vive vendendo heroínas femininas, mas raramente dá a elas um final onde não dependam de um homem morto.

Meninas Malvadas (2004)
Uma das maiores comédias teen da história, mas que também se apoia bastante em piadas gordofóbicas, estereótipos raciais e rivalidade feminina forçada. A crítica estava ali, mas era tão disfarçada de piada que muita gente entendeu ao contrário. O revival recente até tentou atualizar o discurso, mas o original ainda carrega marcas de uma era bem menos consciente.

Matilda (1996)
Um clássico da infância, sim. Mas com um olhar atual, algumas mensagens são um pouco… duvidosas. O sofrimento psicológico da protagonista, a ideia de que professores “salvam” crianças com poderes mágicos, e a caricatura de vilões femininos como a diretora Trunchbull ainda geram debates sobre o quanto esse tipo de narrativa alimenta certos traumas e estigmas.

O Rei do Show ( 2017)
Visualmente deslumbrante, musicalmente contagiante, mas a romantização da figura de P.T. Barnum incomoda. Na vida real, o empresário era conhecido por explorar pessoas com deficiência e racializadas como “atrações de circo”. O filme escolheu a versão “good vibes” da história e limpou todas as partes mais pesadas. Isso não é só liberdade poética, é revisionismo histórico.

Beleza Americana (1999)
Levou Oscar, virou símbolo de crítica social, mas… hoje é difícil de assistir. Kevin Spacey interpretando um homem de meia-idade obcecado por uma adolescente? Com uma estética que quase justifica essa obsessão? Mesmo sem saber o que viria depois sobre o ator, o roteiro já era um problema. Hoje, com o contexto completo, o filme ganha um peso difícil de digerir.

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