Mesmo com menos de uma semana de estreia nos cinemas, Coringa: Delírio a Dois já está sendo pintado como uma das maiores decepções do ano e também se espera um retumbante fracasso de bilheteria. Mas o que tornou ele tão ruim assim?
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Pois bem, antes de me aprofundar nesse artigo, não sou o maior fã de “Coringa“, de 2019. Acho que é um filme ok, mas nada revolucionário — na verdade, sem identidade própria. Todo o estilo do filme foi feito melhor nos filmes de Scorsese, aos quais deve grande parte de sua estrutura. Também não acho que tenha sido uma boa abordagem para o personagem dos quadrinhos. Então, acredite, eu nunca estive realmente interessado em Coringa: Delírio a Dois.
Este texto contém spoilers de Coringa e Coringa: Delírio a Dois. Leia por sua conta em risco!
Ao longo do tempo, o diretor Phillips reafirmou minha crença de que ele não está realmente interessado em adaptar um quadrinho. E comentários como: “Eu acho que Arthur ficaria em êxtase com o alfa que é o Batman. Eu realmente acho. Arthur olharia para ele e o apreciaria”, não me deixaram mais otimista sobre este filme.
Mas não posso negar que, quando anunciaram que a sequência seria um musical, fiquei imediatamente intrigado. Parecia o tipo perfeito de filme para desafiar tudo o que não gostei em Coringa. E, de várias maneiras, meu desejo foi atendido em Delírio a Dois.
Só sendo doido mesmo pra gostar do Coringa
Coringa: Delírio a Dois se passa pouco tempo após os eventos de Coringa, de 2019. O filme segue principalmente o julgamento de Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) e seu romance crescente com Harley Quinn de Lady Gaga, chamada apenas de Lee. Gaga e Phoenix têm uma química surpreendente ao longo do filme, e alguns dos números musicais são bons, embora um pouco desconexos.
Coringa mostra um personagem terrível, e ser esse personagem é igualmente terrível. Fleck é um produto de abuso e anos de maus-tratos sistêmicos. Alguém que foi completamente decepcionado pelo mundo ao seu redor não tende a sair vitorioso quando se revolta. No fundo, Delírio a Dois é um filme sobre o quanto é horrível ser o Coringa.
Do começo ao fim, este filme destrói qualquer “aspiração” que Fleck pudesse ter carregado no primeiro filme. E isso é uma coisa boa. Enquanto o final do Coringa original parece satisfeito demais ao mostrar seu protagonista triunfante, sua continuação parece muito mais como um balde de água fria na cabeça dos fãs.
Um Golpe Pesado
Durante este filme, Fleck continua sozinho e sendo abusado. Seu abuso agora está nas mãos dos guardas da prisão e de seus supostos fãs. Mesmo tendo Lee, ele ainda está profundamente sozinho. Lee e seus outros fãs não estão lá por Arthur, estão lá pelo Coringa — numa divisão que realmente existe na cabeça deles. E no momento em que Fleck rejeita completamente o Coringa, tudo desaparece. As ações de Fleck como Coringa no primeiro filme o levam a se tornar mais vulnerável e sozinho do que jamais foi.
E o que sua continuação faz de forma muito contundente é mostrar que, se Fleck tivesse se aberto às pessoas que realmente estavam tentando ajudá-lo, mesmo que isso significasse confrontar os piores aspectos de si, as coisas provavelmente teriam sido melhores. Ou, pelo menos, menos piores. Como esperado, Phoenix entrega outra grande performance como Fleck. A dor pela qual o personagem passa é palpável. Há um nível muito cru de emoção que Phoenix transmite e que simplesmente não pode ser transmitido apenas por palavras.
Ao lado de Phoenix, Gaga também entrega uma performance boa, embora sua personagem seja apenas um artifício de roteiro para o protagonista. A atriz até tenta, mas não há muito do que tirar de uma personagem sem nenhuma profundidade.
Coringa e Coringa: Delírio a Dois também conta com um ótimo elenco de apoio, com Brendan Gleeson apresentando uma atuação sólida como um guarda de prisão cruel. Harry Lawtey também entrega uma performance divertida como Harvey Dent, embora um pouco superficial.
Assim como no primeiro filme, Coringa e Coringa: Delírio a Dois tem uma trilha sonora impactante e se apoia fortemente na estética dos anos 70 e de filmes da Nova Hollywood. Ambos os aspectos ainda funcionam muito bem, e ajudam a criar uma identidade visual e auditiva distinta. Mesmo sendo filmes distintos, essa harmonia audiovisual ajuda a conectar um ao outro.
Vamos nos orgulhar de ser um musical!
Embora tenha tecido alguns comentários positivos, Coringa e Coringa: Delírio a Dois é muito mais interessante como uma continuação de Coringa, do que é realmente um filme tão bom. Acho que minha maior queixa é a recusa do marketing em chamar este filme de musical.
Não, os personagens não cantam em todas as cenas, mas cantam o suficiente para ser um musical. E tudo bem. Entendo que algumas pessoas não assistiriam ao filme se soubessem que era um musical, mas eu diria que um musical surpresa é ainda mais alienante. Também diria que o aspecto musical nem é a parte mais alienante do filme.
Como mencionei antes, o filme faz de tudo para mostrar ao público que ser o Coringa é horrível. Parece que Delírio a Dois tem vergonha do primeiro filme. É uma sensação interessante de se lidar. Pessoalmente, gostei desse aspecto, mas consigo entender por que poderia ser alienante para muitas pessoas.
Coringa e Coringa: Delírio a Dois também sofre do mesmo mal que se tornou cada vez mais comum em filmes de quadrinhos na última década: mostrar cenas nos trailers que não aparecem no filme. Essa prática precisa parar. A cena mais icônica dos trailers, com o Coringa e Harley descendo as escadas juntos, nem sequer está no filme.
Por falar em personagens dos quadrinhos, o segundo filme, assim como o anterior, parece quase envergonhado de ser um filme baseado em quadrinhos. Fleck não é o Coringa dos quadrinhos de nenhuma maneira. Fleck é um personagem totalmente único, e isso é aceitável. Mas é estranho quando o filme tenta se aproximar do passado de Harley Quinn de forma mais fiel ao original.
Neste filme, Lee é uma estudante de psicologia chamada Harleen Quinzell. Até aqui, tudo bem. Ela abandona um futuro promissor para se aproximar do Coringa. Até aí, ótimo. Mas, quanto à fidelidade à origem da Arlequina, é aqui que o trem descarrila.
A interpretação de Quinn neste filme é risível quando comparada ao alto nível estabelecido em “Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa” e principalmente o aprofundamento da personagem na animação “Harley Quinn”.
Não que Gaga não esteja dando o seu melhor. Infelizmente, o papel não está fazendo jus ao talento de atriz e cantora. Lee é uma versão pouco inspirada da personagem, parecendo mais uma fã do Ted Bundy com tema de palhaço do que a verdadeira Arlequina.
Há outros problemas também, como o fato de o filme ter aproximadamente zero interesse em ambientar Gotham, que aqui parece apenas a cidade de Nova York. Há também Harvey Dent, que é um jovem promotor assistente neste filme. Lawtey faz o seu melhor com o personagem, mas isso significa principalmente ser um promotor arrogante que quer Fleck condenado à morte.
Assim como o Coringa de 2019 joga aleatoriamente uma cena em que Thomas e Martha Wayne são mortos, Delírio a Dois faz questão de incluir uma cena em que Dent tem metade do rosto queimado. A aversão desses filmes aos quadrinhos seria mais aceitável sem essas cenas, que aqui parecem existir apenas para dizer: “ok, aqui está o que vocês queriam”.
Os Números Musicais
Quanto aos números musicais, Gaga e Phoenix fazem ótimas atuações, mas as cenas musicais parecem meio mal elaboradas às vezes. Embora eu discorde de não comercializar o filme como um musical, também posso dizer que, se eu tivesse esperado um certo nível de qualidade musical, teria ficado desapontado de qualquer jeito.
Você deve assistir Coringa: Delírio a Dois?
Embora essa seja uma pergunta que minha resposta sempre seja sim, incluindo obras que eu pessoalmente não gosto, como o próprio Coringa. A graça da arte é justamente esse poder de impacto e interpretações tão distintos em cada indivíduo. Só fiz esse tópico para reforçar minha recomendação, principalmente porque nos últimos dias vi muitas pessoas, até mesmo outros colegas da crítica, não recomendando o longa. Eu, por outro lado, acredito de coração que Coringa: Delírio a Dois é um filme que vale a pena assistir. Mesmo que seja para comprovar sua frustração.
Coringa: Delírio a Dois é uma experiência estranha que parece envergonhada de todos os lados. O filme parece ter vergonha de ser um musical, vergonha de ser um filme de quadrinhos e, acima de tudo, vergonha de ser uma sequência de Coringa. Essa vergonha permeia toda a experiência de assistir. Se você sentiu alguma simpatia ou se identificou com o Coringa do filme de 2019, o novo filme visa pulverizar completamente esse sentimento, rindo propositalmente da bobagem que ele é.
Se a vergonha parece ser uma pauta sobre a obra em si, enquanto execução comercial Delírio a Dois parece um suicídio, previamente anunciado e isso é o tipo de insanidade que o Coringa realmente faria. E, por mais estranho que seja, o filme me cativa por querer ser algo que seu antecessor não é: corajoso e ousado. No fim, temos um resultado estranho, confuso e envergonhado, mas é determinado a dizer algo. Mesmo que esse algo não seja o que alguém quisesse ouvir.
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