Crítica | A Perfect Love Story: menos amor, mais metalinguagem

Crítica | A Perfect Love Story: menos amor, mais metalinguagem

Se o amor é uma jornada de descobertas, A Perfect Love Story: Where Nothing Goes Wrong Or Does It…? é um filme que parece querer nos mostrar que, na verdade, ele é uma estrada sinuosa, repleta de dilemas, questionamentos e, quem sabe, até uma boa dose de ironia. A estreia de Emina Kujundžić não se restringe a ser apenas mais uma história de romance, mas se reinventa ao adotar uma metalinguagem, em que a própria autora dialoga com o cinema e com as dificuldades de sua criação.

Desde o primeiro minuto, o filme deixa claro que não se trata apenas de um romance comum. A narrativa começa com a cineasta Sadžida Tulić (Enisa Njemcevic) participando de uma reunião com um produtor (Srđan Vuletić) que, de forma inesperada, critica seu trabalho por ser “excessivamente feminino” e por não apresentar personagens de substância. É um início metanarrativo, uma chave que vai abrir um olhar crítico sobre a própria indústria cinematográfica e sobre as expectativas que recaem sobre as cineastas.

O tom metalinguístico, por mais ousado e interessante que seja, vai se diluindo à medida que o filme avança, tornando-se tanto a maior virtude quanto a maior armadilha de A Perfect Love Story. O filme que Sadžida tenta criar dentro do filme é, na verdade, um reflexo de suas próprias inquietações, como cineasta e mulher, em um mundo que ainda lida com preconceitos e estereótipos, especialmente na produção de obras que envolvem a experiência feminina.

A narrativa nos apresenta, então, a história de um casal formado por uma jovem artista bósnia (Enisa Njemčević) e um fotógrafo francês (Victor Bessière). O relacionamento deles parece ser o retrato de um amor perfeito, sem grandes turbulências – à primeira vista. Mas não demora para que a viagem que eles iniciam pela Herzegovina, com destino ao mar, revele fissuras que vão se ampliando à medida que o filme avança. Não estamos apenas diante de uma jornada geográfica, mas de um mergulho em suas diferenças de personalidade, de desejo e de visão de vida.

Crítica | A Perfect Love Story: menos amor, mais metalinguagem

A fotografia de Almir Đikoli, com sua beleza simples e sincera, exalta o que poderia parecer apenas uma paisagem exótica e sem mais profundidade. Cada plano, cada detalhe, capta o cenário como um personagem que se insere na trama de forma quase simbólica. A luz natural, as cores suaves e a suavidade da montagem ajudam a ressaltar a atmosfera introspectiva, sem, no entanto, se deixar consumir por ela.

Os momentos mais tensos surgem, paradoxalmente, nas cenas em que o filme parece se perder na metalinguagem. Quando as produtora estrangeiras fazem sua entrada, e a discussão sobre quem observa quem toma conta da tela, a sensação de que estamos assistindo a uma obra que se distorce daquilo que deveria ser torna-se palpável. É como se o filme se perdesse em suas próprias intenções.

É aí que A Perfect Love Story começa a falhar no ritmo. Em sua tentativa de fazer reflexões sobre a produção cinematográfica e suas complexidades, o filme perde o fôlego da narrativa e se deixa arrastar por seu próprio discurso. A alternância entre momentos de tensão narrativa e os respiros mais experimentais acabam por criar uma sensação de vazio, como se os personagens fossem meros objetos dentro de uma estrutura que tenta, mas não consegue, se aprofundar.

Mas mesmo com esse tropeço na fluidez da história, o filme tem méritos notáveis. A criação do suspense nas cenas em que o casal transporta dinheiro e é abordado por um policial é exemplar. Há ali uma tensão bem construída, que reflete a fragilidade da relação entre os dois e, ao mesmo tempo, o contexto mais amplo de insegurança e incerteza em que vivem.

Crítica | A Perfect Love Story: menos amor, mais metalinguagem

Há também uma clara crítica à forma como as mulheres são vistas na indústria cinematográfica, especialmente quando a diretora explora o ponto de vista de sua protagonista e sua própria jornada como cineasta. A busca por uma autenticidade que, no final das contas, acaba sendo desafiada pelos próprios códigos da indústria. Kujundžić, ao fazer esse retrato da sua própria luta, nos entrega uma reflexão rica e dolorosa sobre as limitações e as expectativas impostas às mulheres no cinema.

Os personagens, por mais que sejam complexos em sua essência, acabam se revelando pouco mais que símbolos de suas respectivas funções no enredo. O fotógrafo francês, com seus desejos simples e imediatos, e a artista bósnia, com suas ambições radicais, representam essas dualidades que se tornam estereótipos. E ao fazer isso, o filme parece não permitir que eles se tornem mais do que isso: duas figuras dentro de um discurso que tenta, mas não consegue ultrapassar as barreiras do estereótipo.

Porém, o que é irônico e, ao mesmo tempo, fascinante, é o fato de que, no final, o filme não fala apenas sobre amor ou arte, mas sobre o próprio processo de fazer um filme. Sobre como esse processo é contaminado por expectativas externas, por ideias preconcebidas e, muitas vezes, pela falta de liberdade criativa. O resultado é uma obra que, mesmo com suas falhas evidentes, oferece uma visão honesta e quase crua do que é viver e criar no mundo contemporâneo.

O filme acaba nos deixando com uma sensação ambígua. Por um lado, ele nos oferece uma jornada visualmente agradável e um retrato inquietante da indústria cinematográfica; por outro, não cumpre totalmente o que promete em termos narrativos. Ele é, no fim das contas, um experimento — e como tal, digno de ser visto. Talvez não como a grande história de amor que seu título sugere, mas como uma narrativa que, mesmo em sua imperfeição, merece ser refletida.

Leia outras críticas:

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.