Em um canto remoto da Índia, onde o ritmo da vida ainda parece ser ditado pelos trilhos do trem, um garoto de nove anos descobre o poder transformador da sétima arte. A Última Sessão, do diretor Pan Nalin, nos leva de volta a um tempo em que as imagens em movimento ainda eram encantadas por uma luz que, ao ser projetada, se tornava mágica. Mas, mais do que um simples tributo à arte cinematográfica, este é um filme sobre a luta contra a obsolescência – tanto do cinema quanto de uma infância desafiada pela modernidade.
O cenário é simples, mas essa é uma daquelas histórias ditas como universais. Samay, interpretado com uma doçura avassaladora por Bhavin Rabari, é um menino que, como tantos outros, quer ver o mundo com olhos curiosos, sem pressa. O filme, desde sua primeira cena, nos envolve nesse desejo silencioso de descobrir o inesperado. O olhar do menino, fixo no feixe de luz que transforma a tela em uma janela para o impossível, é a porta de entrada para a história que, aos poucos, vai nos conduzindo a uma reflexão sobre a mágica do cinema – um mundo onde a luz, tal como o destino, é algo a ser seguido.
A luz, aliás, se torna o elemento que guia o filme, como um farol para os que ainda acreditam que há algo mais nas projeções do que simples imagens em movimento. Quando Samay observa a luz do projetor dançando na tela, é como se estivesse vendo pela primeira vez o próprio nascimento da arte. O jogo de sombras e cores – de uma tela vazia que se enche de vida – nos remete ao cinema como um sonho que, ao ser acordado, nunca deixa de reverberar na nossa mente.
A cada cena, A Última Sessão exibe um cuidado técnico que é um presente para os olhos. Cada quadro, cada movimento da câmera, é pensado para que o espectador sinta não só a história, mas também a textura emocional daquilo que está sendo mostrado, um trabalho incrível de Swapnil S. Sonawane. O uso do 35mm, em um mundo que caminha para o digital, é um grito silencioso, uma reverência ao passado, àqueles filmes que foram feitos para resistir ao tempo e aos olhos atentos dos cinéfilos.
Não se trata de nostalgia. Não se trata apenas de um mergulho na história do cinema, mas sim de uma celebração. Uma celebração do ato de contar histórias através de imagens que, embora passageiras, são eternas na memória. Como Samay, que encontra no cinema um novo modo de olhar o mundo, Nalin nos convida a redescobrir o encanto de ver algo pela primeira vez, a magia da criação.
Mas, ao mesmo tempo, o filme nunca deixa de tocar as cordas mais amargas da realidade. A história de Samay não é só uma odisseia de encantamento; é também um retrato de uma sociedade em transição. O pai de Samay, interpretado por Dipen Raval, é a personificação da resistência. Para ele, cinema é desperdício. Para ele, o futuro está no chá que vende aos passageiros do trem. Mas a visão de Samay é outra: ele vê no cinema algo mais profundo, algo que não pode ser compreendido apenas pelo olhar pragmático de um adulto. Aqui, o filme traça uma linha tênue entre o encantamento e a frustração, entre a fantasia e a realidade.
O elenco infantil, com destaque para Rabari e seus amigos de travessuras, é uma verdadeira alegria para quem aprecia performances naturais e cheias de vida. Esses pequenos atores, com suas expressões sinceras, nos fazem lembrar de nossa própria infância, quando as coisas simples, como brincar ao longo dos trilhos do trem ou construir um projetor com peças de sucata, eram sinônimos de aventuras infinitas.
E é exatamente isso que A Última Sessão faz com o espectador: convida-nos a voltar no tempo, não fisicamente, mas emocionalmente. A cada gesto, a cada olhar, somos transportados para um passado não tão distante, quando as sombras na tela ainda eram feitas de pura magia, e não de bytes ou pixels. A construção do projetor de Samay e seus amigos, embora um pouco fantasiosa, é um símbolo poderoso: o cinema é, ao fim e ao cabo, uma invenção coletiva, uma obra que exige nossa participação ativa.
Mas, como em toda boa história de amadurecimento, o caminho de Samay não é fácil. Seus sonhos de cineasta se chocam contra as paredes da realidade. Em uma sociedade que está rapidamente se digitalizando e se afastando das tradições, a resistência em relação ao cinema analógico é palpável. A digitalização da projeção, tão presente em nossos dias, se torna uma metáfora do progresso que apaga o passado sem piedade. E, nesse conflito, Samay emerge como o herói de um futuro incerto, que, como todos os heróis, tem suas batalhas internas a travar.
O filme, no entanto, não nos deixa em um estado de melancolia. Ele nos lembra, antes de mais nada, da beleza da resistência. A resistência de Samay ao conformismo, a resistência de Fazal (Bhavesh Shrimali), o projetista que se torna seu mentor, ao desespero de uma vida sem glamour, e a resistência do próprio cinema – um cinema que, mesmo em seus momentos de declínio, ainda é capaz de tocar almas e transformar vidas.
E, para isso, A Última Sessão faz uso de uma de suas maiores armas: a poesia visual. Não há pressa no filme. Cada cena é cuidadosamente construída, como uma pintura que ganha vida diante de nossos olhos. As cores que preenchem a tela são suaves, mas profundas, como o primeiro raio de sol depois da chuva. A luz, mais uma vez, não é apenas um elemento técnico, mas um símbolo do que o cinema é capaz de nos proporcionar: uma visão do mundo que não seria possível de outra forma.
A história se desenrola em uma Índia que está perdendo suas raízes enquanto tenta avançar para um futuro digital e globalizado. O trem, que em um passado não muito distante representava a conexão entre pessoas e lugares, agora serve como um lembrete das coisas que estão sendo deixadas para trás. O filme de Nalin é, assim, uma reflexão sobre esse momento de transição, onde as tradições, o cinema e as relações humanas parecem estar se distanciando.
Mas, no fim, é a luz do projetor que nos reconcilia. Como Samay, todos nós, de alguma forma, continuamos buscando esse feixe de luz que nos revela um mundo novo. O filme é uma ode a essa busca incessante por beleza, por significado, e por algo que nos conecte. A Última Sessão é mais do que uma homenagem ao cinema – é uma celebração da capacidade humana de sonhar, criar e, acima de tudo, de resistir. E é essa magia, capturada em 35mm, que permanece em nossa memória, como a última luz que nunca se apaga.
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