Crítica | Alien: Earth - 1x7: A encantadora de xenomorfo e o fim da humanidade
FX/Divulgação

Crítica | Alien: Earth 1×7 – A encantadora de xenomorfo e o fim da humanidade

Wendy assume o controle – e a escuridão cede lugar a novas sombras

No episódio “Emersão”, penúltimo desta 1ª temporada de Alien: Earth, a série abandona de vez qualquer pretensão de seguir confortavelmente encaixada nos moldes tradicionais da franquia. Em vez disso, abraça com coragem um caminho instável, que flerta tanto com a reinvenção estética quanto com dilemas morais que ultrapassam o embate entre humanos e criaturas. A essa altura, não se trata mais apenas de sobrevivência ou de medo. O que está em jogo é a redefinição do que significa ser humano – e ninguém encarna melhor essa crise do que Wendy (Sydney Chandler), agora mais próxima de uma força da natureza do que de qualquer conceito antropológico.

A escolha narrativa mais ousada de Emersão – e talvez a mais polêmica, por assim dizer – é a forma como transforma o xenomorfo, outrora criatura incontrolável, em uma extensão da protagonista. Um cão de guarda letal, obediente, moldado por uma pós-humana em plena evolução. A imagem de Wendy caminhando sob o sol, em plena luz do dia, ao lado do alienígena que atende aos seus comandos, pode soar quase absurda para quem associa a franquia à penumbra, ao claustro e à ameaça invisível que sussurra no escuro. Mas é exatamente essa ruptura que o episódio propõe: se Wendy já não é humana, por que o xenomorfo deveria continuar sendo apenas um monstro?

Visualmente, o episódio desafia expectativas. A ambientação diurna, criticada por parte dos espectadores acostumados à escuridão opressora já característica da franquia, funciona aqui como uma espécie de comentário sobre a própria transformação da série. A luz revela o que antes estava oculto, não apenas no cenário, mas nas personagens. Wendy se mostra por completo, ela é frágil e brutal, criança e soldado, vítima e predadora. A “encantadora de xenomorfo” não apenas domesticou uma força alienígena, ela se tornou algo à parte, algo novo, talvez o primeiro de sua espécie.

Narrativamente, o episódio cumpre sua função como penúltimo da temporada; fecha arcos, rearranja alianças e acende o pavio para um final que promete ser explosivo. Hermit (Alex Lawther), dividido entre sua lealdade familiar e sua herança humana, toma a decisão mais controversa do capítulo ao usar um choque elétrico contra Nibs (Lily Newmark), sua aliada híbrida e companheira de fuga. Ao escolher salvar um humano – Siberian (Diêm Camille) – em detrimento da integridade de Nibs, Hermit evidencia uma hierarquia silenciosa que ainda carrega dentro de si: os híbridos, por mais que pareçam crianças, ainda são “outros”.

Esse momento não apenas rompe de vez o laço entre ele e Wendy, mas redefine a trajetória emocional de ambos. O grito de Wendy – “O que você fez?” – não é apenas uma reação à violência. É a constatação de que, para seu irmão, ela nunca foi realmente igual. Esse é o ponto de virada definitivo. A partir daqui, Wendy não luta mais por aceitação. Ela toma posse do próprio poder e do seu xenomorfo, promovendo uma chacina que sela o destino dos soldados enviados à ilha.

Crítica | Alien: Earth - 1x7: A encantadora de xenomorfo e o fim da humanidade
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Enquanto isso, o núcleo paralelo protagonizado por Slightly (Adarsh Gourav), Smee (Jonathan Ajayi) e o corpo moribundo de Arthur (David Rysdahl), infectado por um facehugger, injeta um humor sombrio e inesperado no episódio. Com ares de sketch dos “Três Patetas” – e isso como elogio! –, as situações beiram o absurdo: robôs em corpos adultos brigando com cabeçadas, piadas sobre restauração de consciência e até uma contagem de dígitos de π feita por um polvo alienígena alojado em um carneiro

Aqui, o humor não alivia a tensão, mas a intensifica, destacando a fragilidade do mundo que está desmoronando ao redor. A presença do alienígena controlando um animal doméstico e a ideia de transferi-lo para um corpo humano não apenas ampliam o escopo sci-fi da série, como antecipam o que pode ser a próxima ameaça, um ser senciente, ultrainteligente, em plena posse de uma carcaça humana – talvez o próprio Boy Kavalier (Samuel Blenkin), que se mostra cada vez mais fascinado pela criatura.

Aliás, Kavalier, que até agora transitava entre o excêntrico e o insuportável, encontra em Eyeblobby seu primeiro verdadeiro interlocutor. O cientista mirim está disposto a oferecer um corpo humano ao alienígena para poder dialogar com ele. A série então nos pergunta: em que momento o desejo de conhecimento ultrapassa os limites da ética? E, mais uma vez, volta à sua pergunta central — o que nos torna humanos?

Nesse cenário de caos, há um personagem que permanece inabalável: Kirsh. A figura interpretada por Timothy Olyphant é o eixo em torno do qual gravitam as maiores reviravoltas. Sempre à frente dos demais, Kirsh revela neste episódio que sabia do plano de Slightly, manipulou a entrega do corpo de Arthur e ainda capturou o chestburster recém-saído do peito do garoto. Tudo sem suar. Se alguém ainda tinha dúvidas de que ele é o verdadeiro estrategista por trás da contenção da ameaça alienígena, Emersão elimina qualquer hesitação. Kirsh não apenas sobrevive – ele prospera no caos.

Para além de Chandler no papel de Wendy, que transita com habilidade entre vulnerabilidade e monstruosidade, o episódio se sustenta também nas atuações. Lawther entrega um Hermit cada vez mais dividido, e Olyphant brilha como sempre, mantendo Kirsh como uma entidade calculista e quase indestrutível.

Crítica | Alien: Earth - 1x7: A encantadora de xenomorfo e o fim da humanidade
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O roteiro, assinado por Noah Hawley e Maria Melnik, propõe muito mais do que um simples episódio de transição. A série está menos interessada em sustos e mais em provocar. E o preço dessa ousadia seja tornar Emersão o último capítulo da série para muitos. É difícil ver um xenomorfo sob o sol sem sentir certo estranhamento. É ainda mais difícil aceitar que a criatura se torne quase um parceiro de cena, um animal de estimação letal. Mas é justamente esse desconforto que move a série para frente. A ideia de que o medo pode vir também da luz, da transformação e da perda do que éramos. No fim, não se trata de saber se o episódio foi “bom” ou “ruim”. Trata-se de entender o que ele representa dentro do projeto mais amplo que Alien: Earth está construindo.

Alien: Earth ganha novos episódios da série, às terças, exclusivamente, na Disney+.

Leia sobre os episódios anteriores:

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.