Crítica | Alien: Romulus é um remix divertido que não se arrisca
Fox/Divulgação

Crítica | Alien: Romulus é um remix divertido que não se arrisca

Xenomorfo volta a assustar, mas ele é não acaba com o cansaço da franquia

Então, aqui estamos… no nono filme da franquia Alien. NONO. É chocante pensar nisso, considerando que a franquia pode ser tanto onipresente quanto facilmente esquecível. As duas primeiras entradas são marcos da ficção científica — por razões completamente diferentes —, enquanto as outras nunca caíram tanto no gosto do público. O que também é interessante porque a franquia Alien tentou praticamente de tudo para se manter relevante: servir como uma metáfora para carregar culpa (“Alien 3”), questionar o propósito da criação da vida em si (“Prometheus”) ou ter tão pouca iluminação no set que qualquer cena se torna literalmente impossível de assistir (“Alien vs. Predador 2”). E agora chegamos aqui, com oito filmes e uma saga prequela cancelada prematuramente e uma série de TV ainda em desenvolvimento. O que mais a Fox — ou, neste caso, a Disney — pode fazer com o nosso velho amigo, o Xenomorfo? Começar do zero.

Ou, no caso de Alien: Romulus, começar do sucateamento. Especificamente, uma colônia mineradora em um planeta distante, onde Rain (Cailee Spaeny) e Andy (David Jonsson) não conseguem escapar das garras da corporação gananciosa Weyland-Yutani. Isso até que o velho amigo Tyler (Archie Renaux) e uma gangue de desajustados aparecem com um plano: invadir uma estação espacial desativada da Weyland em busca de criopods que os manterão preservados durante a jornada de nove anos até um novo planeta cheio de sol, arco-íris e rostos felizes. Mas, adivinhem, essa estação espacial — chamada Romulus e Remus para maximizar a mitologia — já foi uma instalação de pesquisa realizando testes em algumas criaturas aracnídeas que abraçam rostos. Com isso, o grupo precisa tentar escapar antes que os rastejantes — e uma certa grande besta — festem em sua carne.

Um terror à moda antiga

Muitos descreveram o Alien original como um filme de terror slasher no espaço. No caso de Alien: Romulus, a melhor maneira de descrever essa nova entrada é como um filme de casa mal-assombrada no espaço. Isso faz ainda mais sentido quando se sabe que é co-escrito e dirigido por Fede Alvarez, que ganhou aclamação ao refazer outro filme sobre uma casa mal-assombrada (“A Morte do Demônio”) e criar seu próprio filme sobre uma casa assustadora (“O Homem nas Trevas”).

Mas é só isso que Romulus é: um passeio de parque de diversões com um grande orçamento que leva seu público por várias salas escuras para criaturas estranhas pularem e te assustarem. Bem alto, aliás, pois Romulus estabelece um novo recorde de sustos no estilo jump scares em um filme de Alien, enquanto a trilha sonora bombástica de Benjamin Wallfisch (“Blade Runner 2049”) tenta muito fazer Romulus parecer mais épico do que realmente é.

Mas, para um filme que abandona pensamentos mais profundos ou ambições temáticas em troca de emoções baratas, Alien: Romulus não é tão ruim. Alvarez reduz a franquia aos seus elementos essenciais de entretenimento: horror corporal e imagens intergalácticas. Ele e os designers de produção acertam ao criar uma visão mais suja do futuro, com espaçonaves emergindo de pilhas de sucata e personagens maltratados, cobertos de suor ao escalarem uns sobre os outros.

Alvarez e companhia também elevam a pegada de imagens grotescas típicas de um filme Alien, colocando elementos clássicos da franquia — facehuggers, sangue ácido, chestbursters, etc. — em novos ambientes que são assustadores e divertidos. Futuros cineastas devem tomar nota de uma lição essencial em blockbusters pesados em efeitos: combinar o digital com o prático. Romulus sabe exatamente quando dar um impulso digital para acelerar suas criaturas e quando modelos reais com apoio de animatrônicos podem tornar seus monstros verdadeiramente assustadores.

Crítica | Alien: Romulos é um remix divertido que não se arrisca
(Fox/Divulgação) filme assusta, mas ele também flerta com a ação, misturando os dois primeiros filmes da franquia.

O medo do reinício da franquia

Alien: Romulus é divertido tecnicamente, mas o roteiro continua prejudicando as tentativas do filme de estabelecer sua própria identidade. Quase todos os filmes de Alien têm a mesma estrutura: pessoas em um lugar assustador, um Xenomorfo aparece, as pessoas correm dele, então ele morre. O que manteve a franquia viva foi uma nova ideia para cada entrada; primeiro há Aliens, depois nossa heroína tem uma ressurreição, agora há um Predador, e assim por diante. Com Romulus voltando ao básico, isso significa despir a história de qualquer inovação temática, exceto por algumas cenas divertidas. É a ideia de sequência mais básica que um estúdio usaria para capitalizar no sucesso do primeiro filme. Nossa gangue comete erros bobos para manter o filme em andamento, os aliens aparecem no pior momento, a Weyland-Yutani tem um ângulo para explorar, etc. Levemente diferente, mas tudo igual.

E então há a palavra mais temida no mundo das franquias cinematográficas: continuidade. Alien: Romulus se passa 20 anos após os eventos de Alien. Mas, segundo Alvarez e o co-roteirista Rodo Sayagues, Romulus sabe que vários outros filmes de Alien já aconteceram e não tem problema em lembrar o público disso. Há muitas referências visuais e de diálogos a Aliens, os designs de produção e de personagens remetem a “Alien – A Ressurreição”, e até as reviravoltas da trama trazem à mente a monotonia de “Alien: Covenant”. Sem dar spoilers, há uma tentativa admirável — mas desnecessária — de conectar Prometheus a Alien e Alien: Romulus. Embora nada disso interrompa totalmente o ritmo acelerado do filme, isso novamente impede Romulus de estabelecer sua própria identidade e sugere uma apelação aos fãs quando deveria apenas entregar bons sustos para todos.

Crítica | Alien: Romulos é um remix divertido que não se arrisca
(Fox/Divulgação) longa é composto por recriações baratas da saga.

Isso também significa que os personagens de Romulus são praticamente irrelevantes. Nenhum dos desajustados deixa uma impressão duradoura na tela e são apenas alvos para as criaturas morderem. Spaeny, felizmente, não tenta imitar a Ripley de Sigourney Weaver, mas também não tem muito com o que trabalhar. Jonsson impressiona como o barulhento personagem caótico do grupo, manipulando as situações até a reviravolta do terceiro ato. Apesar de sua postura fria, não há espaço suficiente para ele (ou qualquer outra pessoa) ter uma grande personalidade.

Todo o tempo é gasto desenvolvendo o Xenomorfo, quando, em edições anteriores, o desenvolvimento do oponente humano gerava empolgação para o confronto final. É mais um caso de uma franquia usando personagens a serviço de uma propriedade intelectual reconhecível, quando as melhores sequências usam IPs reconhecíveis para servir a novos personagens. A estrela do filme é a própria franquia, o que a torna um pouco vazia.

O verdadeiro mostro são as grandes corporações

Para quem quiser evitar detalhes sobre o filme, sugiro passar a leitura para o último parágrafo do texto.

Se uma das características da ficção científica é servir de alerta para os desmandos da humanidade com o avanço tecnológico, o filme de Fede Alvarez comete um “crime” ético. A obra tem a insolência de utilizar CGI/inteligência artificial para recriar um personagem do primeiro filme, cujo ator – Ian Holm – faleceu em 2020.

Evidentemente ninguém aqui é inocente ao ponto de achar que uma megacorporação como a Disney realmente se importa com questões sociais ou artísticas de suas propriedades intelectuais. No entanto, há uma camada maior de maldade na necromancia digital, pauta que cabe horas e horas de discussão, não me parece justificada; alguns leem como uma crítica aos rumos que a IA tem tomado na nossa sociedade — com os deepfakes, por exemplo. Não enxergo assim; parece-me mais uma tentativa nostálgica — de extremo mau gosto — de “ressuscitar” um personagem do clássico filme de 1979.

Pra piorar, tudo isso torna a discussão sobre exploração do trabalho proposto pelo longa, como uma peça cínica muito barata, visto que a Disney está lucrando às custas de um ator morto. Nem o Xenomorfo é tão cruel quanto o rato.

Alien: Romulus é um presente e uma maldição

É um presente e uma maldição ter Alien: Romulus nos cinemas. Ver um horror corporal grotesco em escala de blockbuster com tanta competência técnica é um verdadeiro presente em uma era em que a maioria dos blockbusters é sanitizada. É uma pena que Alien: Romulus também esteja amaldiçoado com a necessidade de ser uma gestão de franquia sancionada pela Disney, tentando atrair fãs com referências distrativas demais aos sucessos passados de Alien. É uma montanha-russa divertida e feroz, sem dúvida, mas ainda tem a mesma integridade de um brinquedo de parque temático que você levaria sua namorada para ter a chance de dar um abraço. Essa distinção geralmente cabe às franquias mais trash de Hollywood, como Sexta-Feira 13 ou um filme da Blumhouse. Será que é a esse ponto que o nome Alien caiu?

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.