Crítica | As Cores e Amores de Lore é uma pintura linda, mas inacabada
Embaúba Filmes/Divulgação

Crítica | As Cores e Amores de Lore é uma pintura linda, mas inacabada

Jorge Bodanzky, com As Cores e Amores de Lore, tenta capturar a essência de Eleonore Koch, uma artista alemã radicada no Brasil que viveu entre pincéis, cores e uma coragem rara para ser mulher em um mundo que insistia em não vê-la como artista. O documentário é como uma tela em branco: cheio de potencial, mas que, no final, não consegue preencher todos os espaços com a intensidade que a vida de Lore merecia.

Bodanzky começa com uma promessa interessante: entrelaçar sua própria história com a de Lore, buscando paralelos entre suas raízes familiares e a trajetória da pintora. É um início que sugere intimidade, mas que logo se perde em uma narrativa linear e segura demais. O diretor parece mais interessado em catalogar os eventos da vida de Lore do que em mergulhar nas camadas mais profundas de sua alma. E é aí que o filme vacila: Lore Koch não era uma mulher de superfícies.

A artista, que desafiou convenções e viveu intensamente, é apresentada de forma quase burocrática. Bodanzky utiliza um vasto acervo pessoal – cartas, fotografias, recortes de jornal –, mas esses elementos, que poderiam ser janelas para o mundo interior de Lore, são usados mais como ilustrações do que como ferramentas de investigação. As cartas, por exemplo, poderiam revelar muito sobre suas relações e conflitos, mas são tratadas como meros adereços, como se o diretor temesse sujar as mãos na complexidade de sua protagonista.

Crítica | As Cores e Amores de Lore é uma pintura linda, mas inacabada
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Há momentos em que o filme parece prestes a decolar. Quando Lore fala sobre as críticas misóginas que recebeu ao longo da carreira, ou quando diz, com uma lucidez cortante, “Se eu não podia ser artista, nada me impedia de ser mulher”, o espectador sente um vislumbre da força que ela carregava. Mas Bodanzky, em vez de explorar essas frases como portas para discussões mais profundas, segue adiante, como se tivesse medo de se perder nos meandros da vida de Lore.

A montagem de Bruna Callegari é um dos pontos altos do filme, tecendo com cuidado as diversas camadas da narrativa. No entanto, mesmo a montagem não consegue salvar o documentário de sua falta de ousadia. Há uma contenção na maneira como o filme escolhe apresentar Lore, como se o diretor estivesse mais interessado em celebrá-la do que em realmente entendê-la.

E é justamente essa contenção que faz As Cores e Amores de Lore parecer menor do que sua protagonista. Lore Koch foi uma mulher que viveu com intensidade, que desafiou normas e que, mesmo diante de inúmeras rejeições, nunca deixou de ser fiel a si. Ela merecia um documentário que arriscasse mais, que mergulhasse de cabeça na sua vida e obra.

Crítica | As Cores e Amores de Lore é uma pintura linda, mas inacabada
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As Cores e Amores de Lore parece uma pintura inacabada: há traços bonitos, cores vibrantes, mas falta algo que dê vida à tela. Lore Koch era maior do que qualquer documentário poderia retratar, e talvez essa seja a grande lição que fica. Ela não precisa de um filme para ser lembrada – suas obras, suas cores, sua coragem falam por si só. E, nesse sentido, o documentário acaba sendo um reflexo do próprio dilema da artista: como ser reconhecida em um mundo que parece sempre querer reduzi-la a algo menor do que ela realmente foi.

Lore Koch não cabia em moldes, e talvez seja essa a grande ironia do filme: ele tenta enquadrá-la, mas ela escapa, como sempre fez, para além das telas e das palavras.

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