Crítica | Às Vezes Quero Sumir divaga sobre a banalidade em existir

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Ás Vezes Quero Sumir | Synapse Distribution

Um palco edificado por emoções onde o ator aferi a reação da plateia. Em cena, a protagonista esquiva-se dos holofotes ao acalento dos bastidores da vida que afronta existir. Às Vezes Quero Sumir, de Rachel Lambert, (“In The Radiant City”), é o drama de Fran (Daisy Ridley), que gerencia o anseio de viver e morrer em um looping paradoxal.

A performance é compassada e sobrevive pela sobriedade conceitual de tons e do anoitecer bucólico que parafraseiam seus dias abatidos. Isso porque Fran é lembrada como a “moça dos materiais de escritório” ou também a tímida do olhar estreito, que convive com “tiques” e acanhamentos nas descontrações com os colegas — aos quais, inclusive, questionamos serem o motivo do afastamento. Contudo, a jovem é apresentada a si ao conhecer Robert (Dave Merheje), seu novo colega de trabalho. O som ambiente de diálogos triviais no escritório agora divide com breves interações entre a mulher e o recém-contratado.

Robert testa o canal de comunicação com a moça entre sessões de filmes e jantares. É um jogo desconfortável de frases curtas e desagradáveis que desembocam em raros diálogos contínuos. Ser Fran, agora, é estar evidência; percebida. Na sua vida que pressupõe a distância, a moça se aproxima. O alívio é reconfortante. O homem a desvia levemente de seu trajeto unidimensional e das frequentes divagações de morte com o vislumbre de ser um cadáver. Logo, a vida simbolicamente vazia ganha um ar sinuoso. A frisar pelo tom quente de sua blusa, que timidamente a estampa com um desejo vivaz.

Ás Vezes Quero Sumir | Synapse Distribution
Ás Vezes Quero Sumir | Synapse Distribution

Banalidade

Embora Robert traga esta nuance vagamente enigmática, o sombreado frio persiste a solidão em contraste à vastidão de paisagens e guindastes em planos estáticos. O retrato da banalidade é uma sinfonia melancólica de tristeza. Esta emoção é sentida na trilha, nas expressões, no vazio de elementos e cores, ações e ensaios de divertimento, que evidenciam a inconstância de seus relacionamentos e expectativas.

Questionamos se devemos perceber a trivialidade de outra forma, tal como Fran foi percebida. A moça é a personificação do clichê como resultado de seu lugar-comum. Embora não censure emoções e oportunidades, decompõe-se aos poucos nos cômodos da quase falecida casa e do trabalho, que diz ser “boa”, quando seu excepcional desafio é se livrar das divagações de morte e distrações de Robert próximo a sua mesa.

A honestidade do enredo me inquieta; puramente e essencialmente sóbrio. Assisti-la negociar suas intenções e desejos em um limbo, faz da repressão um motivo de certo enraivecimento. Digo isso para o espectador. Afinal, a película se desinteressa pelo ímpeto da moça que, por hora, esperamos acontecer. Exceto por uma série comedida de lágrimas de frustração em um compasso repetidamente desanimado. Fran se desvanece no sofá na esperança de sumir num derretimento.

Ás Vezes Quero Sumir | Synapse Distribution
Ás Vezes Quero Sumir | Synapse Distribution

Pessoas fazendo “coisas”

O espectador observa o entorno por meio da lente da câmera e dos olhos de Fran. Um jogo de planos-detalhe de objetos e locações em uma mise-en-scéne que nos insere no ato. Ás Vezes Quero Sumir se faz presente de técnicas e interpretações de um mundo de perspectivas. O cotidiano é trivial, composto por cortes secos e bruscos de momentos e situações que desembocam em pensamentos e sensações.

Diante disso, a riqueza do filme vive justamente nesta essência; na arte de captar “pessoas fazendo coisas”: locomoção, falas corriqueiras, dinâmica de convívio, hábitos… A trivialidade é desperta nas interações rotineiras dos funcionários do escritório, nos diálogos efêmeros e no ciclo de trabalho. É comum testemunharmos uma série de constrangimentos sociais. Isobel (Megan Stalter) chama a atenção pela sua personagem performática e cômica. Sua personalidade contradiz à discrição. Garrett (Parvesh Cheena) também desempenha as “quebras” de tensão em diálogos com Fran. Embora seja uma tarefa árdua conhecer efetivamente a moça, a familiarizamos de forma crível na frequência destes momentos.

Diante do elenco excepcional, de todo modo, a linguagem cinematográfica é o que há de mais chamativo. Uma combinação de forma e conteúdo que não se inclinam a uma narrativa de começo, meio e fim. Em conclusão, percebemos Fran totalmente serva de um ideal de subjetividade e profundidade para cunhá-la como um indivíduo complexo. Embora o filme caminhe pela superfície, há toda uma perplexidade envolta desta experimentação social. Base que cumpre com o ideal de se manter fielmente prosaica.

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