Com rica ambientação das colônias da Região da Uva e do Vinho, no Rio Grande do Sul, Até Que A Música Pare acompanha a vida de Chiara (Cibele Tedesco), uma matriarca, que perde a presença de dois filhos e se em plena evolução espiritual por uma nova dinâmica de vida. O longa dirigido pela porto-alegrense Cristiane Oliveira pincela diversos temas a partir de um trauma familiar, sem nunca apelar pelo catártico, pelo contrário, a cineasta mostra que essas feridas podem ser cicatrizadas sem dor.
Até Que A Música Pare
Na trama, Chiara é a chefe de uma família de descendentes de imigrantes italianos, que, se sentindo solitária após o último filho sair de casa, decide acompanhar o marido em suas viagens como vendedor pelas bodegas e botecos da Serra. Ao longo do caminho, a relação será colocada à prova, na medida em que a protagonista revisa sua existência. Nesta jornada, a relação que Chiara desenvolve com uma tartaruga comprada pelo marido irá se mostrar central para a história, bem como um baralho de cartas.
Além do gracioso trabalho de Tedesco, o ator Hugo Lorenzatti dá vida ao conservador Alfredo, que consegue ser muito parecido com outras figuras próximas do nosso dia-a-dia por dizer um monte de bobagens pela sua ignorância, não necessariamente por má fé.
Esse personagem não cai no caricato, tampouco no etarismo justamente por ter Chiara ao lado, onde acompanhamos seu crescimento no decorrer do filme. De forma despretensiosa e até mesmo ingênua, ela começa rever seus conceitos cristãos ao estudar mais sobre o budismo.
Um baralho e uma bacia
O mais interessante da jornada da protagonista é que ela fica aberta a entender melhor o conceito de pós-vida do budismo depois que perde um filho e sente que nunca se despediu dele da forma adequada. É estabelecido que tudo que ela sabe sobre o budismo é baseado no senso comum de seu meio social, onde todos são cristãos.
Aqui há um diálogo muito interessante e até literal sobre como pessoas da terceira idade geralmente caem nas notícias falsas devido ao pouco conhecimento de como a internet pode ser maléfica. E por meio de “links tops” de “sites oficiais” que Chiara parte para uma jornada de reflexão e de como a intolerância com o diferente a afastou de seus filhos.
Na nova dinâmica de vida, Chiara parte em viagem todos os dias com Alfredo. Ela percebe que o marido costumeiramente aceita algumas taças de vinho nas pausas de sua viagem, mas foi descobrindo que os baralhos vendidos pelo marido para esses bares de beira de estrada é a ponta do iceberg para uma vida pregressa com verdades ocultadas e pequenas “trambiques”. Quem também sempre está acompanhando o casal nas viagens é Filomena, uma tartaruga, que fica dentro de uma bacia.
A dificuldade de envelhecer no nosso país
O filme tem parte de seus diálogos falados em talian, língua criada pelos descendentes de italianos, a partir da junção de diversos dialetos, mas predominantemente o vêneto, com o português. O uso do talian, metaforicamente falando, serve também para que o público entende que o casal principal protagonista em uma língua “antiquada” para os tempos modernos.
Isso é reforçado pelo trabalho de direção de Cristiane, que é bastante econômica na linguagem de seu longa. Com câmera fixa, muitos planos médios e abertos — sobretudo em cenas para mostrar a região. Cinematograficamente falando, o filme só ousa em uma iluminação mais artificial em cenas dentro da casa, onde Chiara está sob sob luzes diferentes ao decorrer do longa, enquanto Alfredo sempre é iluminado por uma luz de cor quente durante todo.
De forma sutil, como quase todos os temas abordados do longa, fala fala sobre a dificuldade de envelhecer no país. Como pessoas de terceira idade, em determinado do momento da vida podem ser lidas como “pesos” para seus filhos, onde os colocam geralmente em posição de isolamento, seja sozinhos em uma casa que comporta uma família inteira — que, embora pequena, todas as cenas internas são filmadas como se ela fosse maior — como emocionalmente.
Até Que A Música Pare pode ser lido como uma filme de superação de trauma, sobretudo por sua resolução, mas é também uma obra que aborda a importância de narrativas — no cinema e na vida — de pessoas mais velhas. A vida não termina só porque você envelheceu. Dá tempo pra viver, aprender as questionar as certezas que um dia você julgou ser inegociáveis.
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