Crítica | Black Mirror - 7x4: Brinquedo nos convida para um jogo que não vale a pena dar o play
Netflix/Divulgação

Crítica | Black Mirror – 7×4: Brinquedo nos convida para um jogo que não vale a pena dar o play

Há algo profundamente melancólico em revisitar os artefatos culturais de nossa infância – aqueles jogos de disquete, os tamagotchis que morriam por negligência, os gibis da Abril amarelados da pela ação do tempo. Black Mirror parece ter capturado essa melancolia em “Brinquedo”, episódio da 7ª temporada que tenta, com algum esforço, evocar o charme dos anos 90 e a paranoia tecnológica que a série domina tão bem. Mas o resultado é uma experiência cheia de boas intenções, mas frustrantemente descompassada, e, principalmente… chata.

Peter Capaldi, ator que carrego no coração desde seus dias como o Doutor mais ácido e existencialista da série “Doctor Who”, aqui se transforma em Cameron, um desenvolvedor de jogos que parece ter passado décadas trancado em um quarto cheio de códigos-fonte e latas de energético vencidas. Há algo tragicômico em sua performance – aqueles olhos arregalados, aquelas expressões faciais que beiram o grotesco – que lembra os melhores momentos de “The Thick of It”, mas infelizmente servindo a um material que não está à altura de seu talento.

Crítica | Black Mirror - 7x4: Brinquedo nos convida para um jogo que não vale a pena dar o play
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A premissa é, em tese, fascinante: um gênio obcecado por jogos que perde a noção entre realidade e fantasia, criando criaturas digitais (os Throngs) que são uma mistura bizarra entre Furby e os Minions após uma noite maldormida. O problema é que Brinquedo não decide se quer ser um estudo psicológico sobre isolamento e loucura, uma sátira sobre a indústria de jogos, ou um conto de ficção científica sobre Inteligência Artificial (IA). O resultado é um episódio que, como um jogo mal balanceado, falha em entregar uma experiência coesa.

A direção de David Slade (que dirigiu o episódio “Metalhead”) tem seus momentos de brilho – a sequência alucinógena no metrô é visualmente desorientadora, com cores saturadas e uma câmera que gira como se estivéssemos dentro de um glitch – mas essas escolhas estilísticas não conseguem esconder a fragilidade do roteiro. A narrativa salta entre passado e presente sem muita justificativa, como se estivéssemos alternando entre save states de um jogo que não sabemos como vencer. O jovem Cameron, interpretado com convicção por Lewis Gribben, é um personagem muito mais interessante que sua versão adulta – sua solidão e obsessão por jogos ecoam a de muitos de nós que crescemos colados em consoles, mas essa nuance se perde quando o episódio resolve apostar em um twist de ficção científica que parece saído de um roteiro rejeitado de “The Twilight Zone”.

E falando em twists, a conexão com “Bandersnatch” – o filme interativo de Black Mirror – é tão superficial que chega a ser desapontadora. Will Poulter aparece brevemente, como um easter egg ambulante, mas sua participação não acrescenta nada à narrativa.

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O maior pecado de Brinquedo, porém, é sua falta de impacto emocional. Black Mirror sempre foi uma série sobre ideias – sobre como a tecnologia amplifica nossos medos, nossas vaidades, nossa capacidade de crueldade. Aqui, porém, as questões levantadas – a humanidade é inerentemente violenta? Podemos nos conectar com inteligências artificiais? O que é real? – são tratadas sem nenhuma nuance. O final, em particular, é tão abrupto que parece ter sido escrito sob protesto – um anticlímax que deixa o espectador com a sensação de ter assistido a um longplay de um jogo que nem vale a pena zerar.

Crítica | Black Mirror - 7x4: Brinquedo nos convida para um jogo que não vale a pena dar o play
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Brinquedo é como aquele jogo de infância que você lembra com carinho, mas que, ao revisitar, descobre que nunca foi tão bom assim. Tem seus momentos – Capaldi enlouquecido, os Throngs pateticamente fofos, a nostalgia dos anos 90 – mas não consegue se sustentar como uma experiência memorável. E, em uma temporada que oscila tanto querendo “resgatar o Black Mirror do passado”, esse pode não ter sido o episódio que mais me frustrou, mas certamente o que me deixou mais entediado.

Talvez o maior ensinamento de Brinquedo seja justamente esse: nem toda nostalgia merece ser revisitada. Às vezes, é melhor deixar os disquetes no passado – antes que a poeira do tempo nos lembre que eles nunca funcionaram tão bem quanto a memória afetiva insistia em acreditar.

Todas as sete temporadas de Black Mirror estão disponíveis na Netflix.

Leia as críticas dos outros episódios da temporada:

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.