Crítica | DanDaDan: Quando fantasmas e aliens espelham a turbulência juvenil
Science Saru/Divulgação

Crítica | DanDaDan: Quando fantasmas e aliens espelham a turbulência juvenil

DanDaDan foi, sem dúvida, um dos grandes destaques dos animes do ano passado. Misturando fantasmas, aliens, adolescentes confusos e uma dose generosa de loucura criativa, a série consegue ser ao mesmo tempo hilária, emocionante e visualmente deslumbrante. Produzida pelo Science Saru, a adaptação do mangá de Yukinobu Tatsu é uma verdadeira viagem psicodélica que não tem medo de ser absolutamente surtada – e é justamente essa energia descontrolada que a torna tão especial.

Logo de cara, o que chama atenção em DanDaDan é sua vibe única. A série não se contenta em ser apenas mais um shounen de ação ou uma comédia romântica convencional. Ela abraça o caos, misturando horror sobrenatural, ficção científica e humor absurdo em uma narrativa que, de alguma forma, funciona.

Os protagonistas, Momo Ayase e Ken “Okarun” Takakura, formam uma dupla perfeita para conduzir essa loucura: ela, uma garota durona que acredita apenas em fantasmas; ele, um nerd tímido e esquisito obcecado por aliens. A dinâmica entre os dois é gostosa de se acompanhar, e a evolução do relacionamento deles – de rivais céticos a parceiros unidos pelo sobrenatural – é um dos maiores trunfos da série.

Os encontros com entidades sobrenaturais funcionam como metáforas para as crises internas dos personagens. Okarun, tímido e inseguro, é “abduzido” por forças além de seu controle (sejam aliens ou seus próprios hormônios), enquanto Momo, mais assertiva, enfrenta “fantasmas” que simbolizam seus traumas e ansiedades.

Isso evolui quando eles começam a despertar seus “poderes”. Momo é quem conduz e por muitos episódios, “segura a onda”, mantendo Okarun livre da maldição, demonstrando o amadurecimento de garotas em comparação aos garotos; ele, por sua vez, quando usa o poder oriundo da maldição da Vovó Turbo, se torna um adolescente chato, levemente depressivo e entediado, contrastando ainda mais a diferença entre os gêneros e o turbilhão de emoções dessa fase da vida

Crítica | DanDaDan: Quando fantasmas e aliens espelham a turbulência juvenil
Science Saru/Reprodução

Se essa história funciona muito do mérito está no trabalho de animação espetacular da Saru, seja por um uso inteligente e exagerado de cores e montagem. As sequências de ação são coreografadas com uma fluidez impressionante, os designs de criaturas – desde fantasmas assustadores até aliens bizarros – são cheios de personalidade, e a direção de arte equilibra perfeitamente o tom entre o horror e a comédia. A abertura, com “Otonoke” do dupla da rappers Creepy Nuts, é uma das melhores dos últimos anos: uma explosão de cores, simbolismos e energia pura, tudo ao som de um hip-hop que captura perfeitamente o espírito da série. Se há algo que DanDaDan acerta sem reservas, é a parte técnica.

Mas o que realmente surpreende na série é como, em meio a todo esse caos, ela consegue entregar momentos de genuína profundidade. Um dos melhores exemplos é o arco da Sedosa Acrobata, uma fantasma que, em vida, era uma mãe solteira lutando para equilibrar sua já sofrida rotina e cuidar de sua filha. Sua história é tragicamente humana: mesmo se esforçando ao máximo, ela acaba morrendo e tendo sua filha sequestrada, tornando-se uma alma perdida e rancorosa. A série não apenas a retrata como uma vilã, mas como uma figura triste, cuja raiva é, no fundo, apenas o reflexo de sua dor. É um contraste brilhante com o tom geralmente descontraído da série, e mostra que DanDaDan tem muito mais a oferecer do que apenas piadas e ação.

Outro antagonista memorável é, simplesmente, um contratado freelancer, caçador de recompensas que aparece para derrotar os protagonistas, mas que, após falhar, simplesmente pede ajuda financeira para cuidar de sua filha. É um momento tão absurdo quanto engraçado, mas que também dá dimensões ao personagem de uma forma inesperada. Esses pequenos lampejos de storytelling são o que elevam DanDaDan acima de outras obras do gênero.

Há ecos muito ricos do cinema de horror japonês, sobretudo o que se popularizou nos anos 60, como “O Gato Preto”, “Cega Obsessão” e “Onibaba”, seja no design dos personagens, escolhas estéticas, como no clima. Se em um episódio estamos vendo uma história de amor entre modelos anatômicos, no seguinte estamos embarcando numa história cheia de cores saturadas com um fantasma vingativo.

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Science Saru/Reprodução

No entanto, a série tem um problema recorrente com humor questionável, especialmente quando se trata da sexualização de corpos adolescentes. Momo frequentemente é colocada em situações de assédio ou violação de privacidade tratadas como piada – com cenas de exposição corporal forçada desde o 1º episódio do anime. Okarun também não escapa, sendo frequentemente humilhado em situações sexualizadas contra sua vontade. O anime age como se isso fosse apenas “comédia de constrangimento”, mas o resultado é muitas vezes mais desconfortável do que engraçado. É uma escolha narrativa frustrante, especialmente porque DanDaDan já prova em outros momentos que pode ser inteligente e emocional sem recorrer a esses tropos baratos.

Ainda assim, é difícil não se deixar levar pela energia contagiante da série. Mesmo com seus tropeços, DanDaDan é uma experiência única – uma mistura de ação eletrizante, humor absurdo e momentos genuinamente tocantes que dificilmente seria encontrada em qualquer outro lugar. A química entre os personagens, a trilha sonora marcante e a direção visual ousada fazem com que cada episódio seja uma surpresa, e é fácil entender por que a série conquistou tantos fãs.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.