Imagem de Dante, de Devil May Cry, sentado enquanto segura sua espada.
Reprodução: Netflix

Crítica | Devil May Cry dispensa sutilezas e faz alegoria a guerras reais

Poucas adaptações atuais possuem o talento e o carinho de não somente traduzir aquilo que a obra original conta, mas também propor uma um conceito diferente que justifique sua existência. Neste quesito, Devil May Cry cumpre bem o seu papel e nos apresenta uma nova perspectiva para uma franquia já consolidada.

De imediato, Devil May Cry estabelece sua estética, abordagem e ritmo. Para os fãs familiarizados com os temas abordados no jogos, os primeiros episódios da série serviram como um clássico “seja bem-vindo” entregando justamente aquilo que já esperavam de uma adaptação do título: violência, criaturas de outro mundo e muito estilo.

A trama principal

Não demorou muito, porém, para a série mostrar, com a menor sutileza possível, a reflexão proposta ao longo destes 8 episódios. A trama inicial nos apresenta a uma realidade em que um Coelho Branco vindo daquilo que conhecemos como o Inferno, chega ao nosso planeta para executar seu plano de mergir ambos os mundos, gerando caos e destruição aos humanos.

Imagem do Coelho Branco, vilão da sére Devil May Cry, segurando uma espada em um salão em chamas.
Reprodução: Netflix

A história é desenvolvida com cautela. Logo somos introduzidos aos possíveis (e improváveis) heróis da história, sendo o Governo dos Estados Unidos e a equipe secreta DarkCom, ambos liderados pelo Vice Presidente Baines (Kevin Conroy). Neste momento, as entidades são a principal arma da humanidade contra a eventual invasão demoníaca que promete acabar com o planeta Terra como conhecemos.

Escolhi falar destes personagens em específico antes do grande herói da trama, Dante (Johnny Yong Bosch), por um motivo em especial. Subvertendo a espectativa do público, Devil May Cry traça um paralelo interessante ao mostrar os “heróis americanos” não somente como os causadores dos males que virão, mas também como tão perversos quanto aqueles que chamamos de Demônios.

Na reta final da série, os criadores desenvolveram um reflexão, mostrando os demônios que vinham do inferno como criaturas que somente buscam um lugar melhor para viver, longe do ar tóxico e perigoso daquele lugar que costumávam chamar de lar. Aqui, Devil May Cry humaniza, sim, aqueles que são vistos como monstros.

A perspectiva é interessante por si própria, ainda mais levando em conta a revelação de que o principal vilão da temporada, o Coelho Branco, se tornou o que é justamente pela opressão e violência que imposta pelo governo americano e pela DarkCom sobre os demônios.

Paralelos com a vida real

Devil May Cry não faz questão de camuflar a semelhança de sua trama com eventos recentes fora das telas, no mundo real. Ao inverter a posição de bem e mal, a série faz uma dura crítica a como os Estados Unidos lidam com as temáticas que envolvem refugiados de guerra e imigração.

Imagem de uma família de demônios na série Devil May Cry
Reprodução: Netflix

Assim como citado pelo Coelho Branco em um momento intenso, migrar para o mundo dos humanos, ainda que este seja longe de ser perfeito, é a melhor opção que demônios e outras criaturas inofensivas têm para conseguirem sobreviver e criar suas famílias com dignidade.

Este tema não é novo no cenário político moderno, e Devil May Cry fez questão de expressar sua visão diante dessa realidade. Se o paralelo ainda não estava claro para todos, o seriado assina sua reflexão ao tocar a música “American Idiot”, da banda Green Day, em uma cena em que o governo americano executa um plano de invadir e explorar os terrenos do inferno, forçando famílias a abandonarem seus lares.

A reflexão, além de muito bem-vinda, é o tempero extra adicionado à essa adaptação que mostrou ter coragem em alterar e reimaginar conceitos previamente abordados nos jogos, provando que é possível balancear a fidelidade com a novidade.

Desenvolvimento

Por fim, antes de tocar em assuntos mais técnicos da série, eu não poderia deixar de comentar sobre o protagonista Dante. O personagem é o a peça central dessa trama, fazendo a ponte entre o mundo dos humanos e o mundo inferior, já que ele, por si só, é um híbrido das duas raças.

O Dante mostrado no seriado traduz exatamente o que esperamos do iconico personagem dos jogos. O estilo despojado, habilidade invejável e o carisma incomparável é o suficiente para já cairmos nas graças do herói.

Imagem de Dante, protagonista de Devil May Cry
Reprodução: Netflix

Afinal, como não se render ao tom descolado e impressionante usado por Dante? O seriado se destaca em vender o protagonista e também outros personagens da história através das cenas de ação. Se tratando de Devil May Cry, não poderíamos esperar menos que combates frenéticos, violentos e com muito estilo.

Portanto, a série entrega justamente isso, e o melhor – no tom certo. A narrativa agradável e enredo cativante se unem a uma direção madura e roteiro consistente. A estética da animação não surpreende ao se aproximar mais de animes do que de outros estilos, levando em consideração a origem japonesa da Capcom.

Considerações Finais

Por fim, a impressão que fica é que Devil May Cry sabe muito bem como agradar e como incomodar, e isso é dizer muito. A série mostrou capacidade para impactar tanto os fãs de longa data quanto aqueles que não conhecem o universo. Entretanto, ao tratar de assuntos espinhosos que, na teoria, não desrespeitam a obra original, Devil May Cry delimita seu território.

Tendo hinos de bandas de Nu Metal dos anos 2000 como trilha sonora, Devil May Cry consegue ser estonteantemente maneira e impressionantemente consciente. Assim, o seriado passa uma vibração de uma época levada pelo tempo, e ao mesmo tempo nos entrega uma reflexão mais atual do que nunca.

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