Durante mais de uma década interpretando a dona Nenê na TV e no cinema, a atriz Marieta Severo construiu umas das mães mais queridas da cultura pop brasileira. Ser marcada de tal forma por uma personagem, definitivamente é incrível para uma artista, mas, por outro lado, torna-se desafiador criar vínculos com novos personagem sem o peso do passado. E esse é seu desafio em Domingo à Noite.
Dirigido por André Bushatsky (“Um Pouco de Mim, Um Pouco de Nós”), no filme, acompanhamos a vida de Margot (Marieta Severo), que tem 75 anos e é uma das maiores atrizes do Brasil, além de ser casada há 50 anos com Antônio (Zé Carlos Machado), escritor premiado e com Alzheimer avançado.
Além do amor do casal, o longa-metragem usa sua protagonista como uma metáfora da memória enquanto forma de resistência para um artista.
Na trama, Margot faz de tudo para manter a independência do casal e cuidar do marido sozinha, ela enfrenta dificuldades para finalizar seu último trabalho como atriz. Ela também luta para manter o amor vivo diante da falta de memória do marido.
Tanto a vida dela, quanto de seus filhos, muda completamente a partir do momento em que ela descobre que também tem Alzheimer.
Agora, ela precisará correr contra o tempo se quiser terminar um último trabalho, se reconectar com os filhos e manter a independência para morrer em paz.
Falta de Conexão
De início, imaginei que o longa seguiria os moldes de alguns filmes recentes sobre a temática, como “Amor”, de Michael Haneke e “Meu Pai”, de Florian Zeller. Em partes o filme de Bushatsky até faz isso, mas o filme tem uma grande estrela: Margot e seus arco vão além do matrimonial neste longa-metragem.
Após passarmos os primeiros minutos entendendo a dinâmica dela cuidando do marido e as saídas para gravações de cenas, a construção da mise em scène desses momentos, em uma mansão, que fica ainda maior ao ser residida por duas pessoas, somado a uma trilha sonora incidental composta apenas por um piano calmamente tocado, cria uma desconexão tão grande com o público médio.
Evidentemente essa construção de som e imagens quer criar um ar melancólico no drama central, no entanto, a cada acorde daquele piano e close nas obras de arte que compõe a mansão, me desconectou do problema central.
Aí chegaram os filhos
Um ponto de virada fundamental no longa e a entrada dos filhos do casal na trama. E é entrada mesmo. O filme é bem claro quanto a relação distante entre a também atriz Francine (Natália Lage) e o economista Guto (Johnnas Oliva) são distantes dos pais.
A partir desse momento o roteiro de Bruno Gonzalez começa a dar mais sabor ao filme. Desde os primeiros diálogos conseguimos pescar assuntos mal resolvidos de todos os lados, além de um grande trauma.
A personagem de Marieta finalmente fica mais interessante e seu papel como mãe acaba aproximando um público que boa parte do primeiro ato afastou. Ela tem 75 anos, está com uma doença degenerativa, mas ainda é quem dá a última palavra naquela casa, mesmo estando completamente errada.
Com a construção dessa mãe cabeça dura, conseguimos compadecer e até mesmo ver um pouco de nossas mães na Margot toda vez que interage com os filhos.
Com o decorrer do longa, vamos entendendo melhor essas relações, os motivos da família ser tão afastada e qual é esse grande trauma.
Isso tudo me interessava mais do que a história do trágico do rico casal com Alzheimer. Mas o texto de Gonçalves não esqueceu de sua trama central, e no final do segundo ato começa a costurar a relação familiar conflituosa com a tragédia que é um escritor e uma atriz perderem a memória.
Ainda falando em memória, há algumas cenas de flashbacks completamente desnecessárias. Elas, na verdade, tiram a força do texto de Gonçalves, sobretudo a última, que conta com uma representação muito datada de uma pessoa com dependência química.
Não sai do tom
Se os novos personagens conseguiram dar um novo sabor ao filme, a decisão de manter o mesmo piano, praticamente repetindo os mesmos acordes, na mesma morosidade parecia cada vez mais desconectado do longa, que já tinha saído da monotonia. Certamente, um dos aspectos mais fracos do longa.
Afinal, e o domingo à noite?
Uma das vantagens de assistir filmes em cabines de imprensa é que em alguns casos, como foi de Domingo à Noite. Com a presença do elenco principal, diretor e roteirista.
Um dos colegas lá presentes questionou Bushatsky sobre o nome do longa e ele respondeu que quis passar ao público essa sensação de um domingo em família.
Até entendo as intenções do diretor, mas só o fato de um jornalista fazer essa pergunta após a exibição do filme reforça que a mensagem do título não ficou tão clara.
Quando parar?
Apesar de muito irregular, o longa consegue criar ótimas cenas em um terceiro ato muito bom. O roteiro fecha todas as feridas abertas na família, reconecta essa família – destaque para a cena da praia – e resolve todos os assuntos pendentes, do passado e até do futuro de Margot.
Se o início de Domingo à Noite foi de distância, sua última cena, elegantemente, conseguiu dar um final adequado para Margot, e Marieta conseguiu, no último suspiro do filme, me conquistar, como dona Nenê fazia semanalmente.
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