Todo gênero musical tem um grupo seleto de artistas que o movem para frente e faz com que ele se desdobre em diferentes formas alcançando novas possibilidades. Don L está incluso com louvor no grupo do rap nacional. Em seu mais novo álbum, “Caro Vapor II – Qual a forma de pagamento?”, o rapper cearense faz uso de uma vasta pesquisa musical para fazer uma nova integração do rap com a música popular brasileira.
Ao longo de 15 faixas, vemos o artista embrenhar seu flow e suas rimas em meio samples, citações e elementos do samba, da bossa nova, do jazz, da mpb clássica, do baião, do funk, do r&b e outros. O resultado é um disco de peso, que surpreende a cada faixa e abre muitas novas possibilidades para o hip hop, sai do lugar comum das tendências do momento e inventa seu próprio universo.

Com uma produção baseada em batidas já montadas pelo próprio Don L e depois finalizadas, em sua maioraia, pelo produtor Iuri Rio Branco, além da colaborações de Nave, de RPA2, “Caro Vapor II”, consegue ser experimental e vanguardista ao mesmo tempo em que mantém muito do rap clássico e bebe de muitas referências tradicionais da música brasileira.
O disco é a continuação de “Caro Vapor: Vida e Veneno de Don L” (2013), seu primeiro trabalho na carreira solo, e atualiza aqui as questões envolvendo a luta pela sobrevivência do povo preto nas periferias do Brasil. Agora, o artista que nasceu em Brasília mas cresceu em Fortaleza se vê inserido em uma nova realidade com contornos distópicos e um capitalismo ainda mais feroz do que o da década passada e busca novas estratégias para viver.
“Caro” abre o álbum com uma letra que nos mergulha diretamente para esse cenário distópico e funciona como abertura de um filme. “Para Kendrick e Kayne” é o próprio “Para Lennon e McCartney” (Canção de Milton Nascimento) de Don L, com citações da música que serviu de inspiração, tendo seus versos entoados por Giovani Cidreira. Aqui, o rapper se refere aos dois astros internacionais para apontar que eles desconhecem a realidade do sul global.
Cidreira também aparece em “Aff Maria”, faixa que mistura o suingue brasileiro com o afrobit e conta com um arranjo de sopros caprichado. “Pimpei Seu Estilo” é um delicioso r&b que se funde com a batida do funk para adicionar uma alta dose de sensualidade ao disco. “Tristeza Não” traz Anelis Assumpção para a mistura e retoma o afrobit, desta vez com flertes com a mpb.
“Saudade do Mar” é mais um momento surpreendente de interligações com o cancioneiro popular brasileiro. A faixa referencia Dorival Caymmi e traz a voz de Alice Caymmi ecoando os versos de “Só Louco”. “Imigrante” tem um quê de trilha de faroeste com Don L dividindo a voz com o grupo Terra Preta. A parceira também se estende em outra excelente faixa, “Venci na Vida”.
“Mar da Argélia” transita entre a soul music com uma leve levada de jazz. “Melhor da Vida” volta ao funk, desta vez contando com o reforço de MC Dricka. “Tudo é Simulação” encerra a obra com uma sintese de toda a realidade distópica a qual Don L tenta enfrentar durante a obra e a finaliza com uma interessante experimentação eletrônica.
Em “Caro Vapor II – Qual a forma de pagamento?”, Don L tem seu álbum mais maduro e mais ousado. Ao mesmo tempo em que fala de uma realidade complexa, sombria e desafiadora, o rapper usa várias experimentações com diferentes vertentes da música brasileira para trazer luz e novas possibilidades de futuro para obra. O que fica é um disco cheio de camadas e elementos para servirem de inspiração e referências para as próximas gerações do rap.
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