“Às vezes sinto que o passado é um lugar mais confortável do que o futuro”. A frase, dita por Harold Levinson (interpretado por Paul Giamatti) já perto do encerramento de Downton Abbey: O Grande Final traduz o sentimento de muitos fãs diante do fim da amada história.
Após quase 15 anos, 6 temporadas, 3 filmes e 5 especiais de Natal a franquia, que já se despedia lentamente do público nos dois longas anteriores, encerra a trajetória celebrando os personagens, preservando o tom e o ritmo característicos da narrativa e, sobretudo, honrando os laços profundos do público com esse universo.
Downton Abbey: O Grande Final acompanha a saga da família Crawley e seus empregados diante dos novos desafios impostos pelos anos de 1930. No longa, os personagens enfrentam transformações sociais, dificuldades financeiras e o risco de vergonha pública após o escândalo do divórcio de Lady Mary (Michelle Dockery).
Boa parte da escolha do enredo principal deve-se a ausência do ator Matthew Goode (intérprete do segundo marido de Lady Mary, Henry Talbot) e da morte de Maggie Smith, matriarca dos Crawley, que já havia se despedido da franquia no último longa antes do falecimento da atriz. Contudo, o criador e roteirista, Julian Fellow, transforma os contratempos dos bastidores para explorar os dramas e conflitos entre tradição e modernidade, traço marcante da saga.
Claro, como é costume no universo de Downton, são as subtramas que dão ritmo e tornam a obra mais interessante. E o roteiro aproveita esse traço identitário da franquia para disfarçar essas ausências.
A dificuldade de Carson em passar o comando para Andy após a aposentadoria, o casamento da Sra. Patmore com o Sr. Mason, Daisy assumindo a cozinha ou Isobel liderando a Feira do Condado, são algumas delas. Há também os desafios na relação de Sr. Molesley com sua recém-esposa Phyllis Baxter, agora que ele se tornou roteirista de Hollywood, o ex-mordomo Thomas Barrow e seu relacionamento com o ator Guy Dexter, Anna e o Sr. Bates aguardando outro bebê.
Essas histórias paralelas, se é que ainda podemos chamá-las assim após 15 anos, equilibram perfeitamente os dramas do “andar de cima” e do “andar de baixo”. Elas nos permitem acompanhar os últimos momentos desses personagens e despedir-se deles da maneira ideal.
A mansão de Downton Abbey também deixará saudades

Até a mansão de Downton Abbey, que se tornou ponto turístico em Hampshire, na Inglaterra, parece dizer adeus a cada cena. A construção, que passou por mudanças radicais na trama, de hospital de guerra a cenário de filme, não aparece nos primeiro momentos do longa. A produção inicia-se com alguns dos personagens em Londres, onde vemos pela primeira vez as consequências do divórcio de Lady Mary, logo após ela ser expulsa do baile de Lady Petersfield (Joely Richardson).
Assim, revisitamos alguns personagens antes da majestosa mansão finalmente surgir. A cena é envolta pela clássica música tema da franquia e, quando Downton finalmente aparece, o sentimento de nostalgia domina – não são apenas os personagens que voltaram para casa.
Os detalhes visuais impressionam (como sempre)

Visualmente, O Grande Final demonstra que mesmo após anos, a franquia ainda deslumbra com cada detalhe. Os figurinos de Anna Robbins não apenas representam a época com precisão, mas refletem as transformações dos personagens – com destaque especial para o vestido vermelho de Mary no baile londrino.
Já o trabalho do designer de produção Donal Woods mantém o padrão de excelência, agora com locações inéditas, como uma corrida de cavalos extravagante e a Feira do Condado. Cenários como estes são aproveitados para apresentar ao público belos detalhes históricos.
A difícil ausência da Condessa Viúva

Porém, é difícil não sentir falta de um elemento-chave do universo Downton: Violet Crawley, interpretada pela lendária Maggie Smith. Apesar da personagem já ter se despedido no último filme, sua ausência ainda é sentida. O longa tenta prestar constantes homenagens à matriarca, e, ao mesmo tempo, distribui entre os demais personagens a responsabilidade de preencher o vazio deixado pelos comentários ácidos e imponentes da atriz.
Nesse sentido, Isobel Crawley (Penelope Wilton) parece assumir mais essa função. A dinâmica entre a personagem e o presidente da Feira do Condado lembra muito as cenas de Violet, com Isobel não pensando duas vezes antes de se posicionar contra as decisões do presidente.
Além disso, a matriarca é frequentemente mencionada durante debates entre os personagens e seu retrato em destaque na mansão acompanha as decisões da família. Até uma homenagem sutil a Smith é feita com a presença do dramaturgo Noël Coward (Arty Froushan), que se inspira na história do divórcio de Mary e em uma conversa com o Sr. Molesley (Kevin Doyle) para criar a peça “Vidas Privadas“, produção que rendeu a Smith uma indicação ao Tony em 1975.
As transformações e relações fortalecidas dos personagens

Porém, a ausência da Condessa Viúva não enfraqueceu a evolução dos personagens após anos de história. Para os fãs que acompanharam cada narrativa desde o início, é emocionante ver como todos amadureceram e superaram desafios.
Um exemplo claro é a relação entre Edith (Laura Carmichael), agora Marquesa de Hexham, com sua irmã Mary. As duas, que enfrentaram divergências, competições e ciúmes, tiveram poucas cenas apoiando-se mutuamente, como durante a morte da casula Lady Sybil (Jessica Brown Findlay). Em O Grande Final, finalmente, Edith e Mary se comportam como irmãs.
Tom Branson, interpretado por Allen Leech, é outro personagem que mudou ao longo da franquia. Originalmente um motorista irlandês com ideais progressistas casado com a casula dos Crawley, Tom torna-se um membro respeitado da família. Em O Grande Final, o personagem ajuda Lord Grantham (Hugh Bonneville) a entender a importância de passar o comando de Downton para Mary, aconselhando-o com uma frase que representa bem sua jornada na história: “O sistema não funciona se as pessoas se apegarem a ele por tempo demais.”
Outra relação capaz de aquecer os corações dos fãs é a de Lord Grantham com o mordomo agora aposentado, Mr. Carson (Jim Carter). Em uma das cenas, o patriarca dos Crawley, angustiado com a ideia de Mary assumir o comando da propriedade, busca conselho junto a Carson em seu simples chalé. A sequência, lindamente escrita e encenada, revela como a amizade duradoura entre os dois evoluiu ao longo dos anos e como esse vínculo é mais importante do que as barreiras de classe que os separam.
Porém, o verdadeiro destaque está na evolução de Edith. No longa, a marquesa finalmente ocupa seu merecido espaço na narrativa. Agora não mais como uma mulher insegura, ofuscada pela presença de Mary, mas como alguém que encontrou suas paixões e voz em meio as complexas dinâmicas da alta sociedade.
É impossível não esboçar um sorriso ao vê-la usar sua eloquência e influência para colocar o americano golpista Gus Sambrook (Alessandro Nivola) em seu devido lugar após descobrir que o empresário está enganando o irmão de Cora (Elizabeth McGovern).
Uma carta de amor aos fãs

Downton Abbey: O Grande Final é uma carta de amor aos fãs da franquia. Com constantes lembranças a todos que passaram, por meio de piadas, comentários e referências, os momentos fan service são bem-vindos no capítulo final da história.
Para quem acompanhou os personagens desde o início, é impossível não se emocionar no desfecho, quando Mary, sozinha em uma das salas da mansão, revive cenas passadas com todos reunidos no salão, incluindo aqueles que se despediram ao longo da série. A produção entrega exatamente o desfecho prometido, oferecendo aos fãs um último adeus aos personagens amados. E, como diz Mary na última fala do filme: “Vida longa a Downton Abbey!”.
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