David Michael Kennedy

Crítica | Nebraska ’82: Expanded Edition reconta história do maior clássico de Bruce Springsteen

Relançamento chega junto de cinebiografia sobre este período da vida do Boss

Nebraska, sexto álbum de Bruce Springsteen, está sendo relançado na esteira da estreia da cinebiografia “Springsteen: Salve-me do Desconhecido”, focada neste momento da vida do artista. A edição, intitulada Nebraska ’82: Expanded Edition, é um pacote luxuoso com 4 CDs e um Blu-ray com muitos extras. Saiba por que ele merece a sua atenção.

Em 1982, Springsteen parecia invencível. Sucesso de público e crítica, o cantor e compositor entrou no ano novo ainda colhendo os frutos de “The River” (1980). O quinto álbum do cantor, foi seu primeiro a encabeçar a parada norte-americana e, com “Hungry Heart”, até um hit single ele emplacou no top 10.

Isso por fora. Apesar do sucesso, Springsteen passava por um momento de insegurança. Sem uma casa própria para viver ou um relacionamento amoroso duradouro, o astro sofria com uma forte depressão, posteriormente diagnosticada, e sentia-se sem rumo.

Ao mesmo tempo, a CBS estava animada com o futuro de seu contratado, já imaginando que em seu próximo trabalho o Boss iria chegar ao superestrelato. Em troca, a gravadora recebeu um disco acústico, gravado de forma amadora pelo artista no quarto da casa onde estava morando em Nova Jersey: Nebraska.

Mesmo tido como difícil, ele chegou ao terceiro lugar na Billboard e, até hoje, já vendeu cerca de 1 milhão de cópias nos EUA. Mais importante, ele mostrou que, dali para frente, Bruce poderia fazer o que bem entendesse na sua carreira.

Influenciado por filmes como “Terra de Ninguém”, de Terrence Malick, o som radical do Suicide e a literatura de Flannery O’Connor, o cantor e compositor, então com 32 anos, gravou o LP que considera sua maior obra-prima.

O duo Suicide. Influência inusitada

Nos mais de 40 anos que se passaram desde o seu lançamento, Nebraska tornou-se um trabalho cercado de lendas e mítica. O recém-lançado box lança luz sobre esse período fascinante na história do músico.

‘Electric Nebraska’ e os outtakes

Nebraska, como é sabido por fãs e historiadores, nasceu de maneira acidental. Não é que Bruce tenha buscado conscientemente fazer um disco não comercial, gravado de modo amador, com composições repletas de temas sombrios e acompanhamento mínimo.

Ao gravar suas novas composições em um estúdio portátil, Springsteen buscava somente ter um punhado de demos. A ideia era que, depois disso, as músicas seriam registradas em um ambiente mais profissional.

Após algumas tentativas ficou claro que as versões presentes no cassete se mostravam mais potentes que as regravadas. Springsteen então bateu o pé e decidiu lançar a demo como seu novo disco. O processo de masterização não foi fácil, mas chegou-se a um resultado mais do que aceitável, para um LP registrado em uma fita cassete caseira.

Springsteen em 1982 (brucespringsteen.net/)

A nova edição abre com nove faixas também gravadas no quarto durante as sessões que originaram o disco original. A demo de “Born In The USA”, radicalmente diferente do sucesso de 1984, já era conhecida desde 1998. As versões preliminares de “Pink Cadillac” e “Downbound Train” ainda não. Ambas são igualmente interessantes e mudaram bastante até ganharem suas caras definitivas.

Entre as canções que ainda estavam inéditas, a assustadoramente premonitória “Gun In Every Home“, é o destaque maior . De qualquer forma, fica claro que Bruce escolheu as melhores faixas para o álbum. Isso não tira o prazer de se ouvir estes outatkes tantos anos depois.

O segundo disco traz aquilo que por anos os fãs sonharam conhecer: as gravações feitas em estúdio com a E Street Band – ou parte dela. Sabia-se da existência deste material, mas ele nunca havia sido pirateado. Em entrevista recente, o próprio Bruce se disse surpreso ao ouvir as fitas, já que não se lembrava mais da feitura delas.

O que se nota ao ouvir o material é que Max Weinberg, Roy Bittan e Garry Tallent (bateria, piano e baixo) não conseguiram acrescentar muito às composições. Fato: as canções com pegada de rockabilly até funcionam bem, mas no grosso do material, eles se limitaram a companhar Springsteen. Assim, por mais deliciosas que sejam as versões de “Atlantic City” e “Johnny 99“, percebe-se que novamente o instinto de Bruce estava certo. Ainda nesse disco, vale ouvir a versão de “Born In The USA” com a banda replicando a pegada da demo tape.

Um pouco menos interessante, mas só um pouco, é o disco 3. Ele traz Bruce cantado todas as faixas de Nebraskaao lado de Larry Campbell e Charlie Giordano que fazem adições mínimas ao material. Essa performance também pode ser vista em vídeo para quem comprar a edição física. Uma edição remasterizada do álbum original, outro atrativo para os fãs, completa o pacote.

E depois?

A edição deluxe de Nebraska deixa claro que este foi um projeto fechado. Ou seja, ainda que Springsteen tenha composto nessa época canções que fariam parte de “Born In The USA”, as sessões dos dois LPs não se atropelaram.

Isso não significa que Bruce tenha ido diretamente de um projeto espartano para o mais exageradamente produzido de sua carreira. Uma peça fundamental desta história chegou ao mercado também em 2025, mas em outro caixote.

“Tracks II”, foi lançado em junho passado trazendo a íntegra de sete álbuns do artista que não foram lanaçdos comecialmente. Talvez o mais fascinante deles seja justamente o CD 1. “L.A. Garage Sessions ’83” mostra que antes de abraçar um som mais mainstream, o cantor pensou em seguir a linha de Nebraska. O disco traz várias músicas mais intimistas, ainda que registradas de maneira mais profissional.

Seja como for, em algum momento do processo, Bruce sentiu que a hora de fazer um disco para as massas havia chegado e que ele não deveria temeer o sucesso. O resultado desta mudança de pensamento? O álbum Born In The USA, que se tornou o disco mais vendido de 1985 e fez dele um superastro em escala global.

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