Crítica | Elton John: Never Too Late marca uma despedida bonita, mas sem brilho
Disney+/Divulgação

Crítica | Elton John: Never Too Late marca uma despedida bonita, mas sem brilho

Elton John é um daqueles artistas que transcendem a música para se tornarem parte do imaginário coletivo. Suas canções são hinos, seus óculos estravagantes, e suas performances são espetáculos que marcaram épocas. Mas, como todo grande mito, Elton carrega consigo uma história repleta de tonalidades cinzentas. Elton John: Never Too Late se propõe a contar essa trajetória, e enquanto acerta em muitos aspectos, também deixa a desejar em outros. É um documentário que celebra, mas que poderia ter ousado mais.

A abertura do filme é um dos seus pontos mais fortes. Elton nos guia por sua vida apenas com sua voz, em uma entrevista íntima que parece um bate-papo entre amigos. É uma escolha arriscada e eficaz: nos faz focar nas palavras, na história, no homem por trás da estrela. O documentário é uma colcha de retalhos costurada com imagens de arquivo, animações vibrantes e performances. As animações, em particular, são um destaque. Elas capturam a essência visual de Elton, com cores berrantes e formas que parecem saídas de um sonho psicodélico. É como se o próprio artista estivesse ilustrando sua vida.

A música, claro, é o coração do filme. Cada canção é um marco, um momento que define não apenas sua carreira, mas também sua vida pessoal. A parceria com Bernie Taupin, por exemplo, é retratada com uma profundidade que nos faz entender a magia por trás de hits como “Tiny Dancer” e “Goodbye Yellow Brick Road”— elas são obrigatórias sempre que estou em um karaokê.

E é aqui que o documentário brilha: ele não se contenta em apenas mostrar o sucesso; ele nos leva para dentro do processo criativo, revelando como a música foi, para Elton, uma forma de escapar das dores da vida.

Crítica | Elton John: Never Too Late marca uma despedida bonita, mas sem brilho
Disney+/Divulgação

Mas, ah, as dores… Elas estão lá, expostas sem pudor. A infância difícil, marcada por uma relação distante com os pais, é um dos temas mais comoventes do filme. O pai, que nunca aprovou sua carreira, deixou um vazio que Elton tentou preencher com fama, drogas e excessos. O documentário não poupa detalhes sobre essa fase sombria, mas o faz com uma sensibilidade que evita o sensacionalismo. Em vez de julgar, ele nos convida a entender. E é impossível não se emocionar ao ver como Elton transformou essa dor em arte.

Um dos problemas centrais de Elton John: Never Too Late é justamente o que poderia ter sido sua maior vantagem: o fato de David Furnish, marido de Elton, ser um dos diretores. Com acesso privilegiado a registros íntimos, fotos de família, vídeos caseiros e histórias pessoais que poucos conhecem, o documentário tinha o potencial de ser uma obra profundamente reveladora. No entanto, essa proximidade parece ter se tornado uma armadilha. Em vez de explorar os cantos mais sombrios e ou mesmo curiosos da vida de Elton, o filme opta por uma abordagem segura, quase reverencial, que evita aprofundamentos. Furnish, por mais bem-intencionado que seja, talvez tenha ficado preso na linha tênue entre contar uma história honesta e proteger a imagem do marido. O resultado é um documentário que, embora emocionante em muitos momentos, deixa a sensação de que muito foi deixado de fora.

A montagem do filme, por sua vez, segue uma fórmula tradicional que, embora funcional, não chega a surpreender. A estrutura é linear, começando na infância de Elton, passando pelo auge da fama, pelos momentos de crise e culminando na aposentadoria e na vida familiar. É uma narrativa clássica, mas que peca pela falta de ousadia. As animações e as imagens de arquivo são bem utilizadas, mas não há uma tentativa real de inovar na forma de contar essa história. Faltou um olhar mais crítico, uma edição mais arriscada ou até mesmo uma abordagem temática em vez de cronológica. O documentário não é chato, mas também não é tão cuidadoso quanto a trajetória de Elton John merecia.

Ainda assim, há momentos de pura magia. A relação de Elton com sua sexualidade, por exemplo, é abordada com uma honestidade que comove. Ver como ele demorou a se assumir publicamente, e como isso afetou sua vida, é um lembrete poderoso de que até os maiores ícones têm suas lutas internas. E, claro, há a família. O documentário mostra como, após anos de turbulência, Elton encontrou no amor do marido e dos filhos o refúgio que sempre buscou. É emocionante vê-lo falar sobre sua vida doméstica com um sorriso no rosto, como quem finalmente encontrou seu lugar no mundo.

A música-título, “Never Too Late”, feita em colaboração com Brandi Carlile, é o ponto alto do filme. A performance ao vivo, mostrada no documentário, é de tirar o fôlego. É como se Elton estivesse resumindo sua vida em uma única canção: “Nunca é tarde para recomeçar, para encontrar o amor, para ser feliz”. E é essa mensagem que fica, mesmo após os créditos rolarem.

Elton John: Never Too Late é, acima de tudo, uma celebração. Uma pouco tímida, é verdade, mas não deixa de celebrar a música, a arte, da resiliência. Ele nos lembra que, por trás de toda a glória e fama, há uma pessoa que, como qualquer um de nós, busca amor, aceitação e um lugar para chamar de lar. Ao final do filme, fica claro que Elton John não está apenas se aposentando dos palcos; ele está, finalmente, encontrando paz. E, nesse sentido, o documentário cumpre seu propósito: celebrar não apenas o artista, mas o homem que, após uma vida de altos e baixos, descobriu que nunca é tarde para ser feliz.

E, cá entre nós, se alguém merece um final feliz, esse alguém é Elton John.

Elton John: Never Too Late está disponível no Disney+.

Leia outras críticas:

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.