Fazer especulação sobre uma pessoa morta nunca é legal, mesmo assim, se tem algo que eu tenho certeza é: Fernanda Young ODIARIA que uma biografia seguisse uma linguagem tradicional. Felizmente, a multiartista pode descansar em paz porque Fernanda Young, Foge-me ao Controle faz jus à sua trajetória, sem temas blocados e mecanizados, mas tudo fluindo como seus textos e abusando de uma bem-vinda linguagem experimental na edição.
Ao filmar uma biografia os caminhos são os mais variados e Susanna Lira (“Mussum, um Filme do Cacildis”) em focar mais na relação coerente entre obra escrita e a vida da escritora — que, de fato, são indissociáveis. Esse enfoque garante um olhar consequente ao documentário, dando voz à escritora por meio das palavras de Maria Ribeiro.
Desconstruindo Fernanda Young
Como já citado, existe um esmero na montagem desse documentário, que funciona como uma forma metafórica de funcionamento da cabeça da biografada. Nesse sentido, vale destacar o trabalho de Italo Rocha, que evita os lugares comuns, e há uma trilha sonora musical belíssima de Flavia Tygel, que sai das guitarras distorcidas para o piano com a maior naturalidade.
No entanto, existem caprichos técnicos em alguns excessos — talvez numa tentativa de capturar o da própria personagem —, algo que particularmente não me incomodou, mas sei que os planos das imagens e insistente intervenções nas texturas podem desagradar alguns.
Direção certeira
Dito tudo isso, o ponto alto está quando vemos Young tanto nos programas e entrevistas que participou como convidada — como Saia Justa, Marília Gabriela e Antonio Abujamra — quanto nos famosos programas que escreveu (“Os Normais” e “Os Aspones”). Lira consegue nesses momentos resgatar o cerne do pensamento de Young, questionadora implacável do papel das mulheres na sociedade brasileira contemporânea.
Em grande parte dos documentários sobre pessoas que já partiram, existe uma limitação narrativa de representá-las pelos olhos e falas de outros, com um filme composto de entrevistas que revelam como o biografado era através das memórias de quem o conheceu.
Fã confesso
É normal para um crítico, que ama cinema, se deparar com obras de seus ídolos e é normal também travarmos uma batalha interna para que nossa idolatria não acabe influenciando na avaliação final da crítica. Minha relação com a Young é com a escrita. Se hoje sou roteirista e jornalismo, provavelmente foi por causa do dia que peguei um roteiro de “Os Normais” para ler em meados de 2012.
Até por usar ela como referência de estudo, fico feliz pelo documentário seguir essa linha fora do padrão, justamente para que um dia, talvez, por meio dele, inspire mais pessoas criativas.
Mas esse não foi o destino de Fernanda Young — ainda bem. Lira toma a decisão certeira de não permitir que outros falem sobre a vida e história de Fernanda, conduzindo a narrativa com entrevistas dadas pela mesma e leituras de seus textos. Através dessa decisão, possibilita que o público tenha uma conexão infinitamente mais forte com a figura emblemática dessa escritora.
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